Conscientes de que os dados de que se servem são os possíveis, que não reúnem a qualidade que se impõe, por não oferecerem a fotografia real do país, o líder da organização acredita que o número pode ser maior do que o referido
António Coelho, presidente da Rede Angolana das Organizações de Serviços de SIDA (ANASO), revelou ao jornal O PAÍS que a leitura que se pode fazer desses registos é a de que, em relação às crianças, de zero aos 14 anos, nós estamos com cerca de 3 mil novas infecções, por ano.
“E, quando olhamos para os jovens dos 15 aos 24 anos estamos com uma média de 4 mil e 600 novas infecções por ano.
Quanto aos dados gerais, o país está a registar cerca de 21 mil novas infecções, anualmente, e, consequenemente, 13 mil mortes relacionadas com a Sida”, informou.
Segundo ele, a grande preocupação da sua organização prende-se com os adolescentes e jovens, já que dos 34 mil jovens que vivem com VIH, 73 por cento são meninas, o que os obriga a concentrar o seu trabalho nesse grupo e, fundamentalmente, nas raparigas e meninas.
Recordou que, referindo-se de um país que tem cerca de 33 milhões de habitantes, preocupa ainda mais saber que a taxa de prevalência para VIH-SIDA é de 2 por cento, com a agravante de ter uma epidemia considerada generalizada.
“Então, de acordo com esses dados, o país tem um universo de cerca de 350 mil pessoas a viverem com VIH, sendo que dessas, 200 mil são mulheres, 34 mil jovens e 35 mil crianças, detalhou António Coelho, asseverando que, do ponto de vista desses dados, a situação é considerada muito preocupante.
Investimento na prevenção dependente do ‘estrangeiro’. António Coelho, cuja organização está mais vocacionada para a questão da advocacia das pessoas que vivem com HIV-Sida anunciou que a resposta das organizações da sociedade civil, por si considerada como limitada, depreende de uma razão fundamental.
“É a questão do financiamento para esse combate. Não há fundos disponíveis para a luta contra a Sida e o país está a viver, fundamentalmente, da contribuição de organizações internacionais, como é o caso do Fundo Global”, revelou o presidente da ANASO.
Segundo o próprio, olhando para a experiência de outros países africanos da região da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), a sua organização entende que o Goveno angolano, a partir dos Acordos de Abuja, que prevê a disponibilidade de 15 por cento de orçamento para o sector da Saúde, aumente esse pacote, que, actualmente, é de 5 ou 6 por cento, a fim de permitir que, ao nível desta secção, se possa cabimentar uma maior disponibilidade para a componente do VIH-SIDA.
“Então, esta componente para o VIH-SIDA é muito limitada e é usada apenas para aquisição de tratamento e anti-retrovirais.
Quer dizer que o Estado não está a investir na prevenção, porque, para esse fim, o investimento é mesmo zero”, salientou o entrevistado, tendo recordado que o Acordo de Abuja recomenda um investimento de 15 por cento, para que desse valor, saia cinco por cento para a componente do VIHSIDA.
Adiantou dizendo que essa cifra é usada apenas para a aquisição de anti-retrovirais, o que, para si, destapa, claramente, a ausência de uma contribuição do Estado para as acções de prevenção.
“Isso é gravíssimo, por isso, apelamos que, nos próximos tempos, primeiro, haja uma maior disponibilidade de recursos financeiros para o apoio à luta contra a Sida e, em segundo lugar, que esses recursos financeiros venham do próprio Estado angolano, de modo que os disponibilizados pelas organizações internacionais sejam entendidos como recursos complementares e não de base sustentáveis”, avisou António Coelho.
O presidente da ANASO referiu ainda que se está perante a um quadro em que, se não houver contribuição financeira dessas organizações internacionais, dificilmente acontece a luta contra a Sida, em Angola, o que ele e seus parceiros não vêem com bons olhos.
A contribuição da comunidade internacional tem de ser para ajudar o Governo nas intervenções que já está a fazer com suporte financeiro próprio, soube O PAÍS do seu interlocutor.
Daí que a primeira grande mensagem da ANASO é a de que o Governo passe a disponibilizar verbas para as acções de prevenção.
Para que isso aconteça, é preciso partir do pressuposto dos outros países, segundo o qual a principal acção de prevenção é da responsabilidade das organizações da sociedade civil.
António Coelho esclareceu que, ao governo cabe a tarefa de fazer o tratamento, enquanto a de fazer a prevenção acontecer se reserva à responsabilidade das referidas organizações.
Conforme fez questão de referir o líder da ANASO, isso presume que, à partida, o Estado deve colocar uma verba à disposição das intervenções comunitárias.
“Ao nível de Angola, isso não tem acontecido, até agora, porque o país não tem uma política nacional sobre saúde comunitária, a exemplo de alguns das suas congéneres da região”, declarou António Coelho, tendo acrescentado que a sua instituição está a lutar para que, até próximo ao ano, se possa definir a requerida política nacional e que, a par disso, se possa desenhar um plano estratégico operacional de saúde comunitária orçamentado.
No entender dele, é a partir do orçamento do plano estratégico sobre saúde comunitária que vão entrar as intervenções comunitárias para o VIH-SIDA, para a malária, tuberculose e outras endemias.