“Chegou o momento de África – cujos filhos e filhas viram as suas liberdades controladas e foram vendidos como escravos – também receber reparações”, afirmou, recentemente, o Presidente do Gana, Nana Addo Akufo-Addo, numa conferência realizada na capital, Accra
A exigência de AkufoAddo de indemnizações pelos milhões de africanos vendidos como escravos e por outras injustiças da era colonial faz parte de um movimento global crescente.
Os delegados presentes na conferência da semana passada dedicada ao tema das reparações concordaram em criar um fundo global neste sentido, mas não adiantaram pormenores sobre o seu funcionamento.
A União Africana (UA) e os 20 membros da Comunidade das Caraíbas, conhecida como CARICOM, associaram-se para formar o que a vice-presidente da Comissão da UA, Monique Nsanzabaganwa, chamou de “frente unida”, para corrigir injustiças históricas e garantir o pagamento de reparações.
Durante a conferência, Nsanzabaganwa sublinhou que África “suportou o peso das injustiças históricas e as ramificações de um passado marcado pela escravatura, colonização e exploração”.
“Temos de reconhecer que estas injustiças tiveram um impacto a longo prazo, cujas consequências ainda hoje se fazem sentir”, afirmou.
“A exigência de reparações não é uma tentativa de reescrever a história ou de continuar o ciclo de vitimização.
É um apelo para reconhecer a verdade inegável e corrigir os erros que ficaram impunes durante demasiado tempo e que continuam a prosperar actualmente”, acrescentou Nsanzabaganwa.
12,5 milhões de raptos
Entre os séculos 15 e 19, pelo menos 12,5 milhões de africanos foram raptados e transportados à força por navios europeus para serem vendidos como escravos.
Algumas estimativas apontam mesmo para 20 ou 30 milhões. Os que sobreviveram à viagem brutal acabaram por trabalhar em condições desumanas nas Américas, sobretudo no Brasil e nas Caraíbas, garantindo enormes lucros aos seus proprietários.
O comércio de escravos foi dominado pela Grã-Bretanha e por Portugal, embora os EUA, os Países Baixos, a Espanha, a França, a Dinamarca e a Suécia também estivessem fortemente envolvidos.
Anna Hankings-Evans, advogada germano-ganesa especializada em direito económico internacional, afirmou ser “enriquecedor” trabalhar com descendentes de africanos escravizados na procura de reparações.
“Penso que é crucial que nos juntemos e beneficiemos da troca de ideias”, disse à DW, à margem da conferência. “Embora as nossas experiências sejam únicas, o nosso poder reside na união.”
Sobe o tom No início deste mês, após a visita do Rei Carlos III ao Quénia, o político sul-africano Julius Malema juntou-se ao debate. “Os britânicos (…) não têm nada que pôr os pés aqui [no Quénia], a não ser para pagar reparações aos quenianos”, afirmou.
No Quénia, o rei Carlos falou de “actos de violência abomináveis e injustificáveis” durante o domínio britânico, mas evitou pedir desculpa. Nas redes sociais, os quenianos mostraram-se menos interessados num pedido de desculpas do que em reparações tangíveis.
No mês anterior, o rei e a raínha holandeses foram confrontados por um grupo de indígenas khoi e san, que protestavam contra a sua visita à África do Sul.
Quando o casal real visitava a Slave Lodge da Cidade do Cabo, que outrora albergou escravos pertencentes à Companhia Holandesa das Índias Orientais, foi recebido com protestos por um grupo de líderes khoi e san, contra colonizadores holandeses que roubaram as terras aos seus antepassados.
Os manifestantes empunhavam cartazes que exigiam: “Queremos indemnização”.
Os colonizadores holandeses na África do Sul expulsaram das suas terras férteis as etnias khoi e san e forçaram muitos indígenas sul-africanos à servidão. Biliões de euros em indemnizações.
Vários estudos tentaram calcular em dinheiro os danos causados pelo tráfico de escravos ao continente africano.
Publicado em Junho, o Relatório do Grupo Brattle sobre Reparações pela Escravatura conclui que, de acordo com o direito internacional, as somas devidas são avultadas: o custo global do comércio de escravos para a África poderá rondar os 120 biliões de euros, tanto pelos danos infligidos durante a época da escravatura como os de longo prazo após a escravatura.
De acordo com o relatório, os Estados Unidos da América devem cerca de 27 biliões de dólares, a Grã-Bretanha 24 biliões de dólares e Portugal 21 biliões de dólares em reparações.
Um relatório das Nações Unidas define medidas concretas para ressarcir os danos sofridos por pessoas de ascendência africana.
O documento reconhece que a avaliação dos danos económicos pode “ser extremamente difícil devido ao longo período de tempo decorrido e à dificuldade de identificar os autores e as vítimas”.
Mas sublinha que “estas dificuldades não podem servir de base para anular a existência de obrigações legais subjacentes”.
Complicações políticas O caso da Alemanha ilustra as complicações políticas inerentes ao pagamento de reparações.
Em 2021, Berlim reconheceu o genocídio dos povos herero e nama durante a colonização alemã do que é hoje a Namíbia, e comprometeu-se a pagar 1,7 mil milhões de dólares ao Governo namibiano.
A declaração emitida em conjunto com Windhoek não incluiu as expressões “reparação” ou “indemnização”, o que lhe valeu as primeiras críticas.
Os fundos colocados à disposição deverão ser investidos, durante 30 anos, em regiões habitadas por descendentes das vítimas do genocídio.
A Alemanha foi também ferozmente criticada por não ter negociado directamente com os grupos comunitários herero e nama. Berlim insiste que não existe base legal para exigências de reparação individuais ou coletivas por parte de descendentes de grupos vitimados ou das suas associações ao Governo alemão.
Organizações de defesa dos direitos humanos, incluindo o Centro Europeu para os Direitos Constitucionais e Humanos, com sede em Berlim, e a Human Rights Watch, discordam.
Dizem que a Alemanha tem efectivamente obrigações legais ao abrigo das leis dos direitos humanos, como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Para Monique Nsanzabaganwa, as reparações são mais do que simples transacções financeiras: “São uma obrigação moral e ética. Representam o nosso reconhecimento dos erros do passado e, mais importante ainda, a determinação de nos reconciliarmos”, conclui.