Presidente francês não quer a UE a seguir os EUA na questão de Taiwan, nem a entrar numa lógica de “bloco contra bloco”
Emmanuel Macron saiu da visita à China com uma entrevista que tem tudo para irritar Washington e deixar alguns aliados de pé atrás, ao rejeitar uma lógica de “bloco contra bloco” e ao afirmar que caso a competição entre chineses e norte-americanos acelere, os europeus correm o risco de se tornar “vassalos” dos EUA.
Em entrevista concedida ao Les Echos e ao Politico enquanto seguia a bordo do avião presidencial entre Pequim e Cantão, Macron voltou a defender a sua ideia de “autonomia estratégica” em relação aos Estados Unidos, ainda que para tal tenha dado a entender que a questão de Taiwan não é um assunto que diga respeito aos europeus ou, pelo menos, que seja uma prioridade.
“A armadilha para a Europa seria que, no momento em que alcança uma clarificação da sua posição estratégica, quando é mais autónoma estrategicamente do que antes da [pandemia de] covid, é apanhada numa perturbação do mundo e em crises que não são as nossas.
Se houver uma aceleração do duopólio, não teremos tempo nem meios para financiar a nossa autonomia estratégica e tornar-nos-emos vassalos, ao passo que se tivermos alguns anos para construí-lo, podemos ser o terceiro polo”, defendeu.
“Autonomia estratégica significa assumir que temos opiniões convergentes com os Estados Unidos, mas quer se trate da Ucrânia, da relação com a China ou de sanções, temos uma estratégia europeia.
Não queremos entrar numa lógica de bloco contra bloco”, disse.
O conceito de autonomia estratégica é visto com agrado por Pequim, uma vez que abre uma possível brecha no Atlântico, a qual aceleraria o declínio ocidental.
Na entrevista, o líder francês deixou ainda uma crítica à política de sanções norte-americana, ao mostrar-se contra a “extraterritorialidade do dólar”.
A China, mas também a Rússia e o Irão não podiam estar mais de acordo, mas também algumas empresas europeias que na prática perdem acesso a esses mercados sob sanções.
O chefe de Estado francês, que se reuniu várias vezes com Xi Jinping na visita à China e levou uma comitiva composta por empresários, manteve um discurso contido, tendo deixado para a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também recebida pelo líder chinês, as palavras mais severas, fosse sobre a posição da guerra na Ucrânia, fosse sobre Taiwan.
“A questão para nós, europeus, é: temos interesse em acelerar a questão de Taiwan? Não.
O pior seria pensar que nós, europeus, deveríamos ser seguidores nesta questão.
O pior seria pensar que nós, europeus, deveríamos ser seguidores nesta questão e adaptar-nos ao ritmo americano e a uma reação excessiva chinesa”, para mais à frente afirmar: “Nós, europeus, temos de acordar.
A nossa prioridade não é a adaptação à agenda dos outros em todas as regiões do mundo.” Segundo o Politico, que cita uma fonte presente na reunião trilateral com Macron e Von der Leyen, Xi Jinping ficou “visivelmente incomodado por ter sido considerado responsável pelo conflito na Ucrânia e minimizou a sua recente visita a Moscovo”.
O incómodo passou a fúria quando o tópico foi os Estados Unidos e Taiwan, em particular a passagem da presidente Tsai Ing-wen pelos EUA, e ainda o facto de questões de política externa estarem a ser levantadas pelos europeus.
Pequim considera Taiwan uma província sua e tem como objetivo a unificação, nem que seja pela força.
Horas depois de o presidente francês ter abandonado o gigante asiático o Exército chinês anunciou manobras militares de “preparação para o combate” no Estreito da Formosa.
Ao segundo dia, o Exército de Taipé detetou 11 navios de guerra e 70 aviões das forças de Pequim à sua volta, tendo a China simulado “ataques conjuntos de precisão” contra “alvos chave na Ilha de Taiwan e águas circundantes”.