Licenciada em Direito, desde cedo que Flora Telo se apaixonou por questões ligadas à cidadania e direitos humanos. Diz ter sido por influência de alguns padres, mas o percurso hoje é longo, tendo em conta os projectos nas referidas áreas em que se envolveu e permitiu escrever o livro ‘As Trajectórias das Lutas pela Cidadania e a Educação em Direitos Humanos’, lançado recentemente, mas cuja apresentação acontece este mês. Trata-se de uma obra que fez da autora uma das vencedoras do Prémio Nacional de Direitos Humanos, instituído pelo Executivo angolano, na categoria de pesquisa e investigação. Com conhecimento da causa e das causas, a especialista falou sobre os dois temas, as manifestações, o papel da Polícia Nacional e também da influência de algumas organizações internacionais no trabalho que determinadas organizações da sociedade civil desempenham em Angola
O que levou a escrever ‘As Trajectórias da Cidadania e dos Direitos Humanos em Angola’?
Escrevi sobre esta temática por duas questões fundamentais. A primeira porque é uma paixão pessoal. É uma área em que desde que comecei a estudar – sou formada em direito…
Na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto?
Exactamente, sou formada em Direito na Universidade Agostinho Neto.
Mas as pessoas que se formam em Direito normalmente têm uma queda para as questões forenses, petróleo, constitucional e outros.
Pois é…
O que a levou a fazer esta curva?
Fiz esta curva um bocado influenciada, porque na altura fazia parte da Igreja do Carmo com os Frades Dominicanos. Os Frades Dominicanos trabalhavam muito essa parte dos direitos humanos, então eu sempre participava nos encontros sobre direitos humanos. Começou a nascer essa paixão nesta altura. Então foi uma questão pessoal e depois foi mesmo uma necessidade. À medida que fui tendo informações sobre direitos humanos, olhando para a necessidade do nosso país, percebi que as coisas não estavam a casar-se. Mesmo na Faculdade de Direito, o que víamos em Direito Constitucional , Ciências Políticas, no dia-a-dia na política, comecei a ter algumas reticências. Porque é que a teoria diz isso e a prática é completamente diferente? Então, a partir daí entrei para o mundo dos Direitos Humanos e até hoje não mais saí.
O que é que não casava no seu ponto de vista?
Por exemplo, a organização do Estado e a separação de poderes. É um desafio muito grande. A ideia de que o judiciário é independente, o legislativo e o Executivo também o é, embora haja interdependência, porque eles trabalham no mesmo contexto, acabou também por ser desafiador. Porque nos víamos – e vimos até hoje- muita intromissão do Poder Executivo nas outras estruturas do Estado, nomeadamente Poder Legislativo e Judicial, o que de certa forma acaba por comprometer esse princípio da separação de poderes que é uma das características fundamentais de uma democracia e de um Esta- do de direito, que somos nós, e que está na constituição.
Vejo na Constituição que existe a separação de poderes e que o Estado promove e respeita os direitos humanos, mas, em contrapartida, vejo na prática a violação destes direitos por instituições, tanto do Poder Legislativo como também do Poder Judicial, mas principalmente do Poder Executivo. Então, estas questões começaram a me instigar e vi que tinha que contribuir. Comecei como activista e depois fui para a academia. Este trabalho é resultado do meu processo de pesquisa, que na altura foi para o mestrado, e que depois foi melhorado para ser publicado neste ano. Mas é um trabalho de investigação científica na área de direitos humanos.