Visto a olho nú, o líquido apresenta-se bastante acastanhado, ao ponto de deixar algumas substâncias sólidas da mesma coloração, ao ser bebida com o cuidado que se impõe, conforme demonstrou, na ocasião desta reportagem, uma senhora dessas paragens do município do Icolo e bengo, província de Luanda
alguns habitantes da localidade de Maria Teresa revelaram a O PAÍS, Quarta-feira, 11, que a falta de água potável, na região, obriga-os a adquirirem outra captada em cacimbas de zonas vizinhas, por moto- taxistas, que a transportam para o bairro, onde comercializam cada bidão de 20 litros a 100 kwanzas. “Aqui não temos água em condições para beber, não consegui- mos lavar bem as nossas roupas, por causa da cor dessa água da cacimba e ainda temos de pagar 100 kwanzas por cada 20 litros, para conseguirmos ter, diariamente, pelo menos três recipientes”, contou Mana Evita, como é conheci- da a conselheira das donas de casa mais jovens.
Eva Maria António (nome de registo) fez saber que essa água é captada por alguns jovens, no outro lado do bairro, e transportada por condutores de motorizadas de três rodas. Apesar das más condições da mesma, o líquido dessas cacimbas é tido como o único recurso acessível para os populares dessa zona de Maria Teresa. Mana Evita admitiu que, por conta do consumo da água em causa, ela e as vizinhas estão sempre com um grau de febre tifoide acentuado.
A diarreia aguda, principalmente nas crianças, constitui outra patologia que as moradoras dessa área reconhecem ser consequência da água que consomem. “Sentimos mesmo muitas dores na região dos intestinos e dos órgãos genitais, mas não temos mais o que fazer, também não podemos morrer de sede”, desabafou Evita.
Quando recorrem ao posto de saúde local, as mulheres são logo aconselhadas a tratarem-se no hospital de Catete ou do Capalanga, os dois considerados como mais viáveis, a julgar pela distância. Para ela, há cerca de dois anos a administração ludibriou-as com a construção de um chafariz que não jorrou água por mais de uma semana.
Engrácia Joaquim Manuel apontou a falta de água potável e de energia eléctrica como os maiores problemas do bairro Maria Teresa. “A população daqui já se esforçou a cavar algumas cacimbas aqui no bairro, mas as mesmas não acumulam água, temos de raspar a areia do fundo, a ver se enxugamos algum líquido”, contou a moradora, tendo acrescentado que a escassez, nessas escavações, se agudiza no período de muita insolação.
Segundo ela, há épocas do ano em que caí chuva, mas essas fontes artificiais só se enchem de argila. Ela e as vizinhas têm consciência de que a água acastanhada que lhes serve de alternativa faz mal à saúde, entretanto sublinha que não há outra alternativa. Quanto ao chafariz instado no bairro, Engrácia Joaquim Manuel disse que o mesmo serviu apenas para iludir os financiadores do projecto que algo foi erguido aí.
Ilusão por água clara, na barraca
“Água mais clara”, é assim que as mulheres do bairro Barraca denominam a água que chega aí por via de camiões-cisterna que elas preferem não questionar a origem, a imaginarem nas doenças que podem contrair, por consequência do seu uso. A Isaura conforta o facto de saber que o líquido é melhor do que o usado em Maria Teresa, mas tem consciência de que não se trata de água potável. Em conjunto com as vizinhas, montaram no meio do bairro um ponto de recepção dos condutores de camiões-cisterna, onde fixaram certos recipientes com a capacidade entre 300 e 600 litros, pelos quais desembolsam de 800 a mil kwanzas.
Perto destes recipientes, está também um de 5 mil litros instalado num quintal próximo, de onde os moradores da barraca compram a água por 100 kwanzas o bidão de 20 litros. Isaura, Helena e Luísa as senhoras que lideravam a distribuição de água, na manhã de Quarta-feira, 11, desta reportagem informaram que sobrevivem por conta dessa qualidade, há muitos anos. “Se fizesse muito mal, nós já estaríamos mortas”, disseram as mulheres, para quem, enquanto não contraírem doenças muito graves, vale arriscar o consumo.
À semelhança das moradoras de Maria Teresa, elas também indicaram um chafariz construído há mais de cinco anos, na Barraca, para minimizar a carência de água. “Olhe que neste fontenário só jorra água, quando os da administração quiserem. Só para ter uma ideia, ainda na semana antepassa- da saiu água nas torneiras”, revelaram as senhoras Fome dia-a-dia A fome é uma realidade da localidade, pois, as senhoras alegaram que são poucas as vezes que conseguem cumprir com uma refeição digna. nesse capítulo, elas admitiram que vivem de improvisos.
“O que nos dá um pouco de tranquilidade aqui é a carne de caça, mas há pessoas que não conseguem ter esse alimento, porque não têm nenhum caçador na família”, relatou Eva Maria António de 50 anos de idade, tendo adiantado que, quando isso acontece, as crianças são recomendadas a apanharem ratos para os consumir assados. A mais velha, entre as moradoras entrevistadas pelo OpAÍS, falou mesmo da necessidade de serem apoiadas pelo programa Kwenda, a fim de minimizarem a situação. “nós só vemos o Kwenda a passar-nos para os bairros Caquengue e Caculo Cahango, aqui também tem muita fome, e, se nos dessem um pouco, já daria para investir nas lavras e comprar roupa, calçado e material escolar para os nossos filhos.
Referiu-se também a um programa recente de cozinha comunitária que serviu comida por duas vezes, uma iniciativa que a entrevistada gostaria que continuasse, acontecendo, pelo menos, uma vez por semana. no bairro da barraca, Teresa Agostinho informou que a mandioca produzida aí pelos habitantes é que está a minimizar a fome, pois esse tubérculo passou a servir para improvisar qualquer refeição. “no matabicho, podemos comê-lo assado ou fervido; no almoço, servimo-nos da fuba de bombó moída artesanalmente por nós, além de os miúdos preferirem-na torrada, para o jantar ou lanche”, detalhou. entre as carências, as famílias de ambos os bairros localizados à beira da estrada número 230 (en230) são unânimes em apontar a falta de mercados ou lojas que comercializem óleo, sabão, sal, arroz, açúcar e massa alimentar, ao mesmo preço de outros municípios de Luanda.