O oficial de projectos do UNICEF na região Sul de Angola, Paulo Mendes, revelou que muitas mulheres reportam terem sido vítimas de abusos sexuais cometidos por maridos, namorados, amigos e outras pessoas muito próximas a elas. “E, o ano em referência (2020), nos remete a cerca de 70 por cento, que é uma percentagem bastante alta.
Também, no mesmo ano, no geral, vimos que 30 por cento das mulheres foram vítimas de violência sexual por outros actores”, detalhou, em declarações à imprensa à margem da acção formativa.
Apesar de não precisar, em concreto, os dados relativos ao ano passado, o oficial do UNICEF disse que, pelas informações reportadas, os números continuam ainda a ser “muito altos” e tendem a crescer de forma preocupante.
Assegurou que os números avançados – tanto relativos às crianças quanto às mulheres – remontam a 2020, e os números produzidos actualmente não ficam a dever aos de há quatro anos, em função de uma série de denúncias feitas registadas.
Por outro lado, explicou que os dados sustentam, igualmente, que 53 por cento de mulheres se tem remetido ao silêncio, escusando-se de levar os casos de denúncia de que são vítimas às instâncias de direito.
A esses números, juntam-se os 15 mil casos de abuso sexual ocorridos de Janeiro a Dezembro de 2020, cujas vítimas foram crianças, embora não se tenha referido às faixas etárias. Esses são os casos denunciados às instâncias de direito, sendo certo que, conforme sustenta, haverão mais casos.
Uma espreitadela aos dados de Benguela
No que respeita à província de Benguela, os dados apontam para uma média anual de 450 casos de abuso sexual, cujos processos tramitam junto de instâncias judiciais, com destaque para o Serviço de Investigação Criminal (SIC).
De acordo com a médica legista do SIC, Maria Fátima de Almeida, um dos participantes à formação, em média trimestral para exames periciais os casos variam de 120 a 130, ao passo que, semestralmente, os números andam à volta de 300 casos.
“O sexo mais afectado é o feminino. Também tem ocorrido sexo masculino e a maioria são as crianças e adolescentes”, sustenta. A médica enaltece a cultura de denúncia por parte de algumas famílias que, contrariamente ao que acontecia, hoje muitas delas já não se fecham e procuram as autoridades para reportar os casos que, volta-e-meia, se vão registando. “Depois da denúncia (ao INAC), eles acorrem aos nossos serviços para exames periciais, para ser submetido a nível judicial”, frisou.
“Vizinho já não é família, viola criança”
A directora do serviço provincial do INAC em Benguela, Rosa Francisco, afirmou que a instituição reportou, no primeiro trimestre deste ano, 45 casos de abuso sexual.
Nos últimos 15 dias, foram registados mais 15, perfazendo, ao todo, um total de 60. A responsável lamenta que, nos dias de hoje, vizinho já não seja considerado familiar, é também abusador sexual de crianças.
“Os actos de abusos sexuais são sempre praticados por pessoas mais próximas. Estamos a falar de abuso sexual intra-familiar e extra-familiar: é sempre um pai a violar, é sempre o vizinho, o amigo.
Antes o vizinho era nosso familiar, tratávamos como familiar, hoje a situação quase mudou”, salientou o responsável. Rosa Francisco recebeu de bom grado a possibilidade de agravamento das penas para actores de abuso sexual pela Assembleia Nacional, no âmbito da revisão pontual do Código Penal. Ela prevê inibição ao cometimento desse tipo de crime contra menores.
“Para nos é salutar, nos sentimos satisfeitos, por pensar nas crianças. Acho que a pena mínima vai de três anos e a máxima a oito anos. Nós ainda consideramos branda, mas já vai dar resposta aos actores para mudarem de consciência”, considera.
A referida acção de formação, em sede da qual foram avançados os dados, na sala de reuniões do Departamento Provincial de Saúde Pública, juntou actores que intervém no sistema de protecção à criança.
A iniciativa visou reforçar o conhecimento sobre os conceitos relevantes da conduta social, bem como contribuir para a consciencialização sobre a problemática das infracções de natureza sexual.
Por: Constantino Eduardo, em Benguela