A invasão do Iraque por uma coligação liderada pelos Estados Unidos e Reino Unido começou há 20 anos, com o argumento da posse de armas de destruição em massa, num conflito que muitos comparam com a actual guerra na Ucrânia
Os primeiros bombardeamentos de Bagdade, capital do Iraque, aconteceram em 20 de Março de 2003, quando os serviços de informações alertaram para uma provável localização de Saddam Hussein num determinado bairro na cidade, mas não atingiram o líder iraquiano.
Até à invasão russa da Ucrânia, em fevereiro do ano passado, a guerra do Iraque foi uma das principais do século XXI, envolvendo duas potências internacionais contra um importante país do Médio Oriente, embora isolado internacionalmente desde a ocupação ilegítima no Koweit, em 1991.
Na altura, os Estados Unidos, liderados por George Bush, conseguiram libertar o Koweit, mas não arredaram do poder Saddam Hussein, caracterizado pela sua brutalidade e crueldade, sobretudo contra a maioria xiita e a minoria curda, contra as quais usou armas proibidas.
Seria o filho daquele líder americano, o republicano George W. Bush, que, pouco mais de 20 anos depois, decidiu avançar para o Iraque, escassos dias após se ter reunido com os primeiros-ministros britânico, Tony Blair, e espanhol, Jose Maria Aznar, na chamada Cimeira dos Açores, também conhecida como “a cimeira da guerra”, recebidos pelo chefe do Governo português, Durão Barroso.
Após anos de várias resoluções e sanções aprovadas nas Nações Unidas contra o regime de Bagdade, e depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001 contra Nova Iorque e Washington reivindicados pela al-Qaeda, o Governo norte-americano acreditava que armas químicas iraquianas pudessem cair em mãos terroristas, enquanto, ao mesmo tempo, prosseguia as hostilidades contra os talibãs no Afeganistão.
A ideia foi reforçada por uma intervenção do então secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, no Conselho de Segurança da ONU, exibindo alegadas provas da existência de armas químicas e biológicas, que o regime de Saddam Hussein insistia já não possuir, e que não convenceram a França e a Rússia, inviabilizando uma resolução, nem milhões de pessoas que na altura se manifestaram em muitas cidades do mundo, incluindo dezenas de milhares em Lisboa, contra a guerra iminente.
Inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica foram enviados para o Iraque, confirmando colaboração das autoridades de Bagdade, e nunca encontraram as alegadas armas, nem a seguir as forças de ocupação.
No dia dos primeiros bombardeamentos, estava consumada a ofensiva, denominada “choque e pavor”, com o envolvimento de 150 mil militares dos Estados Unidos só no primeiro mês, com os seus aliados britânicos, que invadiram o país cruzando a fronteira do Koweit.
Outros países enviaram posteriormente militares, como a Austrália, a Polónia, Espanha e Portugal, que estacionou um contingente da GNR em Nassíria, no sul.
Enfrentando pouca resistência, em 14 de Abril, as forças norte-americanas tomaram Bagdade, numa icónica imagem do ministro da Informação negando a invasão dos norte-americanos, quando se viam as tropas invasoras atrás dele.
Mas não encontraram Saddam Hussein nem outros protagonistas do regime, e foram conquistando outras importantes cidades do triângulo sunita e do norte do país.
Até que, no dia 01 de maio, o Presidente dos Estados Unidos discursou a bordo de um portaaviões à frente de um cartaz que dizia “missão cumprida”.
No entanto, vastas áreas da capital estavam sem energia nem água, e, na ausência de autoridades policiais, Bagdade tornou-se na capital de pilhagens, aos olhos das forças ocupantes, e que não pouparam ministérios exceto o do Petróleo, que estava protegido por militares ocupantes palácios de Saddam Hussein, residências da cúpula do regime, lojas e até hospitais, além de um dos mais importantes museus de arqueologia do mundo, apesar dos avisos prévios da Unesco a Washington e Londres, à medida que o lixo também se acumulava nas ruas, juntando-se a uniformes e capacetes de desertores espalhados pela cidade.
Na altura, o diretor do Laboratório Nacional do Iraque alertou que as câmaras frigoríficas tinham sido roubadas, contendo amostras dos principais vírus e bactérias mais ameaçadores do mundo: “São estas as armas químicas”.
O descontentamento foi aumentando entre a população, que se dividia entre a satisfação de se ter livrado da ‘mão de ferro’ de Saddam Hussein, sobretudo na maioria xiita, e a oposição à presença das forças estrangeiras, uma vez deposto o regime, e particularmente após o administrador nomeado pelos Estados Unidos para o Iraque, Paul Bremer, ter aprovado em maio uma lei que demitia todos os soldados e funcionários públicos membros do Partido Baas, o que implicava dezenas de milhares de pessoas, que nunca poderiam ter acedido aos seus postos sem a adesão a esta força política.
Foi o início de uma violenta ressurreição contra as forças norteamericanas, concentrado no triângulo sunita, que inclui Bagdade, usando explosivos artesanais, lança-rockets e armas automáticas, que permaneciam na posse de milhares de soldados iraquianos desertores e que passaram ao contra-ataque com os seus atos de guerrilha, um cenário que se foi agravando até ao fim de 2003 e 2004, quando foram denunciados atos de tortura na penitenciária de Abu Graib, nos arredores da capital, à semelhança de Guantanamo, em Cuba, dirigida pelos Estados e Unidos, onde se encontravam detidos suspeitos de terrorismo, e ainda mais nos seguintes.
Quanto a Saddam Hussein, foi localizado e preso junto da sua cidade natal, Tikrit, no norte, e depois julgado por um tribunal local, que o condenou à morte por enforcamento executada em 30 de dezembro de 2006 quando a insurreição iraquiana estava longe de abrandar.
A ocupação do Iraque só terminaria em dezembro de 2011, já depois de as forças norte-americanas e britânicas terem cessado operações de combate e formado militares locais, e a seguir à eleição para a presidência dos Estados Unidos do democrata Barack Obama, em 2009, que tinha como promessa eleitoral a retirada do país.
O saldo é variável, entre cem mil e 200 mil civis mortos em consequência direta do conflito e outras dezenas de milhares indiretamente, e acima de quatro mil baixas entre os militares norteamericanos e quase 200 britânicos, centenas de milhares de refugiados e deslocados, e milhares de milhões investidos no esforço de combate, com recurso a grupos de mercenários privados, num conceito de “guerra preventiva”.
A efeméride dos 20 anos da invasão do Iraque, sem respaldo internacional, tem sido comparado à chamada “operação militar especial” que a Rússia iniciou em 24 de fevereiro do ano passado na Ucrânia.
A propaganda de Moscovo compara frequentemente os dois momentos históricos, embora a invasão da Ucrânia também tenha acontecido à revelia do direito internacional e da Carta das Nações Unidas, um argumento acompanhado de muitas opiniões, sobretudo no “Sul Global”, na Ásia e até e países ocidentais.
O próprio ex-Presidente George W. Bush condenou em maio passado o Presidente russo, Vladimir Putin, por lançar uma invasão em grande escala na Ucrânia.
Mas Bush cometeu então uma “gaffe” ao referir-se à “decisão de um homem de lançar uma invasão totalmente injustificada e brutal do Iraque”.
Depois, rapidamente corrigiu, dizendo “a Ucrânia” com um aceno de cabeça, e apelou para a sua condição de septuagenário.
Apesar do abandono da invasão ocidental e eleições realizadas entretanto, o Iraque esteve sempre em instabilidade constante, nas suas divergências políticas, étnicas e religiosas, que incluíram uma posição perturbante do terrorista Estado Islâmico.
O país vive 20 anos depois momentos de algum equilíbrio, mas sem nunca afastar o fantasma da guerra.