As tréguas temporárias entre Hamas e Israel que permitiram a libertação de reféns criaram a expectativa de uma solução mais duradoura para o conflito em Gaza, mas estão por criar condições para tal, alertam analistas
“O complexo acordo de libertação de reféns é bemvindo, mas deixa muitas questões por responder”, sublinha Bar-Yaacov, analista israelita e bolseira associada do Programa de Segurança da Chatham House, a propósito do entendimento alcançado pela mediação internacional e que expira na próxima madrugada, podendo ainda ser prolongado por alguns dias caso Israel e Hamas concordem.
“Para garantir que o acordo estabelece um marco importante no desanuviamento do conflito, ajudando a abrir caminho à estabilidade, à segurança e, em última análise, à paz, os mediadores [Qatar, Egipto e EUA] têm de continuar a trabalhar para atingir objectivos fundamentais para garantir que todos os reféns são libertados e que existem planos para a população deslocada de Gaza, bem como para a reconstrução das instituições e infraestruturas governamentais de Gaza”, adiantou a analista num novo artigo.
Nesse sentido, prossegue, serão necessários “acordos claros” entre a Autoridade Nacional Palestiniana (ANP) e todos os principais actores internacionais, para que, no dia em que a guerra terminar, se assegure uma transição suave para uma situação que proporcione estabilidade e segurança à Palestina e a Israel, tendo como meta a paz.
E a “única forma de avançar” é “oferecer garantias de segurança” tanto para a Palestina como para Israel, a par da implementação da Iniciativa Árabe de Paz, um plano saudita de 2002 que foi mais tarde adoptado pela Liga Árabe e que apela à criação de um Estado palestiniano soberano a par de um Estado israelita soberano baseados nas fronteiras de 1967, em troca de acordos de paz entre Israel e todos os países árabes.
Os ataques israelitas em Gaza prosseguiram incessantemente desde 07 de Outubro, em resposta ao ataque do Hamas contra Israel, e a trégua em vigor desde a última sexta-feira, que permitiu a troca de reféns e prisioneiros, trouxe a primeira interrupção ao conflito.
“Um cessar-fogo prolongado poderia facilitar o regresso de mais reféns israelitas e reduzir o risco de agravar a catástrofe humanitária entre os civis de Gaza.
Poderia também ajudar a acalmar as tensões na Cisjordânia e reduzir o risco de uma escalada da guerra, atraindo actores externos, como o grupo militante libanês Hezbollah e o seu patrono, o Irão”, escrevem Matthew Duss e Nancy Okail, do Centro de Política Internacional para os Negócios Estrangeiros.
Numa análise publicada no diário Haaretz, o jornalista israelita Anshel Pfeffer defendeu que o Governo de Telavive terá de lidar com três grandes dilemas nos próximos dias: quando acabar com as tréguas, quando e como atacar o sul de Gaza e quando começar a permitir e a apoiar a ajuda a entrar em Gaza através do território israelita.
Do lado palestiniano, a questão põe-se de outra forma, pois a Faixa de Gaza e a Cisjordânia são governadas por facções rivais palestinianas, com o enclave dominado pelo Hamas e no outro território ocupado a Fatah, maioritária na ANP.
“Quando a guerra terminar, os líderes palestinianos devem estar prontos para negociar uma solução política e representar o seu povo tanto em Gaza como na Cisjordânia”, defendeu Neil Quilliam, membro associado do Programa para o Médio Oriente e Norte de África do International Crisis Group (ICG), lembrando que há anos que os dirigentes israelitas afirmam que não têm um parceiro palestiniano com quem possam negociar a paz.
“Os sucessivos governos de Benjamin Netanyahu têm efectivamente apoiado o Hamas, minando a Autoridade Palestiniana, mais moderada.
O resultado é que o próprio Israel não tem sido um parceiro para a paz nas últimas duas décadas, e a sua narrativa venceu e persuadiu os decisores políticos ocidentais de que o problema é a liderança palestiniana ineficaz”, sustenta Quilliam.
Para o analista do ICG, é “fundamental” que, quando a guerra entre o Hamas e Israel cessar, os líderes palestinianos não só estejam dispostos a negociar uma solução política — “e tem de haver uma solução política” como também representem os palestinianos tanto na Cisjordânia como em Gaza.
“Isto não é tarefa fácil, dada a escassez de líderes nacionais populares e os elevados níveis de desilusão e desconfiança dos palestinianos em relação à ANP, à Fatah e ao Hamas.
Além disso, os actuais dirigentes palestinianos ou estão distantes da sua população, tanto metafórica como fisicamente (têm a sede em Doha) – ou estão na clandestinidade”, relembra.Mas, para enveredar pelo caminho da paz, refere Bar-Yaacov, é necessário elaborar planos para a reconstrução de Gaza e dar respostas à população palestiniana deslocada, em paralelo com as negociações sobre os reféns.
“E, para isso, é vital o empenho contínuo do Qatar, Egipto e EUA. Depois, quando a guerra terminar, a ANP precisará de todo o apoio possível para governar na Cisjordânia e em Gaza.
Não é do interesse de ninguém que Israel permaneça em Gaza durante uma fase de transição. As preocupações de segurança de Israel terão de ser abordadas pelos mediadores no processo”, afirma a analista da Chatham House.