Dona Lurdes sempre foi conhecida pela sua teimosia e bom humor. Quando lhe disseram que tinha cancro, claro que o primeiro impacto foi grande.
Ficou em choque, como qualquer um ficaria, mas logo a seguir, no meio daquele consultório com cheiro a álcool e caras sérias, ela soltou uma das suas tiradas: – Doutor, o bicho que está aí dentro deve ser como aqueles parentes chatos que nunca vão embora, não é? Mas olha, eu sou dura na queda! E assim começou a saga da mulher que, em vez de se encolher perante o diagnóstico, resolveu encarar o cancro como mais uma piada da vida.
As amigas choraram, os vizinhos passaram a olhar para ela com um misto de pena e respeito, mas Dona Lurdes? Essa foi logo tirar o pó do seu arsenal de piadas. Quando o cabelo começou a cair, em vez de tristeza, ela celebrou: – Sempre quis experimentar ser careca, já não tenho de gastar no salão! – dizia ela, rindo, enquanto a família tentava lidar com a situação.
Ela própria não deixava ninguém ficar com cara de velório por muito tempo. Assim que percebia algum olhar mais triste, logo atirava: – Eh pá, não me venham com choradeira, que o bicho aqui não tem poder sobre mim. Sou angolana, se o cancro pensa que vai me derrubar, está a lutar contra a mulher errada. Cada ida ao hospital virava um evento.
Nas sessões de quimio, enquanto outros pacientes se fechavam no seu próprio mundo, Dona Lurdes fazia questão de espalhar a sua energia. Quando a chamavam para a cadeira, ela comentava alto: – Vamos lá, doutor, mais uma dose de superpoderes! Hoje vou sair daqui a brilhar. Mas não pensem que a vida de Do- na Lurdes era só gargalhada. Havia dias duros, claro.
Dias em que o corpo parecia não querer colaborar e em que a cabeça lhe pregava partidas, questionando-se sobre o futuro. Porém, mesmo nesses mo- mentos mais difíceis, o humor estava sempre à espreita, pronto para emergir e afastar qualquer nu- vem negra. – Quem diria que eu, que sempre fui tão preguiçosa, ia ter que correr tanto atrás da vida por causa deste bicho! – desabafava, brincando.
A sua força não vinha só das risadas, mas da maneira como escolheu encarar o cancro. Não como um inimigo invencível, mas como um vizinho incômodo, daqueles que entram sem ser convidados e ficam a ocupar espaço. – Já lhe disse – comentava ela entre gargalhadas com as amigas – se o cancro pensa que vai tirar o meu lugar, está muito enganado.
Aqui mando eu! O mais incrível é que, com o tempo, Dona Lurdes foi conquistando o respeito de todos. Desde os médicos até aos outros pacientes. Todos viam nela um exemplo de como a vida pode ser levada com leveza, mesmo nas situações mais pesadas.
E lá seguia ela, de cabeça erguida, dando ordens ao corpo e sempre com uma piada pronta para desarmar o medo e o desespero. – A vida não está fácil, mas se vamos viver, que seja com um sorriso, mesmo que o bicho tente estragar a festa! – dizia ela, e era impossível não sorrir com ela. Porque, no fundo, Dona Lurdes sabia: o riso é o melhor remédio, até contra o cancro.
POR:RIBAPTISTA