Por ter como sintoma um mal-estar que, quando agravado, resulta na queda repentina do doente, que permanece inanimado por algum tempo, muitas são as famílias que preferem atribuir as causas a práticas de feitiçaria, a encararem-na como uma doença. Celebra-se, hoje, o dia Internacional da Epilepsia
Três cidadãos abordados pelo jornal OPAÍS para prestarem o seu testemunho sobre como conseguiram lidar com a epilepsia foram unânimes em dizer que a primeira reacção das famílias é pensar em feitiçaria, por causa da maneira como um homem grande é capaz de cair de repente e inanimado. Sob anonimato, o único entre os mesmos, que ainda luta por cumprir com os tratamentos para superar a doença, lamentou dizendo, simplesmente, que as pessoas que padecem dessa doença sofrem muita discriminação.
Curioso mesmo foi o testemunho de um enfermeiro e pastor de uma igreja evangélica, no município de Belas, que confessou ter aceitado, por duas vezes, ir com a família à comuna do Luremo, município do Cuango, na Lunda Norte, onde nasceu, para seguir um tratamento tradicional. “Como enfermeiro, já procurei entender a doença, as respostas não foram muito animadoras, apenas encontrei mais recomendações de estilo de vida e dieta alimentar a seguir, do que uma medicação concreta”, disse o pastor, tendo admitido que, falhadas as tentativas científicas, rendeu-se ao tratamento tradicional.
Inicialmente, viu-se dividido entre a opção de cura e a sua posição religiosa da altura (2008) de para-pastor, mas, segundo disse, a família não parou de insistir em adoptar a terapia natural. Deixou de falar do assunto, de- pois das duas tentativas fracassadas. Aliás, nessa altura, “eu já me tinha rendido aos efeitos da doença, porque me dava recaídas constantes, de tal maneira que eu não conseguia mais tratar os pacientes que acorriam ao meu posto médico, deixava para os meus auxiliares”, narrou o missionário, que reconheceu ter estado com a fé abaixo. Quando pensava que tudo estava perdido, surgiu-lhe um antigo colega de escola que lhe propôs irem a Benguela, a fim de consultarem os serviços de um propalado terapeuta tradicional e psicólogo, que juntava o tratamento natural ao convencional.
“Recordei-me dos dois feitos na Lunda-Norte, recusei-me a ir, mas ele falou com a minha esposa, garantiu pagar a viagem, o alojamento e o tratamento, desde que alguém da família me acompanhasse nessa empreitada. Foi aí que eu e a minha família aceitamos”, declarou o pastor, tendo adiantado que o acompanhante escolhido pela família não chegou a seguir viagem, porque ficou doente. De acordo com o interlocutor deste jornal, Benguela ficou-lhe marcado pela positiva, porque lhe devolveu a saúde que há mui- to procurava. Sentiu-se tão cura- do ao ponto de ter passado um ano sem nenhuma crise.
“Só no final de 2009 é que tive alguns sintomas similares, liguei para o terapeuta e ele pediu para verificar na lista de dieta alimentar orientada, se eu tinha consumido alguma coisa. Na verdade, eu tinha comido um calulu com feijão de óleo de palma”, disse o entrevistado, tendo sublinhado que a gordura, o sal e o açúcar constavam dos alimentos relevantes que o catálogo de recomendações contemplava.
O pastor conta, hoje, com 14 anos de tranquilidade. Revelou que, depois de três, teve de voltar à for- ma e procurar orientação médica. Medir a tensão arterial é um exercício que procura fazer no princípio e no fim de cada dia. Ele aconselha as pessoas a prestarem mais atenção aos seus familiares que padecem de epilepsia, evitar o contacto dos outros com a saliva dos doentes, por uma questão de prevenção de um suposto contágio e, acima de tudo, como faz questão de referi, rezar frequentemente.
Padecente obrigado a abandonar a sua casa
Pedro Sachi chegou mesmo a ser obrigado a abandonar a casa própria no bairro da Corimba, município de Luanda, para arrendar uma outra longe dessa zona, quando, em 2006, caiu, pela primeira vez, na escola onde trabalhava como contínuo. “Só sei que senti a cabeça a doer muito, depois alguns enjoos e via tudo fusco. Quando dei por mim, estava num centro médico a receber tratamento, mas as dores não paravam”, contou o Pedro, que hoje conta com mais de 60 anos de idade. Adiantou que, tão logo lhe deram alta, a família decidiu que já não podia viver mais na sua área, alegando que o feiticeiro que estava a fazer-lhe mal também morava na referida circunscrição.
Questionado se chegaram a indicar-lhe o seu malfeitor, Pedro Sachi confessou que nem os seus parentes sabiam, exactamente, de quem se tratava, tendo-lhe parecido que era um argumento escolhidos por eles, para o persuadir a aceitar um tratamento tradicional. Sobre esta modalidade de cura, o entrevistado disse que não se opunha, mas que tinha de ser com alguém muito chegado à família. Tinha um pouco de confiança, porque, quando, em 2007, voltei a cair, também no local de trabalho, foi uma mais velha, que trabalhava, na escola, como auxiliar de limpeza, que me socorreu e reanimou, através de um corte com lâmina que me fez num dos dedos e pôs-mo na boca, de modo que o sangue entrasse em contacto com a minha saliva.
“Na verdade, é uma técnica que eu ouvia falar na minha aldeia do Cunhinga, província do Bié, município de onde dizia ser oriunda a Tia Cassova. Quando ela me prestou essa ajuda, a maior parte dos professores da instituição afastou- se com medo de ser contaminado. Sobre isso, Pedro Sachi recomendou a quem quer que seja que tenha um parente nessas condições, para não fugir dele, pois tudo o que estes mais precisam, nesse momento, é o afecto e carinho dos seus familiares mais próximos.
Pedro recordou que, apesar da vontade de o levarem a um curandeiro, os seus familiares mais directos, e não só, sempre estiveram ao seu lado, até que, em 2009, começou a registar muita tranquilidade. “Lembro-me até hoje que, quando me matriculei no Instituto Superior de Serviços Sociais, no bairro Benfica, no princípio, os meus filhos acompanhavam-me na ida e volta da escola”, realçou Pedro Sachi, que concluiu o curso de assistente social, na referi- da instituição escolar, sem qualquer incidente. Por isso, aconselhou aos que ainda pensam que a epilepsia não tem cura e contagia a porem na cabeça que toda doença tem controlo.
Anunciada cura de epilepsia
A ciência considera a epilepsia como uma doença neurológica do sistema nervoso central em que a actividade do cérebro, os impulsos eléctricos dos neurônios e os sinais químicos cerebrais se tornam anormais. Por causa disso, deixam a actividade do homem desordenada, causando-lhe convulsões, movimentos descontrolados do corpo, ao ponto de alterar o seu comportamento e suas capa- cidades, ao ponto de o levar à perda da consciência.
Qualquer pessoa pode ser afectada pela doença, por factores genéticos, sendo que pessoas com casos de epilepsia, na família, têm maior risco de desenvolver epilepsia, por traumatismo craniano, depois de bater a cabeça num Acidente Cardio-Vascular (AVC), câncer no cérebro ou doenças como meningite e encefalite. diagnostica-se através de exames de electro-encefalograma ou ressonância magnética e avaliação dos sintomas durante a convulsão.
Actualmente, aventa-se que a doença tenha cura, devendo ser tratada com medicamentos anti-convulsivantes, com a devida orientação médica, como são os casos de carbamazepina ou fenobarbital, de modo a controlar-se a actividade do cérebro e evitar novas convulsões. O nosso jornal tentou contactar a Liga Angolana de Epilepsia para mais detalhes sobre as políticas desenvolvidas no nosso país, bem como as dificuldades pelas quais passam os doentes, mas até ao fecho desta edição não tivemos sucesso. Entretanto, aguardamos, ainda hoje, que se celebra a data, algum pronunciamento.