Uma parte dos consumidores de cannábis, residente nas zonas suburbanas de Luanda, tem estado a desafiar o medo de os vizinhos e familiares aperceberem-se da sua relação apaixonante com conhecida liamba, passando, assim, a fumar a substância em suas próprias casas e, por vezes, na rua, apesar do preconceito que os associa à criminalidade. “Precisamos de liberdade”, determinam
“Eu fumo liamba na rua, porque sinto que precisamos de ter essa liberdade”, conta o jovem Morais Alfredo, de 25 anos, um consumidor assumido entre os seus familiares, amigos e vizinhos. Estava com 10 anos, quando deu as primeiras “baforadas” deste produto por influência de amigos que deram a si o testemunho de que a substância transmite uma adrenalina inimaginável. Morais, que se considera um fumador experiente, acredita que existe algum elemento sagra- do neste estupefaciente, porque o afasta de alegados maus espíritos.
Por isso, o jovem, que diz não consumir bebidas alcoólicas e cigarros, apela às pessoas a desfazerem- se de pensamentos negativos sobre os usuários da canábis. Apesar de viver em liberdade, por não estar detido em uma prisão, o interlocutor diz sentir-se preso sempre que quer acender e fumar a liamba na rua. Morais carrega o desejo de ver o produto a ser consumido livremente, sem a necessidade de qualquer instrutivo legal a permitir o seu uso. “Deveria ser como a água”, frisou. “Eu fumo na rua.
As pessoas que detêm poderes sociais, económicos ou políticos devem deixar de ver os consumidores de liamba como marginais. O mundo tem de parar e passar a encarar os consumidores da canábis de forma normal”, considerou.
“Deveria deixar de ser crime” Na mesma linha está Mandivua, pseudónimo de um consumidor da substância há 21 anos. Em 2002 passou a fumar para que não fosse excluído do núcleo de amigos em que estava inserido. O jovem lamenta o facto de os usuários serem vistos como vândalos, por isso defende a necessidade de se liberar o seu consumo do ponto de vista legal. “Na minha opinião deveria deixar de ser crime o consumo da liamba.
Quando comecei a fumar era às escondidas. Tínhamos de aproveitar a hora do banho. Mas, agora, alguém pode chegar aqui na rua acender e fumar. Isso é sinal de que em breve vamos assumir todos, publica- mente”, explicou. Receoso de ver a sua imagem marginalizada, Francisco preferiu não revelar o seu sobrenome. No entanto, este jovem fumador de liamba, residente no distrito da Samba, entende estar na hora de se liberar o uso da substância, por acreditar que não faz mal à saúde das pessoas. Segundo ele, o uso só traz ale- gados beneficios. Mas, apesar disso, descreve a aceitação do consumo em sua zona como sendo estável, uma vez que as mães permitem os filhos adultos fumarem em casa, a fim de se evitar possíveis problemas com a Polícia. “Há mães que preferem que o filho compre a liamba e fume em casa porque no EUA [centro de consumo] tem todo tipo de pessoa, até gatunos. E a Polícia quando aparece leva todos”, pontualizou.
Problemas com a polícia
Era a hora de fazer uma pausa no serviço para o almoço. O seu hábito ditava que, nesse momento, de veria fumar o estupefaciente. Mandivua afastou-se das instalações. Num lugar calmo, com pouca movimentação de pessoas, acendeu e começou a consumir a droga. De repente, recorda, ao seu lado surgiu um jovem afecto ao Serviço de Investigação Criminal (SIC), que trajava vestes civis. Deixou-o terminar de fumar para o abordar e prender.
“Já tive problemas com a Polícia por duas vezes. Eu disse que não iria com ele, porque estava a trabalhar. Tivemos muita discussão, então tirei a camisa e fui correndo. Ele seguiu-me até que decidiu deixar de me perseguir. Os meus colegas que estavam lá foram presos”, lembrou. A perseguição que agentes da Polícia Nacional fazem tem afastado os jovens dos recintos preparados para fumar, nos bairros, depois dos fumadores descobrirem que estes lo- cais são os preferidos para operações de buscas e capturas. “Já tive de pular quintais vedados de chapas e ao fugir colhi muitos ferimentos”, lamentou.
SIC incinera mais de 50 toneladas de liamba
O Serviço de Investigação Criminal incenerou mais de 50 mil toneladas de liamba recolhidas em quase to- das as províncias do país, durante o ano transacto, de acordo com uma contagem paralela do jornal OPAÍS. A quantidade de droga foi apreendida na sequência de várias operações realizadas este ano. No mesmo ano, o SIC-Luanda, igualmente, queimou uma tonelada e 356 quilo- gramas de canábis, tendo ainda aprendido 114 implicados, resultante de micro- operações em toda extensão da capital, segundo o porta- voz do órgão na capital, superintendente de investigação criminal Fernando Carvalho.
Os dados mais concretos da quantidade apreendida e queimada, em 2022, foi solicitada por este jornal ao director do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa do SIC- Geral, Manuel Halaiwa, que prometeu disponibilizar os números, mas até ao fecho dessa edição não se pronunciou a respeito.