O anúncio da Direcção de Trânsito e Segurança Rodoviária (DTSER) de que , a partir de Abril, a aplicação de películas nos automóveis deverá ser feita, exclusivamente, por empresas licenciadas para o efeito, está a deixar preocupados os jovens que vivem do exercício da actividade nas ruas. Estão a prever dias de crise nas famílias, por incapacidade de continuarem a prover o sustento
O movimento no par- que de estacionamento adjacente ao templo da paróquia Nossa Senhora De Fátima está calmo. A maior parte dos jovens que corre atrás de viaturas, nesta parte do Rangel, não está. São 11 horas. E Leandro Paraíso é o único aplicador de películas no espaço. Distraído a olhar para o além, com o seu material de serviço na mão, o jovem de 30 anos parece estar focado no futuro de sua vi- da quando a medida da DTSER entrar em vigor. Está sozinho.
A causa é o desânimo que tomou conta dos seus colegas, que não aparecem há cerca de uma semana, depois de ouvirem a notícia de que se decidiu materializar o decreto que limita a aplicação destas películas a entidades credenciadas pela instituição afecta à DTSER. Os dias não têm sido dos melhores. No entanto, a sorte ainda cruzou o seu caminho, com o aparecimento de um automobilista a solicitar o seu serviço.
Orçamento feito e pelo menos vai levar alguma coisa para a casa. Leandro exerce a actividade há quatro anos, desde que começou, por curiosidade, no Mercado dos Congolenses, em companhia de amigos com os quais trabalha neste novo ponto. No decurso desse período, a sua sobrevivência está acoplada à aplicação de películas em viaturas de qualquer marca. Apesar de acumular a esta prática a montagem de estruturas de música em viatura, Paraíso não esconde a dor causada pela realidade que se avizinha, confessando que este ser- viço é o que lhe confere suporte de vida.
A ver a actividade em risco, o viúvo de 35 anos não consegue imaginar o futuro de sua família composta por duas filhas, que estão matriculadas numas das instituições de ensino privado em Luanda. Esta situação fica mais dramática pelo facto de estar a viver numa casa em regime de arrendamento cujo contrato termina dentro de poucos meses, o que seria amenizado se ainda tivesse seria amenizado se ainda tivesse o mesmo rendimento anterior, em que, exemplificou, para aplicar o “fumo” nos vidros das cinco portas de uma viatura de marca Renaut, modelo Sandero, conseguiria 10 mil kwanzas.
“Com o dinheiro da aplicação de películas dou sustento à minha família: pagar a renda de casa, a escola das minhas filhas e outras coisas. Se tiram esse negócio de mim, e não me colocarem nestas empresas, os meus filhos vão deixar de estudar ”, lamentou.
“Estamos a programar uma manifestação”
A realidade é a mesma que se vive no município do Kilamba Kiaxi, distrito urbano do Golfe. Ao lado do Hospital Divina Providência está Joaquim da Conceição, que trabalha neste ponto há mais de 10 anos. O descontentamento pela medi- da do Governo está a levar os jovens desse local a ponderarem a organização de uma manifestação, em Luanda, através da convocação de todos praticantes desta actividade na capital. “Nós, os fumadores, estamos programar uma manifestação. Vamos convocar todas as placas a nível de Luanda, porque o Governo tem de falar connosco.
Muitos de nós não tivemos oportunidades de trabalhar nas empresas do Governo, por isso estamos aqui”, avisou. Joaquim reconhece que é por via desta actividade que sobrevive. “Nas películas” conseguiu reunir os dotes exigidos para a realização do pedido de noivado à senhora com quem vive, e, actualmente, sustenta os pais que já não trabalham por invalidez. Neves Calunga aplica este material a vidros de automóveis há 13 anos. Considera ser uma carreira construída com alicerces fundamentados no Mercado dos Correios e que não pode ser destruída do nada. Esposo e pai de três filhos, o técnico de 30 anos conta que é por via deste trabalho que consegue, no fim de cada dia, levar bens alimentares para a refeição da família.
Todos os dias, após o trabalho, dos cinco mil kwanzas que pode ganhar, diariamente, Calunga faz o exercício de aplicar uma parte na poupança para conseguir, no final do mês, pagar as propinas da escola dos menores. “Com este trabalho sustento a minha família, a minha esposa e os meus filhos. Tenho três filhos, respectivamente de 10, 6 e 4 anos de idade. Se eu perder esse trabalho, não sei como será o sustento da família”, confessou.
Da docência à aplicação de películas
Professor de profissão, Manuel Fonseca abandonou a docência para se firmar na aplicação de películas, trabalho que faz há mais de 10 anos. O praticante dessa actividade refere que, com este serviço, consegue ganhar mais dinheiro do que no seu anterior emprego. O técnico médio, que chegou a exercer a função de subdirector pedagógico, diz que recebeu a notícia de que os aplicadores que actuam nas ruas vão deixar de trabalhar os vidros dos automóveis “como um balde de água fria”,. E agora vê-se à beira do desemprego.
“Eu trabalhava num complexo escolar como subdirector pedagógico e conseguia sobreviver, mas, por algumas situações, preferi assegurar este serviço das películas. E vi que está a render mais do que o trabalho anterior”, contou. Pertencente ao ponto da Divina, Manuel Fonseca disse que pode ganhar 15 mil kwanzas ao tirar e aplicar o vulgo “fumo” numa viatura de marca Hyundai I 10. Dependendo da característica da viatura, o valor pode crescer. O jovem conta que a realidade é quase mortífera, porque poderá ‘matar’ o grupo e deixar os membros sem direcção de vida, já que muitos nada mais sabem fazer, senão esta actividade. “Desta maneira, a luta pela sobrevivência fica mais difícil”, explicou. “Consegui fazer o meu ensino médio através desse trabalho. Tentei fazer a universidade, mas os custos estavam pesados, porque era uma privada. Faço aqui os meus trabalhos para sustentar a minha família”, disse.