Cerca de mil jovens de vários pontos de Luanda conseguiram um posto de trabalho na Feira do Kilamba. Com os salários procuram dar vida aos seus sonhos e sustento às suas famílias. No entanto, o anúncio de encerramento do espaço deixa mais difícil o alcance dos desideratos e o cumprimento das suas obrigações
O ano estava no princípio. Os planos para 2023 foram memorizados e rabiscados num papel. Os trabalhos se- guiam, e Marcos Alberto, funcionário da Feira do Kilamba, há quase dois anos, chegava ao local para o cumprimento da jornada laboral, naquela manhã de Segunda-feira, 23 de Janeiro. À entrada do espaço comercial, o jovem depara-se com inscrições na maioria dos bares ali colocados. A informação dava conta de uma ordem da Administração local para a remoção das estruturas num prazo máximo de um mês. Ou seja, os proprietários deviam cumprir a orientação até 23 de Fevereiro.
O facto deu lugar à multiplicação de informações com dados diferentes. De alguns diziam que a administração quis apenas proceder a uma melhor organização do espaço, e de outros soube-se que o intento é extinguir o espaço. Para conter esta propalada desinformação, dias depois a Administração do Kilamba terá convocado uma reunião com os feirantes. Marcos Alberto, gerente do bar Cantinho da Nandinha, participou do encontro que, segundo diz, assinalou o pronúncio de um pesadelo para centenas de jovens.
Isso porque, no dia marcado, foram informados de que o local que ocupam foi projectado para ser um espaço verde e, além disso, tem sido fonte de prostituição e de venda de drogas. Por estas razões, o espaço seria encerrado. Marcos saiu da reunião triste. A causa é a forte possibilidade de perder o seu emprego e, consequente- mente, ver os sonhos a morrerem. O jovem, que tem um filho, deseja ser um empreendedor de sucesso, e com o dinheiro que consegue do seu trabalho investe num pequeno salão de unhas, que abriu recentemente. “A vida ficará mais difícil sem a feira. É com o dinheiro daqui que sustento a família. Todos têm sonhos, inclusive eu. Desejo ser um grande empreendedor. Recentemente, abri um salão de unhas, onde ainda preciso de investir muito”, desabafou. O jovem questionou de seguida: “agora, se tiram a feira, como
vamos realizar os nossos sonhos?”
Prazo ultrapassado, mas futuro continua incerto
As estruturas deveriam ser remo- vidas há, sensivelmente, duas se- manas. No entanto, a Administração do Kilamba continua em silêncio, na medida em que não avança detalhes à volta do futuro dos empresários e funcionários. O silêncio apavora Manuel José, um jovem que trabalha no atendimento ao público de um dos bares. Este chefe de família, que vive com a esposa e mais dois filhos, além de ver o sustento do seu agregado em perigo, lamenta também pelos seus colegas que correm o risco de abandonar os estudos.
Porém, diz ser perturbador comtemplar o desinteresse que a sua chefe tem mostrado, nos últmos dias, quanto ao investimento com a compra de produtos, e também ver o espaço cada vez mais vazio com as principais mercadorias a terminarem sem a devida reposição. Tudo por receio de que a qual- quer momento podem ser despejados. “Eu sou chefe de família. Tenho esposa e dois filhos. Com o pouco que eu angario aqui consigo assumir as minhas responsabilidades. Pago o colégio dos filhos e a renda de casa. Agora, se tiram a feira, não sei como estarei”, lamentou. Rosalina Mena deseja terminar a licenciatura, que iniciou, recentemente, numa das universidades do país.
Com o dinheiro que consegue desse trabalho, a jovem que deixou a docência custeia os encargos da sua formação académica. Agora, com o possível encerramento da Feira e a sua consequente entrada no vasto grupo de cidadãos que se encontram no desemprego, Rosalina vê o sonho de se tornar licenciada a escapar-se de si, por incapacidade financeira para continuar a suportar o processo. “Estou aqui há sete meses. Com este dinheiro pago a renda de casa e os meus estudos, além de ajudar a minha família. Se destruírem a feira, estarei desempregada”, disse.
Feira arrecada mais de três milhões de kwanzas/mês
Com cerca de 150 bares, a Feira chega a render mensalmente mais de três milhões de kwanzas à Administração do Kilamba, tendo em conta que os feirantes pagam um montante de 25 mil kwanzas. “Cada bar paga, mensalmente, uma taxa de 25 mil kwanzas à administração da feira. Na administração avançaram um número de aproximadamente 150 bares na feira”, explicou Manuel José, que esteve presente no encontro. No total, caso existam de facto 150 estabelecimentos, a feira arrecada, em cada mês, um valor estimado em três milhões e 750 mil kwanzas.
Manuel conta que, antes dessa possível extinção, existiam conversas que davam conta da possibilidade de as taxas subirem em função do tamanho do espaço, sendo que os maiores poderão pagar 30 mil kwanzas se a feira continuar.
“A feira tem mais de 800 funcionários”
O proprietário do bar O Soba, Vicelmo Sussão, defende a necessidade de se salvaguardar os postos de empregos que foram criados através da feira. O jovem empresário revela que o espaço alberga mais de 800 funcionários. “A feira tem mais de 800 funcionários. Nós empregamos directa e indirectamente. Eu tenho oito funcionários. Quatro estão a frequentar a faculdade e muitos têm família. Onde é que vai parar esse pessoal”?, questionou.
Por outro lado, Vicelmo Sussão alega não entender a contrariedade da administração, quando, na verdade, esta instituição pública disponibilizou para si um alvará que o permite exercer, legalmente, a actividade comercial naquele local. Por seu turno, Quesse Baptista, proprietário do estabelecimento “4 Gajos”, avança que, antes da Covid-19, o antigo administrador teve a mesma intenção que resultou num aumento considerável de assaltos no projecto habitacional. O jovem diz entender a preocupação do administrador em querer reorganizar a centralidade, mas sugere que as decisões sejam negociadas e não implementadas com arrogância, como julga estar a acontecer. “Se acham que algumas coisas têm de mudar, então devem chamar as pessoas. Mas não deve ser com arrogância desse tipo: têm 30 dias para tirar isso daqui. E os empregos das pessoas”? questionou.
Prostituição e uso de drogas entre as possíveis razões para extinção
Os motivos que estão, possivelmente, entre as razões para a extinção da feira passam pela alegada proliferação de prostituição e a venda de drogas no local. Na reunião que mantiveram com os responsáveis da administração, os participantes dizem que foram informados que, além das causas acima mencionadas, fazem parte também a poluição sonora e um suposto aumento do nível de criminalidade, naquela centralidade. “O administrador disse na reunião que o projecto era para ser um espaço verde. Mas, ficou surpreendido como é que se tornou uma área comercial”, frisou, acrescentando que, ““além disso, também os moradores do Kilamba dizem que há muita prostituição, venda de drogas e poluição sonora”.
Administrador diz que feiras promovem “mal aspecto da cidade”
De acordo com o despacho nº 21/GAB/ADM/DUK/2023, o administrador do Distrito Urbano do Kilamba, Hélio de Aragão dos Santos, criou um grupo de trabalho a que chamou de Comissão Multissectorial para Reestruturação e Transferência das Feiras D.M-Ngola e DomKap, situadas naquela centralidade. No documento, o gestor público justifica a sua posição considerando que, nos últimos tempos, tem surgido um número crescente de feirantes que exercem o comércio de forma desordenada em locais impróprios.
Além disso, disse também que a situação tem causado inúmeros constrangimentos, uma vez que “tem fomentado grandes congestionamentos nas zonas reservadas para espaços verdes, promovendo um mal aspecto da cidade e aglomerando resíduos sólidos e poluição sonora com exposição de ruídos que ultrapassam os 80 decibéis”. No despacho, Hélio do Aragão sublinha ainda “a necessidade de se reestruturar e transferir as feiras para um local que proporcione maior dignidade e tranquilidade aos gestores e feirantes”. O jornal OPAÍS contactou o responsável da área de comunicação desta administração, Milton Sequeira, no sentido de obter mais detalhes sobre o assunto, mas este disse estar indisponível por questões pessoais.