A Human Rights Watch (HRW) acusou , ontem, os governos britânico e norteamericano de terem cometido crimes contra a humanidade nas décadas de 1960-70, quando expulsaram os habitantes de um arquipélago para ali construir uma base militar Trata-se do arquipélago de Chagos, no Oceano Índico, situado a Nordeste das Ilhas Maurícias e sob administração britânica, em cuja ilha principal, Diego Garcia, foi instalada uma base militar dos Estados Unidos.
Para a sua construção, os cerca de 2.000 habitantes de Chagos foram expulsos para as ilhas Maurícias e Seychelles.
“Ambos os governos deveriam providenciar reparações totais ao povo de Chagos, incluindo o seu direito de regressar e viver na sua terra natal”, disse a organização de direitos humanos com sede em Nova Iorque, num relatório citado pelas agências francesa AFP e espanhola EFE.
O relatório, de mais de 100 páginas, resultou de uma investigação da HRW sobre a expulsão dos habitantes de Chagos para a construção da base de Diego Garcia.
Com base em dezenas de testemunhos e documentos oficiais, a HRW considerou que a “perseguição racial” de Londres com o apoio de Washington constitui um “crime colonial”.
“O Reino Unido está agora a cometer um terrível crime colonial, tratando o povo de Chagos como pessoas sem direitos”, disse Clive Baldwin, o autor do relatório da HRW.
Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico, contactado pela AFP, rejeitou a “caracterização dos acontecimentos” apresentada pela HRW.
O mesmo porta-voz acrescentou que Londres já tinha manifestado “profundo pesar” pela forma como os habitantes de Chagos foram deslocados. Contactadas pela AFP, as autoridades norte-americanas não responderam às acusações da HRW.
No relatório, a HRW identifica três crimes contra a humanidade: um crime colonial contínuo de deslocação forçada, a prevenção do regresso do povo de Chagos às suas casas e a sua perseguição racial e étnica por parte do Reino Unido.
De acordo com a HRW, Londres e Washington deveriam proporcionar reparações totais ao povo de Chagos, constituído principalmente por descendentes de escravos levados à força para o arquipélago sob domínio francês e depois britânico durante os séculos XVIII e XIX.
Uma resolução da Assembleia-Geral da ONU de Maio de 2019 apelava ao “reconhecimento do arquipélago de Chagos como parte integrante do território das Maurícias”.
Esta resolução seguiu-se a uma decisão do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), de Fevereiro de 2019, segundo a qual o Reino Unido deveria terminar o seu controlo de Chagos “o mais rapidamente possível”, noticiou na altura a TV britânica BBC.
O TIJ considerou que o arquipélago não estava legalmente separado da antiga colónia britânica das Maurícias, de que foi parte entre 1814 e 1965, quando foi incluído no recém-criado Território Britânico do Oceano Índico (BIOT, na sigla em inglês).
As Maurícias afirmam ter sido forçadas a abandonar Chagos em troca da independência, obtida em 1968.
Na altura, o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico qualificou a decisão do TIJ como “um parecer consultivo” sem carácter vinculativo.
“As instalações de defesa no BIOT ajudam a proteger as pessoas na Grã-Bretanha e em todo o mundo contra ameaças terroristas, crime organizado e pirataria”, acrescentou então, de acordo com a BBC.
Em Janeiro deste ano, o Reino Unido e as Maurícias iniciaram discussões sobre a soberania de Chagos e, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, James Cleverly, concordaram que a base militar deveria continuar a funcionar.
Em 2016, o Reino Unido prorrogou até 2036 um contrato com os Estados Unidos sobre a utilização da base de Diego Garcia, que desempenhou um papel estratégico durante a Guerra Fria e depois nos conflitos no Iraque e no Afeganistão.