O vice-presidente do Observatório do Mundo Islâmico (OMI) defendeu, ontem, em declarações à agência Lusa, que a proposta de anexação do território palestiniano no Vale do Jordão, na Cisjordânia, constitui uma violação do direito internacional
João Henriques sublinhou que tal intenção significa “uma clara ameaça à paz em toda a região do Médio Oriente”, pelo que a proposta é contestada por grande parte da comunidade internacional que, à excepção dos Estados Unidos, vê nela “um claro objectivo de colonização, um verdadeiro sistema de ‘apartheid’, que porá sempre em causa os esforços para uma solução negociada”.
“Israel insiste permanentemente num direito que não lhe é reconhecido, a não ser por parte da sua própria população, por uma retórica ultra-ortodoxa com origem no próprio governo, sempre a reboque de argumentos relacionados com a sua segurança, com a história e com as questões religiosas, alavancadas na sua interpretação da Bíblia”, sustentou João Henriques.
Pelo lado palestiniano, prosseguiu, a posição contra a anexação é também conhecida, baseada em argumentos igualmente históricos, mas legais e, sobretudo, humanitários.
Para João Henriques, o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, “tem assistido impávido e sereno a esta brutal escalada de tensões”, que alguns analistas, muito provavelmente pela sua simpatia pela causa judaica, “rejeitam estar na presença de um inequívoco genocídio”.
“O qualificativo é forte, é certo, mas não vejo outra forma de identificar toda esta mortandade. Todavia, o inquilino da Casa Branca já em diferentes ocasiões sublinhou o seu indefectível apoio ao amigo Netanyahu.
O certo é que também a comunidade internacional tem vindo a afastar -se do patrocínio norte-americano a Israel à ocupação da Faixa de Gaza”, argumentou. “A fase seguinte já começou a ser preparada na Cisjordânia.
Até por estar em causa a sobrevivência do próprio primeiro-ministro israelita”, observou, aludindo ao processo na justiça associado a corrupção.
Para João Henriques, as agora visíveis divergências entre Biden e Netanyahu, devido sobretudo à escalada de tensões sobre os propósitos de Israel invadir Rafah, no sul da Faixa de Gaza e próximo da fronteira com o Egipto, está ligado à pré-campanha eleitoral em curso nas presidenciais norte-americanas de Novembro próximo.
Questionado sobre se para ganhar tempo, Netanyahu, além de aparentemente estar refém da extrema-direita e dos ultraortodoxos, está à espera do regresso de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, João Henriques respondeu que tal “poderá ser provável”, embora admita que, até lá, o Governo israelita possa cair.
“Provavelmente, a estratégia de Netanyahu passará por arrastar as decisões mais estruturais para Novembro, quando ocorrerão as eleições norte -americanas.
Caso se venha a confirmar a eleição de Donald Trump, os ultra-ortodoxos israelitas veem nela um benefício para as suas teses, dadas as influências que esperam da relação com Trump.
Pessoalmente, não me custaria admitir que o actual governo israelita caísse até lá”, sustentou. Sobre a abstenção de Washington na resolução aprovada no Conselho de Segurança da ONU, que prevê a cessação imediata do conflito entre Israel e o Hamas, João Henriques considera-a “um claro retrocesso” na estratégia de Netanyahu.
“Desde há muito que a relação entre os dois países tem sido marcada por um enorme apoio, não só militar como também financeiro, o que passará, a partir de agora, em questões de maior complexidade, a ser refreado e a ser, bem provavelmente, discutido e aprovado, se calhar com maior dificuldade, em sede do Congresso”, explicou.
“Também parte da comunidade internacional vai reagir à resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas e, objectivamente, a abstenção dos Estados Unidos mostra, também ela, uma mudança significativa na política dos Estados Unidos relativamente a Israel”, acrescentou.
Para João Henriques, a relação de Israel com os seus aliados vai condicionar a política israelita, tanto no plano internacional como interno a breve trecho.
“Por isso, objectivamente, a abstenção dos Estados Unidos mostra, também ela, uma mudança significativa na política dos Estados Unidos relativamente a Israel”, concluiu.