O anúncio da participação do ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, em dois eventos, na ONU, na próxima semana, voltou a levantar questões sobre a conduta norte-americana na emissão de vistos para governantes de países alvo de sanções
Apesar de a missão russa junto da ONU ter efectuado, no final de Março, o pedido de vistos para a delegação de Moscovo, apenas na semana passada os Estados Unidos da América (EUA) concederam as autorizações de viagem, disse, na Quintafeira, o embaixador russo Vasily Nebenzya, que preside este mês ao Conselho de Segurança e traz Lavrov, na Segunda e Terça-feira, para dois debates, em Nova Iorque, onde o ministro de Vladimir Putin terá um encontro também com o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Esta não foi a primeira vez que os EUA país anfitrião da sede da ONU arrastaram o processo de concessão de vistos a Lavrov e à sua delegação desde o início da guerra na Ucrânia, pois já em Setembro do ano passado a representação de Moscovo só conseguiu autorização para participar na Assembleia Geral da ONU na véspera do evento, multiplicando-se as acusações de que Washington abusa da sua posição de país anfitrião, novamente ouvidas na última semana.
Eis alguns pontos essenciais sobre a emissão de vistos por parte dos EUA para governantes alvo de sanções irem à ONU:
Como se processa a atribuição de vistos pelos EUA?
O processo padrão consiste no Departamento de Estado norteamericano emitir um visto (por exemplo, G-1 para funcionários designados para trabalhar como membros de uma missão permanente na ONU e G-2 para funcionários que viajam por menos de 90 dias para actividades relacionadas com a ONU) mediante o recebimento da documentação necessária.
Essa documentação geralmente inclui uma nota diplomática contendo o título/credencial do indivíduo, objectivo da viagem, duração da estadia e outras informações relevantes, explicou à Lusa Eugene Chen, director do programa de Prevenção e Consolidação da Paz no Centro de Cooperação Internacional, da Universidade de Nova Iorque.
Os EU A podem restringir a emissão de vistos para comparecimento na ONU de estrangeiros sancionados por Washington?
Os acordos de sede regem o relacionamento entre uma organização internacional, como a ONU, e o Estado anfitrião dessa organização internacional.
De acordo com o Artigo IV do Acordo da Sede da ONU, de 1947, os Estados Unidos concordaram em não impor nenhum impedimento ao trânsito de ou para o distrito da sede de representantes de Estados-membros ou funcionários das Nações Unidas, e que isso seria aplicável independentemente das relações existentes entre os Governos dos visitantes em questão e do executivo norte-americano.
Contudo, Washington argumenta que pode negar vistos por motivos de segurança ou terrorismo, por exemplo.
Resolução de eventuais problemas na concessão de vistos Qualquer questão relacionada com a implementação do Acordo de Sede é avaliada pelo Comité de Relações da ONU junto do próprio país anfitrião, num processo que inclui todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – EUA, Rússia, China, França e Reino Unido, segundo explicou Eugene Chen.
Entre os temas regularmente discutidos no Comité estão os problemas dos Estados membros da ONU com a emissão de vistos de entrada pelo país anfitrião.
“Essas preocupações, por sua vez, foram repetidas pela Assembleia Geral, inclusive na sua mais recente resolução sobre o relatório do Comité resolução 77/114 -, que contém vários parágrafos sobre a negação e o atraso de vistos de entrada para representantes dos Estados-Membros”, apontou Chen.
O secretário-geral da ONU pode intervir?
Em nome do secretário-geral, o Gabinete de Assuntos Jurídicos da ONU mantém contacto regular com o país anfitrião para levantar as preocupações do Secretariado e transmitir a sua posição legal em relação aos assuntos do Acordo de Sede.
Atrasos por parte dos EU A na emissão de vistos para a ONU a outros países
Em 2018, por exemplo, os EUA atrasaram a emissão de vistos para membros da delegação iraniana participarem na Assembleia Geral da ONU.
Em 2019, Washington também atrasou os vistos para as delegações da Rússia, Cuba e Nicarágua.
A ONU tem pedido ao país anfitrião que emita vistos prontamente para permitir que os Estados-membros cumpram as suas obrigações.