Há, precisamente, um ano, a Rússia entrava em formação de combate na Ucrânia, país vizinho, antes integrante da esfera de influência político-ideológica da União Soviética, ao tempo período da guerra fria
As causas desta intervenção enquadram uma multiplicidade de razões que traz de permeio, como a mais importante, a geo-estratégia revisitada no antagonismo da Guerra Fria «terminada» nos anos 90 do século passado após a dissolução da União Soviética.
Nessa ocasião, o ‘grande negócio’ que viria depois a ser desfeito é, precisamente, o compromisso de a NATO jamais se aproximar das fronteiras russas, após a dissolução da organização militar, sua congénere, ‘Pacto de Varsóvia’, para garantia da tão almejada segurança da Rússia.
Em 2014, eclodem os eventos de Maidan, consubstanciados em protestos para a forçar o presidente eleito Viktor Yanukovitch a caucionar uma aproximação da Ucrânia à União Europeia.
A recusa deste levou à sua demissão pelo Parlamento ucraniano e consequente abandono do país.
As regiões de Lugansk e Donetsk, em face disso, se proclamam repúblicas independentes, e, a partir de então, inicia uma escalada de combates entre as forças militares de Kiev, dominadas por nacionalistas neo-nazis, como o batalhão Azov, e milícias destas regiões maioritariamente habitadas por cidadãos falantes de russo, logo pró-Rússia.
Para estabilizar a situação no Leste ucraniano foi proposto e negociado, na altura, o Acordo de Minsk, que foi mais tarde desconsiderado pela parte ucraniana, segundo reclamação da parte russa.
Tais reclamações viriam a confirmadas por declarações de importantes de testemunhas da assinatura desse entendimento, como a antiga chanceler Angela Merkel, que disse ter sido um momento para ganho de tempo por parte da Ucrânia.
Merkel declarou ao jornal Der Spiegel que os Acordos de Minsk eram, na verdade, “uma tentativa de dar tempo à Ucrânia” para ela se tornar mais forte, opinião que foi corroborada por François Hollande, antigo presidente franês.
Aliás, o próprio líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, afinou pelo mesmo diapasão, afirmando: “Quanto a Minsk, em geral, eu disse a Emmanuel Macron e Angela Merkel: não podemos o implementar [Acordo de Minsk] dessa forma”.
Por sua vez, Petro Poroshenko, antigo presidente ucraniano e signatário do acordo, foi mais preciso ao afirmar, categoricamente, num documentário da BBC intitulado “Putin contra o Ocidente”, que “Este documento [Acordo de Minsk] deu à Ucrânia oito anos para construir o [seu] Exército, para construir [a] economia e para construir [uma] coalizão global pró-ucraniana e anti-Putin”.
Com a anexação da Crimeia pela Rússia, na sequência dos eventos de Maidan[2014], a 24 de Fevereiro tem lugar a operação militar especial da Rússia que evocou, como justificativa, razões de sobrevivência não só do Estado russo, como tal, mas também de populações russófonas que estariam, alegadamente, a ser exterminadas desde 2014, por forças consideradas pela Rússia de neo-nazistas instaladas nos círculos militares e do poder político.
O cumprimento dos acordos de Minsk teria o condão de aplainar as actuais convulsões entre Rússia e Ucrânia, e uma convivência pacífica se teria instalado na fronteira entre os dois países.
Mas a dinâmica posterior revelou a emergência de interesses estrangeiros sinalizados com a presença de senadores americanos durante os eventos de Maidan na Ucrânia.
Ucrânia, OTAN e escalada A adesão deste país à União Europeia, suspeitou a Rússia, implicaria a integração no bloco militar OTAN, podendo esta organização, com base no princípio ‘um por todos, todos por um’, estabelecer bases militares às portas da Rússia, facto que soou os alarmes daquele lado da fronteira.
“Não há mais tempo para uma solução diplomática […] a única maneira é acabar com o conflito no campo de batalha”, estas palavras do líder ucraniano falam por si da lógica de pensamento Ocidental sobre a forma como se quer que essa guerra termine, numa altura em que o cortejo de mortes e destruição faz o seu caminho de forma desimpedida.
Nessa altura, a NATO entra com a garantia de mais armas e informação de inteligência, deixando perceber, que este bloco se associou à cadeia de comando da guerra que tinha tudo para não ter tido lugar em pleno século XXI.
Espectro de uma terceira guerra mundial
Importantes actores internacionais como a China têm sinalizado que a Guerra na Ucrânia dá sinais de estar a ficar fora de controlo, e, isso pode levar o mundo, inevitavelmente, para uma Terceira Guerra Mundial com consequências mais desastrosas ainda, a julgar pela quantidade e qualidade das armas engajadas nesta guerra e as que poderão, eventualmente, ser mobilizadas, entre as quais as armas nucleares.
Há também a assinalar uma escalada discursiva, com a liderança ucraniana a rechaçar todas as iniciativas, até mesmo de parceiros como Emmanuel Macron, que pretende manter a porta aberta ao diálogo com Vladimir Putin, que Volodymyr Zelensky considera uma “perda de tempo”.
Preocupa o alvitre ucraniano de uma destruição total da Rússia, o afastamento da actual liderança política russa, mas também se notam, sinais de alguma intolerância para os valores culturais da Rússia como é o caso do banimento da religião ortodoxa, da proibição do uso da língua russa, entre outras atitudes extremistas, que não abonam a convivência pacífica entre povos da mesma árvore genealógica.
As inúmeras promessas de armas e munições do Ocidente à Ucrânia, em parte pode estar na causa desta inflexibilidade e inadmissibilidade de contactos entre as partes para um diálogo de mais qualidade, elevando o que já se tem estabelecido ao nível da troca de prisioneiros.
O impasse no estabelecimento desse diálogo de qualidade e a disposição para o combate vai, certamente, escalar o conflito a um nível jamais visto depois do fim da II Guerra Mundial na Europa.
Consequências O cortejo de mortes de civis e mesmo militares, cujas contas são difíceis de aferir, no momento, e os milhões de refugiados e deslocados internos, bem como a pulverização de cidades e aldeias ucranianas, por causa dos bombardeamentos, não têm sido suficientes para interpelar consciências sobre a urgência de um processo de discussão para alcançar a paz, que tinha sido iniciado na Turquia em Março passado, mas foi abruptamente abandonado, apostando-se as fichas todas na continuação da guerra.
Aparte os eventos associados a uma guerra, verificaram-se no ano passado, actos de verdadeiro terrorismo como o derrube de um avião da Malasya Airlines nos céus da Ucrânia, assim como a explosão dos gasodutos Nord Stream I e II, além da documentação dos casos de crimes de guerra pelos dois lados como dos piores episódios desta guerra.
Os últimos discursos de véspera do primeiro aniversário do início da guerra levantou preocupações, pelos sinais que eles transmitiram, que não dão qualquer alento para o fim das hostilidades, antes pelo contrário.
A Rússia suspende a sua participação no mecanismo de controlo de armas nucleares New START, assinado com os EUA, e assume poder vir a realizar testes nucleares no caso de os EUA os realizarem.
A América deplora esta decisão e manifesta-se disposta a dialogar sobre este assunto, para o sensato evitar do extremar de posições.