Intensos combates sacudiram Cartum, a capital do Sudão, nesse Domingo (16), no segundo dia de confrontos entre o exército e um grupo de para-militares, que deixaram ao menos 97 civis mortos, incluindo três trabalhadores humanitários da ONU
“O número de civis mortos nos confrontos que começaram Sábado subiu para 97”, anunciou um sindicato médico num comunicado.
A nota explica que o número não inclui todas as vítimas porque muitas não conseguiram chegar aos hospitais devido às dificuldades de deslocamento.
Enquanto os médicos contam os feridos às centenas desde o início dos confrontos, no Sábado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que “vários dos nove hospitais em Cartum, que recebem civis feridos, ficaram sem sangue, equipamentos de transfusão, fluidos intravenosos e outros suprimentos vitais”.
O Programa Mundial de Alimentos (PMA), subordinado às Nações Unidas, informou que após as mortes de três dos seus funcionários, vai suspender as suas operações.
A disputa de poder entre os dois generais que protagonizaram o golpe de Estado de 2021 o comandante do Exército, Abdel Fatah al Burhan, e o chefe das Forças de Apoio Rápido (FAR), general Mohamed Hamdan Daglo, conhecido como “Hemedti” geraram alerta internacional e levaram os vizinhos Chade e Egipto a fecharem as fronteiras.
Explosões ensurdecedoras e intensas trocas de tiros sacudiram edifícios nos subúrbios Norte e Sul de Cartum, densamento povoados, relataram testemunhas.
Os combates prosseguiram depois do anoitecer deste Domingo, enquanto os sudaneses se refugiavam nas suas casas, temendo um conflito prolongado que poderia mergulhar o Sudão num caos mais profundo, frustrando as expectativas de uma transição para uma democracia chefiada por civis.
“Justiça sem demora”
O conflito levava semanas de preparação, impedindo um acordo político num dos países mais.
pobres do mundo. Desde a revolta popular que depôs Omar al Bashir, em 2019, o Sudão tenta realizar as suas primeiras eleições livres após 30 anos de ditadura.
Durante o golpe de Estado que pôs fim à transição democrática, em Outubro de 2021, o chefe do Exército, Abdel Fatah al Burhan, e o líder das FAR, general Mohamed Hamdan Daglo, aliás ‘Hemedti’, juntaram forças para expulsar os civis do poder.
Mas a rivalidade entre os dois generais levou à violência no Sábado.
Ao final da tarde desse Domingo, o exército informou que tinha “aceite uma proposta das Nações Unidas para abrir um corredor humanitário” durante três horas, que terminou às 17h GMT locais.
A organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) confirmou a medida.
Apesar da pausa, foram ouvidos tiroteios intensos no centro de Cartum.
“Os disparos e as explosões não param”, disse Ahmed Hamid, de 34 anos, morador de um subúrbio do Norte da capital sudanesa.
As FAR, comandadas por Daglo, dizem ter ocupado o aeroporto internacional de Cartum, o palácio presidencial e outros locais estratégicos, mas o exército garante que continua a controlar ambos. Também há confrontos na região Oeste de Darfur e no Estado fronteiriço de Kassala (Leste).
A ONU diz que os seus funcionários do PMA morreram no Sábado em confrontos no Norte de Darfur. Após as suas morte se a de outros civis, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu “justiça sem demora”. Segundo as Nações Unidas, um terço da população do Sudão precisa de ajuda humanitária.
“Catastrófica”
Criadas em 2013, as FAR surgiram da milícia Janjawid, que o então presidente Omar al Bashir havia desatado contra as milícias étnicas não árabes em Darfur uma década antes, gerando acusações de crimes de guerra.
A integração planeada das FAR no exército regular foi um elemento-chave dos diálogos para concluir um acordo que se esperava que restaurasse a transição civil do Sudão e pusesse um fim à crise políticoeconómica provocada pelo golpe militar de 2021 de Burhan e Daglo.
Os apelos para pôr fim aos combates vieram de toda a região e do mundo, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, China, União Europeia e Rússia, enquanto o papa Francisco instou à retomada do diálogo.
Após uma reunião sobre o Sudão, a União Europeia disse que um alto funcionário viajará “imediatamente” ao país para orientar ambas as partes no sentido de um cessarfogo, enquanto a Liga Árabe celebrou uma reunião de emergência no Cairo.
Por enquanto, porém, nenhum dos dois generais parece disposto a conversar, chamando um ao outro de criminoso.Burhan, um soldado que ascendeu na carreira durante o governo do agora preso general islamita Bashir, assegurou que o golpe de 2021 foi “necessário” para incluir mais facções na política.
Daglo, por sua vez, qualificou o golpe de um “erro” porque não conseguiu produzir mudanças e reactivou alguns elementos do regime de Bashir, deposto pelo exército, em 2019, após protestos maciços.