Há exactamente 48 anos, Angola celebrava a sua ascensão à Independência, na meia-noite de 11 de Novembro de 1975. Essa data marca, também, o nascimento dos símbolos nacionais do novo Estado, nomeadamente a Bandeira Nacional, o Hino Nacional e a Insígnia Nacional, conforme a Lei Fundamental aprovada a 10 de Novembro de 1975. Desde então, a referida Lei Fundamental conheceu sucessivas revisões e que culminaram com a aprovação, a 5 de Fevereiro de 2010, da Constituição da República de Angola.
Com efeito, nos números 1 e 2 do artigo 18.º da referida Constituição, consagra-se, de modo expresso, que a Bandeira Nacional, a Insígnia Nacional e o Hino Nacional, enquanto símbolos nacionais, representam a soberania e a independência nacionais, a unidade e a integridade da República de Angola. Portanto, a efeméride que hoje se assinala, mais do que a realização do direito do povo angolano à sua autodeterminação, encontra um vivo respaldo simbólico na Bandeira Nacional e nos demais símbolos acima referidos.
A Constituição impõe, ainda, a obrigação de aqueles símbolos serem respeitados por todos os cidadãos e instituições, públicas e privadas. Ademais, é tal a importância dos símbolos nacionais que o Código Penal, no número 3 do seu Artigo 333.°, sanciona o ultraje dos mesmos com pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias. O descritivo dos símbolos nacionais é reflexo da história de emancipação política dos angolanos, que tiveram de resistir a quase quinhentos anos de colonização, tendo a independência sido conquistada por via de uma sangrenta luta armada. Assim, o novo Estado nasceu no ápice da geopolítica da guerra fria, facto que não deixou de ter, igualmente, repercussão na configuração final dos símbolos nacionais adoptados.
Neste artigo, far-se-á apenas uma exposição sumária da Bandeira Nacional, destacando-se, por razão de economia, os aspectos essenciais da sua utilização no cerimonial e protocolo. Pelo menos no que toca à descrição do significado das suas cores, a Bandeira Nacional denota, à semelhança das bandeiras da larga maioria dos Estados africanos, uma forte influência da Bandeira Pan-Africana, também conhecida como Bandeira da Libertação Negra. A Bandeira PanAfricana é, como o próprio nome sugere, resultado do movimento pan-africanista e foi formalmente adoptada pela Declaração dos Direitos dos Povos Negros do Mundo, a 13 de Agosto de 1920, nos Estados Unidos da América.
Ela é constituída por três faixas de três cores cujo simbolismo se assemelha, em traços gerais, com a descrição da Bandeira Nacional de Angola. Na Bandeira Pan-Africana, a cor vermelha representa o sangue que une todo o povo de ascendência Africana e que foi derramado pela libertação; a cor preta representa o povo Negro e a sua existência como nação; a cor verde a abundante riqueza natural de África. A Bandeira de Angola, por sua vez, tem duas cores dispostas em duas faixas horizontais. A faixa superior é de cor vermelhorubro e a inferior de cor preta.
A cor vermelho-rubro representa o sangue derramado pelos angolanos durante a opressão colonial, a luta de libertação nacional e a defesa da pátria. A cor preta representa o continente Africano. No centro, figura uma composição constituída por uma secção de uma roda dentada, que simboliza a solidadriedade internacional e o progresso. A roda dentada, a catana e a estrela são de cor amarela, que representa a riqueza do País. A Bandeira Nacional é de autoria do nacionalista e político Henrique Santos Onambwé, falecido, entretanto, no pretérito mês de Outubro. Segundo o testemunho do Primeiro Director do Protocolo de Estado, Embaixador Hermínio Escórcio, falecido no pretérito mês de Setembro, a primeira versão da Bandeira Nacional foi confeccionada pelas senhoras Joaquina, Ruth Lara e Cici Cabral.
A mesma, conforme acima referido, foi hastedada, pela primeira vez, a meia noite do dia 11 de Novembro de 1975, no agora Largo da Independência. A Lei Fundamental, entretanto, remete para lei especial a definição das normas relativas ao uso dos símbolos nacionais. Isso foi feito, inicialmente, por via da Lei n.º 2/01, de 23 de Março. Com a adopção, em 2010, de uma nova Constituição, a referida lei foi revogada pela Lei n.º 14/18, de 29 de Outubro, que Estabelece a Deferência e o Uso da Bandeira Nacional, da Insígnia Nacional e do Hino Nacional.
No sistema protocolar Angola no, a Bandeira Nacional é usada em todo o território nacional, nas missões diplomáticas e consulares e nas representações da República de Angola no estrangeiro. Para tal, respeitado o padrão oficial, a Bandeira Nacional deve, sempre e em qualquer circunstância, estar em perfeitas condições de manutenção de modo a preservar a dignidade que lhe é devida.
Observa-se, amiúde, a violação dessa obrigação legal, o que, a nosso ver, resulta do facto de, nem sempre, as instituições terem bandeiras em número suficiente. Nós somos de opinião que entre usar uma bandeira em mau estado de conservação e não fazer uso de uma bandeira, a segunda alternativa é mais preferível. Segundo a lei que estamos a citar, a Bandeira Nacional deve ser hasteada nos edifícios dos órgãos de soberania, dos departamentos da administração central e local do Estado e nos órgãos do Poder do Estado, nas missões diplomáticas e nos postos consulares. Conforme é, de resto, prática internacional, o legislador angolano exige que a Bandeira Nacional seja hasteada em um lugar honroso, bem destacado, visível e iluminado. Importa salientar que, nas cerimónias de hastear e arriar da Bandeira Nacional ou nas ocasiões que a mesma se apresenta em marcha de cortejo, todos devem manter-se em pé e em silêncio, adaptando uma postura e atitude de respeito.
O mesmo se passa no caso de entoação ou execução do Hino Nacional. Embora tal exigência não decorra expressamente da lei, é essa a prática nacional. Não existe, entretanto, qualquer obrigação de demonstração de respeito estando virado para a Bandeira Nacional, enquanto é entoado ou executado o Hino Nacional. Bandeira Nacional e Hino Nacional são, ambos, símbolos nacionais com igual peso protocolar. Chamamos, aqui, a atenção para o facto de, muitas vezes, se julgar que a atitude de respeito em relação à Bandeira Nacional e ao Hino Nacional se resumir na adopção de uma posição em pé.
Cada vez mais se exige, hodiernamente, que o protocolo seja inclusivo. Se assim é, como exigir que, por exemplo, um cadeirante se coloque em pé! Por exemplo, ontem mesmo, 10 de Novembro, aquando da inauguração, pelo Presidente da República, do Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto, testemunhamos a presença de um cadeirante que, inclusive, foi um participe activo do programa da cerimónia daquele evento. Há, pois, que ter cuidado com essa suposta exigência de se “mandar” colocar todos em pé, o que, inclusive, atenta contra a dignidade de algumas pessoas com mobilidade reduzida.
Não nos esqueçamos, por conseguinte, que o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana constitui um elemento fundacional do Estado angolano, conforme resulta do artigo 1º da Constituição da República. Em caso de luto nacional, a Bandeira Nacional é colocada à meia haste durante o período decretado, conforme a Lei n.º 5/11, de 21 de Janeiro, sobre o Luto Nacional e Provincial. Nesse caso, é igualmente colocada em meia haste qualquer outra bandeira que esteja desfraldada com a Bandeira Nacional. Este procedimento é replicado em todas as missões diplomáticas e postos consulares da República de Angola. Significa que, em Angola, ao contrário de alguns sistemas protocolares de outras latitudes, não é permitido que qualquer outra bandeira permaneça hasteada no topo do mastro, estando a Bandeira Nacional a meia-haste. Note-se, entretanto, que o içar da Bandeira Nacional, em meia haste, obedece a um ritual próprio.
Ela, por força da lei, deve ir ao topo antes de ser colocada a meia haste, seguindo a mesma procissão ao ser arriada. Em cerimónias fúnebres oficiais, a Bandeira Nacional pode ser usada para cobrir a urna, devendo, no final, ser dobrada e entregue à família do malogrado, por uma entidade do Estado presente no acto fúnebre. Já observamos, inúmeras vezes, que este postulado legal nem sempre é respeito em face, segundo se alega, da escassez de bandeiras em algumas instituições. Esta é, obviamente, uma prática condenável por contrariar a lei vigente, no caso a Lei do Luto Nacional e Provincial. Em território angolano, a Bandeira Nacional tem precedência sobre todas outras bandeiras, quer sejam elas nacionais ou estrangeiras, quer de instituições públicas ou privadas. Excepcionalmente, a Bandeira Nacional pode perder precedência nos eventos de âmbito de organizações internacionais de que Angola faz parte, sendo que tais organizações têm, geralmente, critérios e procedimentos protocolares próprios para a ordenação de bandeiras.
Se for o caso, prevalecerão as normas protocolares da organização internacional sobre às do protocolo nacional. É, por isso, o próprio legislador angolano quem, nas circunstâncias referidas, remete para o primado do protocolo internacional. Como dizem os cultores do Direito, a excepção se sobrepõe à regra. Chamamos, porém, a atenção dos profissionais de cerimonial e protocolo no sentido de não transformarem tal excepção numa regra. A cortesia que se dá ao ceder o lugar de honra ou assento às entidades e autoridades visitantes ou estrangeiras, nos encontros bilaterais, não se aplica às bandeiras. A Bandeira Nacional não cede o lugar de honra, conforme a Lei que Estabelece a Deferência e o Uso da Bandeira Nacional, do Hino Nacional e da Insígnia Nacional.
Infelizmente, ainda se observam inúmeros casos de violação deste comando legal, incluindo por alguns órgãos de soberania! De acordo com as normas de protocolo vigentes – e que, por isso, devem ser observadas – a Bandeira Nacional ocupa sempre o lugar de honra quando desfraldadas com outras bandeiras. Na existência de um único mastro, a Bandeira Nacional ocupa a posição mais alta, seguindo as demais, obedecendo a precedência. Na existência de dois mastros, a Bandeira Nacional ocupa o mastro à esquerda de quem olha de frente e, havendo três mastros, ocupa o centro. Criteriosamente, havendo mais de três mastros em número impar, a Bandeira Nacional ocupa, numa disposição alternada, o lugar ao centro e as demais bandeiras, ocupam, alternadamente, os lugares da esquerda e da direita, segundo a ordem de precedência existente entre elas.
Já numa disposição em número par, a Bandeira Nacional ocupa o mastro à esquerda da linha imaginária do chamado centro métrico. Entretanto, numa disposição linear de bandeiras, a Bandeira Nacional ocupará o primeiro lugar seguida das demais bandeiras, conforme a precedência fixada por lei. Atente-se ao facto de que os lugares à direita ou à esquerda são aferidos estando-se virado de costas para o dispositivo de bandeiras e olhando-se de frente para a plateia. É aqui onde, por vezes, ainda ocorrem alguns equívocos. Aplicar a “regra da direita” olhando de frente para o dispositivo de bandeiras é mesmo um erro crasso e isto, infelizmente, ainda se tem verificado!
No caso da existência de um mastro maior que os demais, a lei exige que o mesmo seja usado pela Bandeira Nacional. O ideal, obviamente, é que haja uma uniformização do tamanho dos mastros, sobretudo quando em presença de bandeiras de outros Estados. Se, como expressamente refere a nossa Constituição, a Bandeira Nacional simboliza a “independência e soberania nacionais”, o mesmo postulado se aplica às bandeiras dos demais Estados. Logo, em homenagem ao princípio da igualdade soberana dos Estados, que encontra acolhimento na Constituição da República de Angola e na Carta da Organização das Nações Unidas, advogamos a referida uniformização do tamanho dos mastros. Outro aspecto relevante a ter em conta é assegurar que o tamanho da Bandeira Nacional não seja inferior aos das demais que com ela estejam desfraldadas.
Temos visto, por vezes, a violação deste pressuposto. Tal ocorre, eventualmente, por razões de força maior quando, por exemplo, não haja bandeira estrangeira da mesma dimensão da Bandeira Nacional. É por isso que todos estes detalhes protocolares devem ser atendidos com suficiente antecedência. Por outro lado, a Bandeira Nacional deve ser proporcional ao mastro, evitando-se, deste modo, que ela toque o chão e manche o decoro que lhe é devido. Quando tal acontece, nos círculos de profissionais de cerimonial e protocolo, fala-se no tal “beijo da bandeira” para assinalar que esta tocou o chão. A forma de evitar tal “beijo” passa pela aquisição de mastros e bandeiras proporcionais, o que exige o envolvimento da área de protocolo das instituições. Assiste-se que, por vezes, quem efectua a aquisição das bandeiras e mastros nem sequer tem conhecimento de protocolo! Há, pois, que melhorar procedimentos e dar à César o que é de César.
No exterior dos edifícios, as mesmas regras se aplicam quer se trate de uma disposição par ou de uma disposição impar ou, ainda, de uma ordenação alternada ou linear de bandeiras. Aqui, uma vez mais, há que dar costas, agora ao edifício, para que se possa aferir o lugar de honra a ser atribuído à Bandeira Nacional, seguido-se as demais bandeiras na ordem de precedência existente entre elas. Por fim, na disposição de duas bandeiras num mastro com verga sem tope, diz a lei que a Bandeira Nacional ocupa a ponta esquerda da verga de quem olha de frente, enquanto que na disposição de disposição de três bandeiras, num mastro com verga e com tope, a Bandeira Nacional ocupa o tope.
Na disposição de três bandeiras, num mastro com verga, tope e carangueja, a Bandeira Nacional ocupa a ponta da carangueja e as demais ocupam o tope e a ponta da verga esquerda de quem olha de frente, segundo a ordem de procedência entres elas. Para concluir este artigo, não podemos deixar de referir que o uso da Bandeira Nacional também é extensivo ao direito diplomático, ao direito do mar e ao direito aéreo. Já falamos sobre o uso da Bandeira Nacional em representações diplomáticas e consulares de Angola. Importa, porém, acrescer que os meios de transporte da Missão Diplomática também podem fazer uso da Bandeira Nacional, segundo o Artigo 20.° da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961.
Já no âmbito do direito do mar e do direito aéreo, o uso da Bandeira Nacional ganha um significado reforçado. Ela passa a ser o elemento exterior a partir do qual se afere a nacionalidade de uma aeronave ou de um navio, segundo as relevantes regras do direito internacional cristalizadas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982) e na Convenção sobre a Aviação Civil Internacional (1944). Conforme fixam estes tratados internacionais, deve existir uma ligação substancial entre o Estado da bandeira e um determinado navio ou aeronave. Angola é, como bem canta alguém, a nossa bandeira. A Bandeira Nacional, por sua vez, mais do que um símbolo nacional, é um forte sistema de identificação e representação visual e afectiva das angolanas e angolanos. Que haja, pois, um contínuo programa de ensino do significado dos símbolos nacionais e do seu valor no reforço da nossa angolanidade, o que passa pela promoção do seu respeito e uso correcto.
*AMÍLCAR QUINTA
é Presidente da Associação de Profissionais de Cerimonial e Protocolo de Angola (APCPA), Vice-Presidente da Organização Internacional de Cerimonial e Protocolo (OICP), Membro da Academia Internacional de Cerimonial e Protocolo (AICP), Membro Correspondente da Academia Brasileira de Cerimonial e Protocolo (ABCP) e antigo Director de Relações Públicas, Protocolo e Relações Internacionais da Assembleia Nacional.
**LÁZARO VICENTE
é VicePresidente da APCPA, Membro Correspondente da AICP e Chefe da Divisão de Protocolo da Assembleia Nacional.
***MATEUS SÁ MIRANDA
é Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APCPA, Vice-Presidente da AICP, Embaixador de carreira e exerce, actualmente, a função de Consul de Angola no Rio de Janeiro.
POR: AMÍLCAR QUINTA, LÁZARO VICENTE e MATEUS SÁ MIRANDA