O molã ohepo lyakata, eti mbi osima lyokulumba, Papai utwe pu pu pu, okusoka uyaki k’ahupwi, Mamãe oyangayangako okusanga eci cilya omalã vaye, Cisupako, kwenda otana, ati os meninos de rua, […]. (Trechos da música Cakuma de Viñi Viñi)
De início e tendo em conta a alocução acima aludida, é possível compreender que a música é uma forma de expressão cultural presente em várias sociedades ao redor do mundo.
Esta forma de expressão desempenha um papel fundamental na construção da identidade colectiva, no contacto espiritual com aquilo que caracteriza um povo, na confissão do oprimido, dos vários sentimentos, em especial, o de liberdade.
Quando se pretende pensar e falar sobre Música em Angola e, de forma particular no Huambo [uma região pertencente ao grupo etnolinguístico Ovimbundu] e aproximá-la ao contexto litérario local, assiste-se a uma ligeira morbidez, um desinteresse em [re] conhecer e tornar desoculto o viés artísticomusical que denota um cunho linguístico próprio, que acarreta uma expressividade instrumental e de valorização do substrato histórico e cultural huambense que afirma uma angolanidade diversa do portugalismo.
Face a esta problemática, pensamos nós ser relevante discorrer sobre a dimensão socio-construtivista da música ‘Cakuma’ de Viñi Viñi no âmbito dos estudos literários no Huambo, já que, dentre tantas composições musicais feitas em língua nativa neste espaço geográfico, esta parece-nos apresentar elementos que podem ser analisados sob a perspectiva litéraria.
Nela exploramos como é que as dimensões social e construtivista se fazem presentes em sua letra, melodia e contexto cultural, proporcionando uma compreensão mais aprofundada da sua produção e do seu impacto na sociedade contemporânea angolana.
Entrementes, tendo em conta a experiência dialógica que mantivemos com alguns apreciadores e conhecedores da música feita no Huambo, notamos que grande parte dessas pessoas, como dissemos acima, desconhece totalmente a melodia, a letra, o conteúdo da música ‘Cakuma’ e, pior, o seu autor.
Alega-se, por tal facto, que estas atitudes tenham como causas a incompreensão da língua [Umbundu] pela qual o autor se serve como instrumento para transmitir os seus sentimentos; também, a falta de crítica literária-musical dificulta o desvelamento da mensagem, o sentido poético, linguístico, cultural e político-social da letra de ‘Cakuma’; porém, pela peculiaridade que se lhe atribuímos, escrita e cantada em língua regional, conserva e engloba uma dimensão sócio-construtivista decalcada da sua transversalidade temática. Partindo do acima exposto, uma primeira preocupação que poderíamos aqui levantar é a questão da ciência da música, ou seja, a Musicologia.
No Huambo, assim como grande parte de Angola, as abordagens sobre a ciência da Música é, apenas, um projecto falhado, um modelo de grandes utopias ou imaginações.
Esta perspectiva reflete o obscurantismo investigativo presente no escopo da ‘ciência’ nesse recinto espacial, já que, tenhamos, talvez, fazedores da mesma arte, mas não ‘pensadores’ ou ‘críticos’ na área.
Por isso é que, o professor, crítico e musicólogo Jomo Fortunato, assegura que, “dada a dimensão músico-cultural presente e pelo valor que damos à oralidade como um dos principais meios de transmissão da cultura angolana, esta seria uma área do saber instituída em toda parte do país, já que é a disciplina que se dedica ao estudo da música em suas diversas manifestações, englobando a análise de sua estrutura, história, e impacto sociocultural”. Com essa linha de pensamento do professor Fortunato e dando ênfase ao que levanta, era necessário que se desse uma atenção particularizada à
Musicologia. Embora seja uma área em via de desenvolvimento, a sua vivacidade deve estar presente em todas as províncias, motivada, sobretudo, por académicos, investigadores, estudiosos da cultura singular de cada parte geográfica e social do país.
E, aqui, embora exista já projectos culturais e arquivos de preservação, bem como a realização de festivais e eventos musicais que ajudam na disseminação das músicas, há uma chamada de atenção que se faz às universidades e instituições de ensino para a inclusão desta disciplina nos projectos ou programas curriculares. Não se pode, somente, preservar e disseminar a arte.
No entanto, é essencial que se pense na arte e a arte, de forma sistemática e metodológica, a fim de atingir o nível de ciência ou de ‘ciência matura’ que ajude no desocultamento dos elementos valorativos presentes e assentes nela, para o nosso caso, na música com semblantes de angolanidade.
Por: Alienado de Papel