Entre 2014 e 2023, sete dos principais mercados de Luanda arderam por inobservância dos factores de segurança contra incêndios. Da lista perfilam os Congoleses, Kifica, Kikolo, Correios, Praça das Mulheres, Kwanzas e Asa Branca. Este último é o recordista com acúmulo de três ocorrências. Os gestores dos espaços reconhecem as falhas e concertam medidas para prevenir situações futuras, enquanto os Serviços de Protecção Civil e Bombeiros reforçam os “apertos” na aplicação de multas para os incumpridores das normas de segurança contra incêndios
O investimento de 10 milhões de kwanzas que Ventura André aplicou no negócio de roupas, calçados e bijuteria hoje se resumem em cinzas que sobraram do incêndio que consumiu 32 lojas no mercado do Asa Branca, no município do Cazenga, em Luanda.
Ventura é um dos proprietários de uma das lojas que arderam com fogo que deflagrou na madrugada do último Sábado. Com o incêndio, perdeu avultada soma financeira e toda uma vida construída, como disse, com “muito sacrifício” há mais de 15 anos de venda. Com dívidas por pagar, medo de encarar o amanhecer, ansiedade e uma angústia que o apoderou desde a ocorrência, Ventura André diz sentir-se apavorado por não saber onde recomeçar a vida, sobretudo no actual contexto em que tudo anda muito difícil.
O mais inquietante ainda é que parte dos 10 milhões teve de conseguir com empréstimos e que não sabe agora como pagar, porque não sobrou nenhum tostão para recomeçar a vida. “Todo dinheiro que tinha investi no negócio, justamente a pensar na quadra festiva. Como nessa fase as coisas ficam difíceis, aproveitei fazer as coisas com antecedência. Mas, infelizmente, o azar bateu-me a porta”, lamentou.
Jorge Francisco também é outro comerciante que viu, na madruga- da de Sábado, tudo que construiu a desmoronar por conta do incêndio no mercado do Asa Branca. No início de conversa com o OPAIS, Jorge tentou travar as lágrimas, para demonstrar ser corajoso, mas estas foram mais fortes que a sua coragem, tendo-se, de seguida, rendido às lamentações de uma vida de incertezas que terá de enfrentar nos próximos tempos.
Contas feitas, diz ter perdido, igualmente, 4 milhões e 500 mil kwanzas com o total do negócio que tinha em stock e que ardeu com as chamas. “Fazer o quê? Agora é só lamentar, porque daqui para frente nem sei como recomeçar a minha vida. Vivo há mais de dez anos vendendo roupas e calçados. Mas agora a desgraça aconteceu”, desabafou.
Mercados sob perigo
Ventura e Jorge foram vítimas do incêndio que devastou as 32 lojas no mercado do Asa Branca. Eles acreditam que, se o espaço tivesse munido de equipamentos de prevenção e combate contra incêndios, talvez hoje não constassem na estatística pelas piores razões. Assim como no Asa Branca, a grande maioria dos mercados públicos em Luanda não dispõem de condições e equipamentos de combate aos incêndios, apesar das constantes chamadas, alertas e até mesmo multas passadas pelo Serviço de Protecção Civil e Bombeiros.
Entretanto, a falta de equipamentos e inobservância técnica dos equipamentos coloca os principais mercados da capital do país na linha do perigo de incêndios. Apesar destes espaços concentrarem, na sua maioria, milhares de pessoas entre vendedores, trabalhadores e clientes, encontram- se despreparados para quaisquer ocorrências em situação de emergência. As chamas, que na semana finda devastaram as lojas no Mercado do Asa Branca, acenderam um alerta sobre a vulnerabilidade ao perigo destes espaços.
O Mercado do Asa Branca, apesar de registar três incêndios num período célere de nove anos, nomeadamente em 2014, 2018 e agora 2023, mesmo assim segue despreparado. O espaço, que alberga um total de 3 mil e 500 lugares e 146 lojas, não dispõe de extintores, mangueiras, bocas de incêndios, tão pouco de um reservatório de água para atender a qualquer caso, o que deixa a infra-estrutura completamente vulnerável .
“Mãos à palmatória”
Ezequiel Doceba é o coordenador adjunto da comissão de gestão daquele mercado. Reconhece o perigo e diz que, agora com o terceiro incêndio, se vai iniciar um desdobramento para o reforço das questões de segurança que, neste momento, está “aberto aos riscos”. “Na área administrativa do mercado temos dois extintores, mas também não sei se ainda funcionam porque já passou o prazo de validade.
Mas reconhecemos o nosso erro e vamos aprender com ele”, apontou. Como gesto de reconhecimento das falhas, a direcção do mercado comprometeu-se a reabilitar, por sua conta, as 32 lojas devoradas pelo incêndio, promessas que Lopes Canganjo e Gonçalves Dala esperam sair da teoria para a prática. Os dois tiveram as suas lojas queimadas, sem a possibilidade de recuperação de qualquer produto.
Agora aguardam pelos resultados das investigações que continuam a decorrer e que, preliminarmente, já descartou a possibilidade de fogo posto, embora os lojistas alinhem neste entendimento. “Vamos esperar que eles cumpram a promessa. Mas, para nós, ainda é tudo muito estranho acre- ditar no que aconteceu, por isso mesmo é que acreditamos que alguém tenha posto fogo nas lojas”, frisou Lopes Canganjo.
Histórico das tristes ocorrências
Embora, até ao momento, os incêndios que deflagraram em alguns mercados de Luanda não tenham causado vítimas humanas, eles representam grande preocupação, sobretudo por arruinar vidas de famílias com a perda de bens, como alertou o Serviço de Protecção Civil e Bombeiros. Do histórico de incêndios, além do Asa Branca, que já conta com três ocorrências, perfilam da lista os mercados dos Congoleses, em 2015, Correios, em 2019, Kikolo, em 2016, Kifica, em 2022, Kwanzas, em 2020, e Praça das Mulheres, em 2021.
Juntos, esses incêndios destruíram partes destes mercados e arruínaram as finanças das famílias que dependiam das vendas dos produtos incinerados para sobreviver. Só na antiga Praça das Mulheres, que ficava localizado no município do Cazenga, o incendio causou prejuízos avaliados em mais de 40 milhões de kwanzas e consumiu ainda quatro naves com mercadorias diversas, provocando outros danos avultados.
Segue a ignorância
Dois anos depois da ocorrência, a ignorância na observação dos factores de riscos continua na ordem do dia na gestão da Praça das Mulheres, que, actualmente, está num espaço novo construído de raiz na zona do Zamba-4. Entretanto, na ocorrência de 2021, o incêndio, de médias proporções, deflagrou devido a um presumível curto-circuito, conforme apurou o Serviço de Protecção Civil e Bombeiros.
Na altura dos factos, o espaço não dispunha de nenhum equipamento contra incêndio, o que facilitou a propagação do fogo. Actualmente, o mesmo erro foi cometido na nova infra-estrutura que, embora esteja já a funcionar e preparado para um número de perto de 3 mil vendedoras, não dispõe de nenhum equipamento para combater incêndio. Nesta unidade, não existem bocas de incêndios nem mangueiras apropriadas para prestar os primeiros socorros em caso de alguma eventualidade.
Manuel Afonso é um dos responsáveis pela gestão do mercado. Em declarações ao OPAIS, disse que o espaço começou a funcionar recentemente e que muita coisa ainda está por se acertar enquanto se vai concluindo as obras. “Como vê, ainda somos novos. E sinceramente não temos cá nenhum equipamento de combate a incêndios, mas vamos melhorar com o tempo”, assegurou.