A comissão parlamentar britânica sobre cooperação internacional recomenda ao Governo que aprove legislação para obrigar os credores privados a participarem nos processos de reestrutura- ção de dívida pública dos países mais endividados, entre os quais estão vários países africanos
A proposta foi apresentada na sexta-feira, na sequência de audições desta comissão parlamentar, que dá agora dois meses ao governo para responder a esta proposta de alteração da legislação actual, que pode mudar a evolução do endividamento dos países em pior situação financeira, entre os quais se destacam os africanos.
“Sem uma intervenção sustentada e eficaz da comunidade internacional para lidar com o problema do endividamento, o impacto da dívida galopante no desenvolvimento dos países pode ser catastrófico”, lê-se no texto apresentado pela comissão que inclui deputados de todos os partidos.
A maioria das emissões de dívida pública internacional é regulada pela lei inglesa, o que faz com que uma simples lei tenha o poder de mudar a configuração dos contratos e forçar os credores privados a negociarem com os países endividados em condições de igualdade com os credores bilaterais e multilaterais.
Desde a pandemia de covid-19, várias instituições financeiras internacionais como o G20 e o Clube de Paris têm lançado iniciativas para suspender o serviço de dívida, ou até perdão de dívida, e assim libertar margem orçamental para os países mais endividados poderem financiar medidas de recuperação da economia, que se tornam ainda mais prementes devido aos impactos da invasão da Ucrânia pela Rússia nos preços alimentares e energéticos.
Até agora, os credores privados têm recusado aceitar perdas nos investimentos que fizeram, apesar dos insistentes pedidos dos Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, que são duas das várias instituições financeiras que têm alertado para uma ‘crise da dívida’ entre os países mais endividados, mas que não têm poder para impor a participação dos credores privados nos processos de reestruturação da dívida.
Ghana, Etiópia e Zâmbia são três países africanos que já começaram negociações formais com o comité de credores para reestruturar a dívida, arriscando com isso uma descida do ‘rating’, mas a generalidade dos observadores e até dos participantes considera que o processo está estagnado.
Os países mais pobres têm, nos últimos anos, mudado o seu perfil de dívida, privilegiando as emissões de dívida soberana nos mercados financeiros em detrimento de empréstimos bilaterais ou concessionais (a taxas de juro mais baixas) feitas por entidades financeiras multilaterais, procurando rapidez e menos condicionalismos na disponibilização das verbas.
“Cada dólar gasto a servir a dívida significa um dólar a menos para os cuidados de saúde, para a educação de mulheres e raparigas e para o combate às alterações climáticas”, disse a presidente da Comissão do Desenvolvimento Internacional, Sarah Champion, numa declaração colocada no site da comissão, consultado hoje pela Lusa.
O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial já expressaram simpatia pela iniciativa, já que reconhecem que a participação do setor privado nos processos de reestruturação da dívida, nomeadamente entre os países africanos, é essencial para garantir um efetivo alívio nos pagamentos da dívida, que permite canalizar mais verbas para a recuperação económica.
Entre os principais credores privados dos países em desenvolvimento estão grandes companhias financeiras como BlackRock, HSBC, Goldman Sachs, JP Morgan Chase e o grupo UBS, que compraram títulos de dívida emitidos pelo Ghana, Quénia, Nigéria, Zâmbia e Senegal, os países africanos com mais dificuldade em pagar o serviço da dívida, que aumentou no seguimento da subida das taxas de juro e da desvalorização das moedas africanas.
De acordo com dados do Banco Mundial, os países mais pobres gastam mais do seu orçamento a servir a dívida do que em qualquer outra altura no passado.
Em Dezembro, a Fitch Ratings alertou que a média do rácio da dívida pública sobre o PIB deveria ficar nos 65% este ano, o que compara com uma média de 57% em 2019, antes da pandemia, e com menos de 30% entre 2007 e 2013.
Quase metade dos 19 países (42%) a que a Fitch atribui um ‘rating’ na região “têm um rácio de dívida sobre o PIB acima de 70%, enquanto o rácio médio da dívida sobre as receitas vai continuar acima de 300%, o dobro do valor em 2013”, comprovando a deterioração dos fundamentos económicos dos países da região, diz a Fitch.