O dissabor dos técnicos da Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) em funções, nas ruas, ultrapassa cenas de ameaças e atinge níveis de agressões físicas. Profissionais foram esbofeteados e perseguidos com paus por clientes devedores que recusavam o corte de energia eléctrica no seu domicílio. A ENDE tem o registo de 50 casos nos últimos dois anos
As histórias são reais e contadas ao pormenor por quem viveu o momento de me- do e tensão de ser ferido, ou, em caso mais extremo, de perder a vida à procura do “ganha-pão”. Levantar cedo e apresentar-se à empresa para a formatura e a recepção das orientações do dia, seguido do cumprimento da jornada de campo, era o normal do trabalho de um técnico que procede à intervenção de cobrança e corte em residências de consumidores de energia elétrica da rede pública.
Porém, os dias mudaram. Hoje, muitos clientes desrespeitam e espancam os servidores. Muitos profissionais foram agredidos de tal maneira que o uniforme de serviço foi rasgado no seu próprio corpo, enquanto outros batidos no rosto por mulheres, além daqueles que tiveram de escalar muros à procura de refúgio. O medo tem-se instalado no interior desses agentes que, garantem, continuam a exercer a profissão por terem responsabilidades familiares. A causa é a mesma.
As situações de agressões morais e físicas de clientes contra técnicos da ENDE tendem a crescer, principalmente, em Luanda. Por isso, nas zonas suburbanas da capital do país, os exercícios de cobrança de factura de pagamento e de corte de energia elétrica, nos domicílios de clientes, estão a ser qualificados como actividades perigosas, pois submetem a risco a integridade física dos actores dessa missão profissional. “O futuro é incerto”, alerta a máxima popular. No entanto, a imprevisibilidade do porvir desses técnicos da ENDE tem estado a se multiplicar a seus olhos no despoletar da escalada dos actos agressivos de consumidores. “Sair e voltar à casa íntegro é uma incerteza”, revelam os profissionais ouvidos pelo jornal OPAÍS.
“Fui agredido dentro de um quintal” Hedy Manuel é electricista da ENDE desde 2018.
O profissional recorda a triste manhã em que, mais uma vez, estava em campo de serviço no passado ano de 2022. Naquela data cujo dia e o mês não memorizou, o técnico foi agredido no interior de um quintal, onde pretendia efectuar o corte por dívida acumulada. Colocado no município de Viana, na área referente a cortes de energia ao domicílio de clientes devedores, Hedy Manuel acredita que no campo muitos consumidores olham para os técnicos como inimigos, sendo estes os mais agressivos na hora de subir as escadas para interromper o fornecimento do bem.
“É assim que começam as agressões. Eu já passei, várias vezes, por este tipo de coisas, em que fui agredido dentro de um quintal pelo suposto dono da residência e por alguns amigos e vizinhos. Até a minha t-shirt foi rasgada no corpo e o passe de serviço foi partido”, lembrou o momento que considerou difícil. O facto ocorreu no bairro Caop- B, naquele município. Mas, este foi o seu segundo caso. O primeiro aconteceu num dos becos daquela zona de Viana, onde, para se prevenir a religação fraudulenta, a ENDE autorizou que, no acto de corte, se deve cortar centímetros suficientes do condutor para evitar a prática. No entanto, esta tem sido uma das causas de conflitos.
Hedy conta que viu garrafas de vidros a serem par- tidas na sua presença e com estas foi perseguido. O jovem foi obrigado a correr até a uma casa, onde encontrou abrigo e, imediatamente, despiu-se do uniforme laboral para não ser reconhecido. “São dessas situações que surgem os conflitos. O cenário é de puxões à roupa e de garrafas a ser partidas no momento. O meu capacete já foi partido. Eu tive de fugir no quintal de uma senhora, onde troquei o uniforme por uma roupa comum”, narrou.
O jovem, hoje, carrega no seu corpo cicatrizes deixadas pela profissão, quando teve de saltar muros à procura de segurança. Com estas situações, referiu, diariamente, sai de sua casa, orando a Deus para que estes actos não aconteçam. “Cada dia é uma incerteza no campo. Só Deus é quem sabe”, suspirou.
POR: Jaime Tabo e Romão Brandão