Só nos últimos três anos, a Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) viu-se prejudicada, com a vandalização dos seus equipamentos eléctricos em todo o país, em mais de 7mil milhões de kwanzas, enquanto o Governo Provincial de Luanda, no mesmo período, teve uma perda de 280 milhões com o roubo de tampas de esgotos que vão parar no negócio da pesagem
É um desmontar da cidade de forma desenfreada e criminosa. Na ânsia do lucro fácil, os sucateiros, indivíduos que recolhem materiais ferrosos para pesagem, levam tudo, até o que é da colectividade como as tampas de sarjetas, postes, cabos eléctricos, corrimão de edifícios, apoios de pedonais. Enfim, tudo que contém ferro, alumínio ou bronze não ‘sobrevive’.. É na clandestinidade que os materiais públicos sofrem ataques destes homens, crianças e até mulheres que já entraram no negócio da pesagem por considerarem ser uma actividade rentável.
Para atingirem os seus objectivos, estes grupos de cidadãos escalam as zonas urbanas, as periferias e pontes para arrancarem o que consideram ser material valioso. Destes locais, levam tudo o que é ferroso que encontram pelo caminho para, posteriormente, sub- meterem à pesagem, onde são pagos por cada quilograma. Nos locais de pesagens, regra geral, contentores, maioritariamente controlados e geridos por cidadãos oestes africanos, a conversa sobre assaltos vandalização de bens públicos é feita em surdina. .
Os gestores dos espaços juram, “de pé juntos”, que não recebem dos sucateiros materiais públicos como sarjetas e cabos eléctricos
A limitação da conversa prende- se com o medo de sofrerem represálias dos outros envolvidos no negócio e que comandam o esquema que movimenta avultadas somas. Mas o desaparecimento dos materiais públicos, que descaracteriza a cidade, com todos os perigos e dificuldades inerentes, não deixa a culpa morrer sozinha que Luanda tem sido alvo das mãos criminosas de grupos de cidadãos opostos ao desenvolvimento da cidade, como disse, a OPAIS, Zenilde Mandinga, directora da Unidade Técnica de Saneamento de Luanda.
Viana, Cazenga, Cacuaco, Camama e Sambizanga são os locais com maior concentração de espaços de pesagens que, por sua vez, revendem os materiais ferrosos às grandes unidades fabris que transformam os utensílios em produtos acabados. Nas unidades de pesagens, os matérias são levados de várias for- mas, desde as conhecidas motorizadas kupapatas, carrinhas ou mesmo transportando em peque- nos sacos. Os sucateiros recebem, por cada quilo de alumínio, 450 kwanzas, ferro (60 kzs), cobre (2 mil kzs), bronze (350 )e plástico (200 kzs).
Já as unidades fabris, que adquirem os materiais das mãos dos sucateiros para transforma-los em produtos acabados, assumem não acolher utensílios ilegais que são desviados da via pública. O corredor do Polo Industrial de Viana é dos locais com a maior concentração de grandes fábricas que transformam materiais descartáveis em produtos acabados. Fontes contactadas por este jornal dizem que trabalham apenas com matérias-primas que são recolhi- das de forma legal e não invasiva, quer à segurança pública como o ao meio ambiente.
Antigo no negócio Cuna Serafim, 50 anos de idade, natural do Zaire, é detentor de um dos maiores centros de pesagens de Luanda, com representação nos bairros Mabor, Viana, Petrangol, Grafanil e Cassequel.
Gaba-se de ter sido um dos primeiros na actividade na capital do país. Por isso mesmo já está a criar, inclusive, a Associação de Defesa dos Sucateiros. O ‘decano’ dos sucateiros diz ter já cerca de 20 interessados inscritos para integrarem a agremiação em formação. No seu sítio, localizado no meio do um extenso bairro, há de tudo um pouco em termos de mate- riais ferrosos. Tem sucatas de carros, motores, plásticos, ferros velhos, bronzes arrancados de peças de carros, chapas e uma infinita quantidade de outros utensílios.
No dia em que o encontramos tinha uma quantidade de 3 tonelada de materiais ferrosos no seu estabelecimento e que estavam a ser carregados numa carrinha para serem levados a uma das unidades fabris de Luanda. Á vontade, quando recebeu a equipa de reportagem do OPAIS, Cuna fala dos lucros que ganha com a pesagem de materiais ferrosos, mas garante, com olhar convicto, que não recebe utensílios válidos que são retirados da via pública. “Só aceitamos materiais que os donos já não usam. A Polícia nos controla muito. Por isso, não podemos aceitar que nos venham vender aqui coisas que não são legais”, explicou.
“Trabalhamos com justiça”
Já Rasta Machado, 35 anos de idade, vive da actividade há cinco anos. Garante que leva tudo que encontra na rua, desde peças de carros descartados, chapas velhas, ferros velhos, sucatas de carro, baterias usadas, panelas estragadas e outros produtos. Mas, as- segura, não mexe em nada que é da maioria da população, como são os casos de tampas de sarjetas, cabos eléctricos e outros bens. “Essa prática era antes. Agora trabalhamos com responsabilidade, porque soubemos que mexer em coisas do Estado é crime.
Por isso é que trabalhamos com justiça”, apontou. Por seu turno, Bonifácio Joaquim e Antônio Domingos são igual- mente sucateiros e asseguram, também, que só recolhem aquilo que, aos olhos de alguns, é considerado como lixo. No caso de Antônio Domingos, que é funcionário de uma unida- de de pesagem, do bairro Camama, refere que só os menos atentos é que se metem em situações complicadas que depois resultam em casos de polícia. “Como o senhor viu, por exemplo, no nosso contentor só tem aquilo que as pessoas já não usam. Não aceitamos, nem um pouco, receber coisas que podem nos trazer problemas”, assegurou.
Prova histórica Se, por um lado, os operadores do negócio de pesagem não admitem a vandalização de bens públicos, por outro lado, o Estado, por via das suas diferentes unidades, admite a sangria nos seus equipamentos colocados à disposição da população. OPAIS sabe que os órgãos de defesa e segurança têm vindo a travar a prática de vandalização de bens públicos há anos. Só em 2021, os dados disponíveis no site oficial do Serviço de Investigação Criminal (SIC) apontam que a Polícia apreendeu mais de 11 mil toneladas de cabos elétricos e lingotes de cobre roubados e escondidos em contentores que iam ser exportados através do Porto de Luanda.
O material, roubado em várias partes do país, que estava escondido em cinco contentores e dissimulado entre lixo ferroso e sucata, ia ser exportado para os Emirados Árabes Unidos. Envolvidos nesta rede estavam despachantes oficiais, funcionários da Administração Geral Tributária (AGT), do Ministério do Comércio e Indústria e da Policia Fiscal que, de forma concerta- da, emitiam pareceres favoráveis à saída das mercadorias, dando fé aparente de procedimentos lícitos. A operação funcionava com a cobertura de empresas possuidoras de licenças de exportação de resíduos ferrosos.
ENDE com prejuízo de 7 mil milhões de kwanzas
Lauro Pinato é director de comunicação da Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE). Em declarações a OPAIS, o responsável falou que a vandalização de cabos eléctricos, cantoneiras de torres, barras de cobres alocados nos PT’s, destruição de postes e outros materiais da empresa já deu um prejuízo à ENDE acima dos 7mil milhões de kwanzas em todo o país.
Entretanto, com esse prejuízo financeiro, a ENDE, segundo ainda o seu director de co- municação, deixou de fornecer energia eléctrica a centenas de famílias. “Imagine, com a vandalização desses bens, com esses prejuízos financeiros, quantas famílias ficaram sem energia? São muitas famílias. E é uma situação que ocorre em todo o país”, lamentou. Segundo ainda Lauro Pina- to, para além dos danos financeiros, a vandalização dos materiais da ENDE tem atrasado a execução dos programas de distribuição de energia eléctrica, com todos os constrangimentos inerentes.
“São esforços técnicos, humanos e financeiros que são canalizados para repor um dano, quando os lucros seriam aplica- dos noutras situações para levar energia às outras famílias. Então, são esses constrangimentos que vivemos todos os dias”, deplorou,
100 tampas de esgotos roubadas todos os meses
De danos financeiros também fala o Governo Provincial de Luanda (GPL), que, até ao momento, segue com a contabilização do saque de que tem sido alvo as suas estruturas. Zenilde Mandinga, directora da Unidade Técnica de Saneamento do GPL, exemplificou , a OPAIS, que uma tampa de esgoto custa entre 100 e 120 mil kwanzas. E, por mês, o Governo Provincial de Luanda tem o registo do roubo de 80 a 100 tampas de esgotos cujos autores seguem foragidos.
Fazendo um cálculo paralelo, com o roubo de 80 tampas de esgotos/ mensalmente, num custo de 100 mil kwanzas/cada, durante um período de três anos o GPL teve um prejuízo de 288 milhões de kwanzas Para ela, a sua instituição está convencida que existe uma rede, “mandatada por adultos mal-intencionados”, que fazem a colheita de materiais ferrosos para revender , porque entendem ser um negócio que dá dinheiro. Contas feitas, dos prejuízos causa- dos às estruturas de Luanda, Zenilde Mandinga aponta, entre os bens vandalizados, tampas de esgotos, pontes, pedonais, corrimão de edifícios, materiais de parques infantis e outras estruturas. “Todo esse material é retirado para ser vendido a peso.
É uma questão social. Porque as pessoas não têm emprego, não têm renda e vêm nisso como uma saída errada de sobrevivência. É mau, é muito mau por- que assim não vamos conseguir ter as infraestruturas como deve ser”, lamentou. Por outro lado, a directora da Unidade Técnica de Saneamento do GPL alertou ainda que a vandalização das estruturas constitui eminente perigo aos transeuntes, razão pela qual defende a necessidade de os cidadãos envolvidos nessa prática mudarem de atitude. “Uma estrutura quando é vandalizada traz sérios problemas aos transeuntes. Com a iluminação pública débil existe o perigo de os cidadãos partirem as pernas ou os seus carros. É uma situação muito complicada”, alertou.
Vandalização de bens públicos é crime, alerta jurista
Já o jurista Albano Pedro alertou, em declarações a OPAIS, que a vandalização de bens públicos é crime, cuja penalidade varia do facto de ter havido ou não intenção. “A destruição e vandalização de bens públicos é crime. Claro que não é uma pena alta, do tipo prisão maior, como são os casos dos crimes de furto e peculato, por haver uma intenção zelada de prejudicar o Estado, mas é crime”, alertou.
Conforme referiu, a vandalização de bens públicos pode ocorrer por mero acidente, sem ter tido uma intenção clara de destruir, o que faz variar a penalidade é quando há intenção clara. “É preciso ver o assunto em vários níveis. Existem aquelas destruições que são feitas sem intenções. E existem aquelas que são feitas intencionalmente. Aqui também se faz a diferenciação na forma como se penaliza esses actos”, esclareceu, tendo acrescentado ainda que para já é crime. Não importa se houve ou não intenção”.
Polícia não reage
Por seu lado, a Polícia Nacional, por via do Comando Provincial de Luanda, não avançou com quaisquer dados relativamente ao assunto, apesar de várias insistências de o OPAIS.