Viagem tranquila e segura – consideram passageiros a bordo de um comboio que partiu do Lobito, com cerca de 500 pessoas, e apita no Luena, meses depois de o Governo ter entregado a gestão de alguns serviços a um consórcio de três empresas europeias. Ao longo do percurso de mais de mil quilómetros de linha férrea, a natureza encarrega-se de ostentar o que tem de melhor, a sua bela paisagem, ora serpenteada por rios
A reboque do comboio ‘Expresso’, a equipa do jornal OPAÍS partiu do Lobito, na estação do Compão, às 8h00 horas da manhã, com um atraso de cerca de uma hora, de Segunda-feira. Antes, isto às 6h00, abriram-se os portões para a multidão que, com bilhete em mão, aguardava a orientação dos técnicos do Caminho-de-ferro, a quem coube organizar os passageiros. Já no interior do comboio, uns nos camarotes e outros na famosa área económica, a conhecida “zona da confusão” (ganhou esta alcunha porque as pessoas, volta-e-meia, pancam-se nas mercadorias), as pessoas estavam impacientes por não ser normal, justificavam alguns, o comboio ter atrasado uma hora.
Como a falta de comunicação gera especulação, no corredor dos camarotes, cada um tirava as suas ilações em virtude do atraso. Uns garantiam ter informações fidedignas de que tal se de- via a uma alegada avaria da locomotiva; outros ainda diziam que o CFB era mesmo assim, gostava de fazer sofrer as pessoas. Ultrapassados os constrangimentos (este jornal veio a saber que o atraso se deveu à manutenção de última hora), lá ouvia-se o apitar do comboio: “Puããããã”.
Os passageiros respiravam de alívio, felizmente estava tudo a posto para um percurso de mais ou menos mil quilómetros de linha férrea de um corredor cujas potencialidades “seduziram” empresas europeias e americanas. Daí que os portugueses da Mota-Engil, os suíços da Trafigura, os belgas da Vecturius, que constituem o consórcio da Lobito Transatlantic Railway, tenham, desde já, anunciado um investimento de USD 500 milhões – repartidos em manutenção da linha e compra de locomotivas. Ao negócio juntaram-se os Estados Unidos da América, injectando USD 200 milhões.
No interior do comboio, a vida corria normalmente. Uma viagem calma «apimentada» com prados verdejantes, serpenteada por cursos intermináveis de rios, sugerindo aos olhos de cada um a riqueza indescritível deste «grande país rico, belo e maravilhoso» à qual parece não se prestar tanta atenção/exploração necessária. Maravilhas capazes de inspirar qualquer escritor, por inexperiente que seja.
Nos camarotes ou em áreas económicas, o movimento era frenético. As pessoas íam de um lado para outro, sendo certo que todos à bordo se manifestavam conscientes de que estariam «condenados», de resto, a conviver uns com os outros nas próximas 24 horas, que é o tempo que se faz do Lobito ao Luena. O restaurante Robert William afigura-se pequeno para atender às cerca de 500 pessoas no interior do comboio com pouco mais de 10 carruagens, embora, depois, houvesse reclamações de que os preços praticados eram exorbitantes, não se compadeciam com os bolsos bastante afectados pela conjuntura económica vigente.
Face a este cenário, na primeira paragem convencional, isso no Huambo, os passageiros desceram do comboio à procura de qualquer coisa para ludibriar o roncar do estômago, desde que fosse mais compatível com os seus bolsos. Valeu- se-lhes o comércio precário à por- ta da Estação Central no Huambo. O comboio expresso do Lobito ao Luau pára (carga e descarga) apenas nas chamadas estações principais, como a da cidade do Huambo, Cuito e Luena, deixando de lado as intermédias e apeadeiros.
Na do Huambo, por exemplo, houve quem tivesse tentado ludibriar a área comercial do CFB, subindo ao comboio sem ter pagado a corrida, mas foram de imediato detectados antes de se seguir viagem em direcção ao Luena. Hora e meia depois, o «puããã!!!!» do comboio sugeria o regressar de todos para dentro, a fim de se continuar a viagem, pois faltava ainda muita linha por percorrer até ao Luena. Já no interior, ouviram-se conversas com várias abordagens. Do desporto à política, sem nunca terem perdido de vista alguns aspectos relativos à cultura nacional, com as polémicas envolvendo alguns músicos a capitalizarem as atenções.
Limpeza permanente
Para quem esteve à conversa no corredor, volta-e-meia, era «incomodado» com o pedido de licença de senhoras encarregues da limpeza do comboio. “Ainda agora, mamã, já não tinham limpado?” Indagamos a uma senhora. Ao que ela respondeu: “sim, meu filho. É por causa da poeira e o movimento das pessoas. O comboio tem que estar sempre limpo”. Conversas e mais conversas, o sol, envergonhado, escondia-se, dando lugar às nuvens acinzentadas.
Era noite. E o movimento não parava. Às 0 horas da noite fez-se um silêncio sepulcral que deu lugar aos carris sobre a linha férrea e o apito do comboio. Para quem tenha optado por camarotes, pagando um pouco mais, teve uma cama para o descanso nocturno. O mesmo não se dá em relação aos da zona económica, obrigados a pernoitar nas cadeiras. Muitos despertaram já com o apito da chegada do comboio à estação de Luena, às 5h50 minutos da manhã. Para muitos, era o fim de uma viagem.
“A viagem correu muito bem. Mas também quero apelar às pessoas que não vandalizem o comboio. Notei uma casa de banho sem a porta”, reprova o cidadão Jeremias Baptista. Dona Cláudia considerou a viagem cansativa e longa de mais, mas diz ter sido calma, segura e tranquila, sem nenhum constrangimento. A senhora recomenda ao CFB mais organização na hora de embarque de passageiros, porque, no seu ponto de vista, tem havido “confusão que não se justifica”.
Investimentos milionários no corredor com porta para SADC
Nos termos do contrato, cuja cerimónia de transferência de concessão dos serviços do corredor do Lobito contou com a presença dos Presidentes de Angola, RDC e da Zâmbia, o país encaixou pouco mais de 100 milhões de dólares. Na altura, o trio presidencial (João Lourenço, Hakainde Hichilema e Félix Antoine Tshisekedi) optou por destacar os ganhos resultantes da dinamização das exportações inter-africanas, acenando para a Zona de Comércio Livre da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral.
Nesta perspectiva, especialistas são unânimes em afirmar que, em pouco tempo, o consórcio, que vai explorar o corredor nos próximos 30 anos renováveis, terá o retorno do investimento. O contrato reza que o CFB se vai ocupar de transporte de passageiros e pequenas cargas, enquanto mercadorias de grande vulto, como minério, sobretudo proveniente de Catanga, na RDC, ficam a cargo do consórcio.
A jovem Reinalde Kalupeteka faz o percurso Lobito/Luena com alguma frequência e louva os investimentos anunciados pelo consórcio que vai explorar o corredor do Lobito, esperando, por isso, que haja uma melhoria significativa no transporte de pessoas e bens. “Requer muita organização da equipa do CFB no que concerne à acomodação dos passageiros. Haja mais dinamismo”, sugere.
Ultrapassando os constrangimentos na linha férrea
Até bem pouco tempo, o CFB debatia- se com vários constrangimentos de ordem técnica ao longo do percurso Lobito/Luena/ Luau, daí a Mota-Engil, uma das empresas do consórcio, ter assumido, à margem da cerimónia oficial de transferência de concessão dos serviços do Corredor, a possibilidade de efectuar algumas obras na linha férrea.
Tal posição era motivada por pesquisas feitas por académicos que apontavam para alegadas insuficiências técnicas cometidas pelo construtor chinês. Recentemente, em declarações à imprensa, o ministro dos Transportes, Ricardo Veigas de Abreu, adiantou que as insuficiências, que, em muitos casos, eram apontadas como estando na origem de algum descarrilamento, se devem, fundamentalmente, à retirada de travessas e parafusos nas linhas, tendo assegurado trabalho com os órgãos de defesa e segurança para se inverter o quadro. Tal cenário tinha motivado um workshop entre a Polícia Nacional e as empresas ferroviárias para tratar justamente desse assunto.
POR: Constantino Eduardo, enviado ao Luena