As fortes chuvas que se abateram, recentemente, nas cidades do Lobito e Catumbela, ceifando a vida de 8 pessoas, fizeram os moradores relembrarem o cenário desolador registado no dia 11 de Março de 2015, em que cerca de 100 cidadãos morreram pela mesma causa. Nove anos depois, o Governo ainda luta para realojar os sinistrados, no âmbito de um programa que prevê a construção de 1.500 residências
Milhares de famílias de zonas montanhosas, nomeadamente Chimbuíla e Picapau, no município da Catumbela, com casas em linhas de água, recuam até às enxurradas de Março para lembrar que o Governo ainda não cumpriu, na globalidade, com as promessas feitas há 9 anos, altura que se deu uma das maiores tragédias em Benguela. As administrações municipais do Lobito e Catumbela dizem estar a fazer o que podem para atender a essa ou àquela situação, dado que os orçamentos recebidos anualmente não fazem face às necessidades existentes.
Em relação à cidade ferro- portuária, a mais afectada pelas últimas chuvas, o seu administrador, Evaristo Calopa Mário, reclamou, recentemente, em entrevista ao jornal OPAÍS, a falta de recursos financeiros para retirar as pessoas de zonas descritas como sendo de risco. O governante sustenta que, pela dimensão dos problemas, Lobito precisaria de um orçamento na ordem dos 2 mil milhões de kwanzas. O que recebe, refere, fica muito aquém do desejado. A mesma reclamação vem de Kátia Teixeira, administradora da Catumbela, que manifesta incapacidade humana e financeira para o efeito, tendo elencado deficiências de uma série de infra- estruturas funcionais , com destaque para o sistema de esgoto. Enquanto governantes reclamam de falta de recursos financeiros, alguns moradores das cidades do Lobito e Catumbela vivem situações difíceis.
Por um lado, pessoas cuja destruição das casas remontam ao fatídico dia 11 de Março de 2015, que ainda não foram construídas; por outro lado, aquelas que fazem contas à vida, enterram e choram os seus mortos e procuram por alguns entes-queridos ainda desaparecidos. Os sinistrados das chuvas de Março foram realojados na urbanização dos Cabrais. Mas, há quem, até hoje, aguarde pelo sinal das autoridades para abandonar bairros, sinalizados em que estão as residências desde 2016. O que grande parte deles temia, aconteceu.
A chuva volta dar o “ar da sua graça”, em 2024, e a tirar-lhes o sono, “reeditando” velhos problemas e com um rasto de destruição de 86 residências. Adriano Jamba reconhece estar a viver numa zona de risco, na Catumbela, e lança o grito de socorro, com o propósito de o Governo os retirar de lá e, acto contínuo, colocá-los em zonas mais seguras. Em entrevista à Zimbo e ao jornal O PAÍS, o cidadão reclamou o facto de, volta-e-meia, técnicos da Administração Local passarem por lá, depois de já terem sinalizadas as casas, mas as deles, até agora, não se sabe aonde é que eles vão ser alojados. “Desde que haja condições, eu estou disposto a abandonar esta zona”, predispôs-se, o cidadão.
A (sobre) vivência nos cabrais
Das sedes municipais do Lobito e Catumbela à Urbanização dos Cabrais, espaço desenhado no consulado de Isaac dos Anjos para acolher 300 famílias vítimas das enxurradas de 11 de Março. Recentemente, o governador provincial de Benguela, Luís Nunes, procedeu à entrega de 30 casas, no âmbito de um projecto que prevê construir mais de 300 casas só nos Cabrais. Nessa zona, a reportagem deste jornal notou um misto de sentimento a dominar os moradores: satisfação e preocupação. Entre os moradores há quem manifeste satisfação por ter, finalmente, a sua casa acabada com o mínimo de condições de que se precisava para viver com dignidade; preocupação por falta de cumprimento de promessas de há anos.
“Passou o registo até aqui não temos. Ainda não construíram a minha casa”, reclama a sinistra- da Amélia Jamba, que diz que a sua cubata, anteriormente construída para se abrigar, foi destruída pelas chuvas dos últimos tempos. Por sua vez, Angelina Napatele, um dos beneficiários das 30 casas concluídas e entregues por Luís Nunes, em 2023, afirma que o Governo pôs à disposição uma casa digna, permitindo uma melhor acomodação da sua família porém lamenta a falta de serviços por causa da distância.
“Saímos das tendas para a casa própria. Vivemos na tenda durante sete anos, depois as tendas começaram a rasgar e vivemos mesmo assim nas obras”, contou Angelina visivelmente satisfeita com a acção institucional. O coordenador do bairro 11 de Novembro Cabrais, Adelino Pedro, louva algum trabalho até aqui feito pelo Governo, sobretudo no que respeita ao acabamento de casas, mas queixa-se das insuficiências na distribuição de água, a que se juntam também problemas de insegurança. A empresa encarregue do fornecimento de água há muito que repentinamente deixou de o fazer, o que, em certa medida, preocupa o coordenador do bairro.
Depois dos acontecimentos de 2015, o Governo central aprovou um programa para a construção de 1.500 casas sociais, algumas das quais para as famílias que agora se queixam. Em declarações à imprensa, recentemente, o governador provincial, Luís Nunes, voltou a se referir ao projecto, tendo assegurado a construção paulatina das casas. “São cem na primeira fase, vamos fazendo consoante formos arranjando disponibilidade financeira. Também vamos ampliar a zona residencial nos Cabrais”, disse o governante, referindo-se à urbanização dos Cabrais, no município da Catumbela.
Um olhar crítico de especialista
O arquitecto Felisberto Amado refere que o corre- corre que se verifica, em decorrência dos últimos acontecimentos, reflecte as consequências de um modelo de governação centralizado, com a capital do país a definir tudo, e de debilidades das valas de drenagem. Dados em posse deste jornal apontam que Lobito tem 40 quilómetros de valas de drenagem muitas das quais a precisar de trabalhos de desassoreamento e que foram a causa da tragédia de Março de 2015.
O docente recorda, igualmente, que a tragédia dos quase 100 mortos e um batalhão de desalojados, registada em 2015, não deixou lições de vida, tendo criticado aquilo a que chama de abandono de trabalhos. Segundo o especialista, não se aprendeu com os erros do passado “e, pior ainda, nem sequer nos prevenimos das coisas que possam acontecer eventualmente. Estamos diante de um Governo sem competência”, diz. Ele responsabiliza o Governo pela perda de bens da população. “A água não encontra caminhos naturais para circular, surge uma barragem, rebenta e destrói tudo pela frente e essa negligência faz com que a população perca bens todos os anos”, considera.
POR: Constantino Eduardo, em Benguela