A guerra entre a Rússia e o Ucrânia fará hoje, 24 de fevereiro, um ano. Não há, se quer, noção de quando e como chegará ao fim.
O que sabemos, porém, é que o conflito entre os dois países já provocou, na parte ucraniana, uma forçada vaga de (e)migração para países da Europa ocidental e em alguns da Europa do leste.
A Organização Mundial das Migrações, OIM, estima, no âmbito da mobilidade migratória, que o conflito já movimentou 7,1 milhões de (e)migrantes.
Para além disso, o número de crianças que se viu separado dos agregados familiares está acima das centenas segundo dados divulgados pela UNICEF local.
O que não sabemos, se tivermos de fazer um balanço mais real, é a estatística fiável de ucranianos e Russos, civis ou militares, que terão perdido a vida no decurso do conflito.
As projecções feitas por algumas organizações, incluindo a ONU, apontam um saldo superior a 100 mil pessoas mortas até ao presente momento e esta cifra poderá, infelizmente, crescer.
As maiores baixas em termos de perdas de vida humanas estão a ser registadas entre os cidadãos ucranianos ou seja com maior incidência para militares.
Do lado russo só se fala de militares e não de civis.
É, pois, difícil fazer uma quantificação que reúna fiabilidade uma vez que estamos a falar de uma guerra que tem merecido uma ampla divulgação da comunicação social ocidental.
As informações sobre o conflito transmitidas pelos meios de comunicação social ocidentais diferem daquelas que a imprensa pro-russa divulga pontualmente e como a imprensa ocidental tem uma maior abrangência é a que mais assistida um pouco pelo mundo.
De qualquer modo não há como não assumirmos que tem havido muitas atrocidades nesta guerra e que estas têm transmitido o lado mais duro da disputa dos interesses humanos.
Entende-se, contudo, que a necessidade de se reforçar o poder de influência e domínio das geografias desenhou, estrategicamente, esta guerra a fim de, definitiva ou paulatinamente, reduzir-se a capacidade quer de intervenção quer de influência de uma das partes.
Nos holofotes da imprensa estão muitos rostos, mas os mais visíveis são os dos presidentes Vladimir Putin, Rússia, e de Volodymyr Zelensky presidente da Ucrânia. Inicialmente parecia ser uma guerra que se limitaria ao leste da Europa, mas agora é totalmente visível que por detrás do presidente ucraniano existe uma coligação de países e milhões de dólares disponíveis para financiar a sua resistência face a um inimigo que perturba a ordem que os parceiros circunstanciais de Zelensky têm, ao longo de décadas, tentado manter.
Neste momento já se deve tergasto o triplo que seria necessário para que as Organizações de ajuda humanitária pudessem operar em países em crise ou com elevadíssimo padrão de pobreza entre os seus cidadãos.
Tudo leva crer que a diplomacia entrou em crise ou, por outro lado, perdeu o seu verdadeiro papel numa guerra que pode colocar em causa a sobrevivência de milhões de pessoas quer no leste Europeu, teatro das operações, quer em outras partes do mundo.
O que fica, entretanto, perceptível, entre nós, é a ideia de que a própria diplomacia não teve fôlego para virar as páginas que conservavam a tensão política e criar um diálogo que produzisse resultados aceitáveis para que as partes em conflito pudessem mudar o curso dos acontecimentos e poupar uma parte da humanidade.
Deixou-se, porém, asfixiar pela grandeza dos interesses de todos aqueles que se propuseram em desenhar o cenário militar para poderem telecomandá-la como é, agora, visível.
O Secretário Geral das ONU tentou, mesmo tendo consciência do complexo dossier sob suas mãos, exercer o seu papel diplomático, mas não obteve qualquer sucesso.
Na mesma direcção e para o mesmo propósito a voz do Santo Papa Francisco se fez ouvir, mas a moral da igreja foi ignorada e a guerra seguiu o seu curso normal.
Outras tentativas de mediação surgiram e o presidente da Turquia tentou soltar a voz, mas era inevitável que perdesse forças e ficasse à beira mar sem barco para continuar a navegação.
Com efeito, todos olham, agora, para o curso da guerra, mas parece haver receios de se lhe atribuir o seu verdadeiro nome.
A quem procure dizer que se trata da extensão da guerra fria entre o EUA e a Rússia mais o que se verifica, no teatro das operações, é muito mais do que isso até porque a conjuntura é completamente diferente e há muito que deixou de ser bipolar.
Tudo indica tratar-se de uma luta complexa e com interesses visíveis e ocultos ou seja, há todo um mundo ocidental que se levantou para condenar o que o presidente Vladimir Putin chamou de operação especial e essa condenação foi antecedida por uma diplomacia de charme, a estilo europeu, e que mobilizou meio mundo para apoiar o discurso e o pensamento condenatório.
O que se verifica de forma bastante evidente é o apoio que o ocidente tem dado em termos de recursos financeiros e meios militares que, efectivamente, retirou o véu de neutralidade que inicialmente pensava-se que teria.
Nota-se um ocidente mais comprometido e com promessa de mais apoios. A conferência de Segurança de Monique, de 17 -19 de fevereiro, e a recente visita do presidente Joe Biden a Kiev, confirmaram todo o apoio de que o presidente Zelensky precisava diante da convicção russa em manter os objectivos estratégicos da operação especial que começou há um ano.
Logo não nos parece difícil compreender que a guerra entre os dois países não é extensão da guerra fria, mas sim uma guerra estratégica entre o Ocidente e a Rússia cujas repercussões não estão a ser boas para a economia e comércio mundiais.
Ou seja, não há tanto risco em dizer-se que poderemos estar a caminhar para a 3ª guerra mundial caso não se venha a dar passos consistentes no sentido de o interesse ocidental redefinir o seu percurso e os russos se convencerem em alterar os termos da operação especial para, em conjunto, determinarem uma agenda de paz.
Caso isso não suceda será difícil evitar-se uma guerra de grandes proporções uma vez que a derrota da Ucrânia poderia significar a derrota de todo bloco ocidental e sabemos que os EUA estão atentos e dificilmente permitiriam que isso acontecesse.
Se, por outro lado, a Rússia começar a sofrer baixas em consequência do aumento da capacidade militar ucraniana, Vladimir Putin vai, possivelmente, privilegiar o uso de armas pesadas e as consequências poderão ser incalculáveis e este parece ser um dos maiores receios do bloco ocidental que prefere mais o prolongamento da guerra para, se possível, encontrar um meio de resolução mais adiante.
O discurso do presidente Russo, recentemente, demonstrou determinação em manter o foco da operação especial e não manifestou qualquer tipo de receio em relação a promessa ocidental de aumentar o pacote de sanções à Rússia e de reforçar o seu apoio militar.
Isto pode significar que a guerra entrará para uma nova fase e as consequências que emergirão poderão ser mais pesadas do que aquelas que vemos actualmente.
Que caminhos perspectivar diante desta complexa situação? Tal como asseguramos, não há, olhando para os países envolvidos e a complexa teia de intenções que manifestam, um fim à vista quer do ponto de vista militar quer diplomático.
Os Russos e a Europa ocidental + os EUA, estão bastante firmes na gestão prolongada do conflito e não parece haver um interlocutor que possa oferecer garantias de conciliar os interesses inconciliáveis.
A China demonstrou essa pretensão, na conferência de Monique, em assumir o papel de interlocutor válido para mediar o conflito e pelo que tudo aponta foi, literalmente, ignorada pelos países ocidentais.
O mundo ocidental sabe que uma eventual vitória da Rússia se revelaria, certamente, numa vantagem estratégica para os chineses. Sabe, igualmente, que a china terá intensificado as suas actividades de espionagem nesta fase de guerra russoucraniana criando, assim, maior desconfiança para o mundo ocidental que se mostra totalmente coeso e determinado em patrocinar a guerra numa primeira fase.
Não há como deixar os chineses com esse protagonismo que desagradaria mais os americanos, seu mais directo adversário estratégico, que os europeus.
Quem poderá perder ou ganhar esta guerra? Provavelmente seja uma questão que muitos esperam ver respondida, mas a verdade é que ninguém terá uma resposta concreta de momento.
A única resposta possível, agora, é aquela que nos assegura que não há, entre os gigantes da política internacional, uma coexistência pacífica susceptível de amenizar o ambiente vivido.
Qual deverá, portanto, ser o posicionamento da ONU? Os cultores de relações internacionais ignoram, de momento, essa questão especialmente por acreditarem que a ONU não tem e não terá qualquer papel de realce neste conflito.
Não deixa de ter razão quanto a isso.
O esforço diplomático do Secretário Geral da ONU, ao deslocar-se em Moscovo e Kiev, não terá trago qualquer resultado ou alteração digno de mudar o âmbito do conflito.
Neste momento a ONU não tem mecanismos diplomáticos para exercer qualquer pressão as partes em conflito uma vez que tem os seus principais membros envolvidos na luta.
Os dois rostos visíveis do conflito, EUA e a Rússia, são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
Temos, por outro lado, a Inglaterra e a França que estão claramente envolvidos no conflito e garantiram apoios a Kiev para reforçar a sua capacidade militar são, eles também, membros do Conselho de Segurança da ONU.
Finalmente a China, parceiro estratégico da Rússia, é, igualmente membro do Conselho de Segurança da ONU.
Ou seja, temos, contudo, todos os membros do Conselho de Segurança envolvidos directamente no apoio a este conflito que opõe os russos e os ucranianos.
Este envolvimento dos membros coloca o Conselho de Segurança da ONU numa situação de fragilidade quando deveria ser, de acordo com as competências adstritas a este Órgão, responsável pela resolução de conflitos.
É caso para dizer que entre os discursos que são feitos em prol da promoção da Democracia e dos Direitos Humanos e os interesses que abundam nos vários cantos deste mundo, os interesses acabam quase sempre por abafar a Democracia e os Direitos Humanos e definir o caminho que os homens seguem.
Por: LUTINA SANTOS