Comandante provincial da Polícia Nacional (PN) em Malanje, António José Bernardo, ou
‘Tony Bernardo’ para os mais próximos, aborda na conclusão desta entrevista o
desempenho da corporação ao longo dos 42 anos da sua existência, a sua capacidade de
adaptação em face das mudanças, políticas, sociais e económicas, ocorridas no país e
dos desafios que tem pela frente, no âmbito das suas responsabilidades
POR: Miguel José, em Malanje
fotos de Cedidas
De que modo acha que a população deve contribuir para o combate à criminalidade?
É sempre importante que as populações organizadas em comissão de bairro ou de uma outra índole qualquer, tenha sempre em atenção a presença de pessoas estranhas no seu meio ambiente. Ora, sempre que assim sucede devem comunicar imediatamente à Polícia, porque nós até temos formas para que os cidadãos façam as denúncias sem precisarem de se identificar. A Polícia só precisa que as populações em tempo útil digam: aí está alguém suspeito; aí está alguém de origem duvidosa.
Olhando para o seio da corporação em Malanje, os agentes que no seu dia-a-dia lidam directamente com os cidadãos, que qualificação têm em termos académicos e profissionais?
Vamos lá ser francos neste aspecto. A maior parte dos membros da nossa corporação que lida directamente com a população estão integrados na ordem pública. Para ser honesto, aqui em Malanje, esta área, principalmente, os agentes que no dia-a-dia fazem giros, quer apeados, quer motorizados, ainda não estamos bem! Digamos, mesmo, ainda não chegamos ao nível médio como, pelo menos, desejaríamos, porquanto isto decorre da massa crítica humana que temos e que bem ou mal, numa selecção ou concurso público, foram entrando para a Polícia. Mas, ainda assim, todos estão na mesma condição. Há já em alguns sectores da corporação, agentes em que o nível, quer académico, quer técnico, é bom; é elevado e, por via deles, temos obtido bom trabalho.
Há gente que está enquadrada na Polícia para suprir a necessidade de emprego e não para satisfazer as obrigações inerentes à corporação. Até quando esta brecha vai continuar a se manter?
Garanto que será por muito pouco tempo! Nós temos tido o cuidado de dizer às pessoas que, quer nas Forças Armadas, quer na Polícia Nacional, não podem ter estes sectores como um meio de emprego. Quem integra a Polícia tem de se identificar com as obrigações que são inerentes à corporação, enquanto órgão de defesa nacional. No entanto, quem não consegue perceber isto e não estiver à altura deste pressuposto, não vai poder estar por muito mais tempo nas fileiras da Polícia Nacional. Por isso, temos estado a desencorajar os pais e os encarregados de educação , de empurrarem os seus filhos ou tutelados para a Polícia. Na Polícia, a selecção de +pessoal, além de ser um processo voluntário, também é um processo selectivo. E para a polícia não podem ir todos. Para a Polícia é necessário deter um sem número de condições. A primária passa por ser um bom cidadão, honesto, com envolvimento social aceitável. Deste modo, as pessoas que não se adaptarem ao novo paradigma que se quer para a Polícia Nacional, vão mesmo ser afastados. O tempo vai levar com que eles se sintam marginalizados no seio da Polícia. Uns voluntariamente, outros coercivamente.
Em face dos desafios que a corporação tem pela frente e da dinâmica que se requer para a prossecução das suas tarefas, qual deverá ser o perfil de entrada dos candidatos, para os quadros da PN?
O primário é ser um bom cidadão, honesto, comprometido com a pátria, estudioso, bom filho, bom pai, boa mãe. É evidente que se aparecerem vinte candidatos que tenham esses requisitos e eu precisar de dez, dentre estes, vou depois buscar os que possuírem os outros requisitos suplementares como, o nível académico, melhor disposição, melhor porte físico e atlético, melhor saúde, etc. A base que nos orienta para a selecção das pessoas que devem estar na Polícia é ter boa conduta, como: nunca ter sido condenado com penas superiores a 2 anos de prisão, pronunca ter estado envolvido em situações de natureza duvidosa, que pudesse pôr em risco de segurança pública, não ter uma conduta no seio familiar que seja conflituosa ou degradante. A partir de agora, o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas determinou que acabaram as entradas massivas na Polícia. Temos de começar a fazer a selecção para que na corporação não entrem mais pessoas duvidosas e com passado criminoso.
Até há pouco tempo, a Polícia conseguiu travar a circulação anárquica dos moto-taxis, no perímetro urbano da cidade. Mas ao que parece, nos últimos tempos, volta a haver conflitos entre os agentes reguladores de trânsito e os ‘Kupapatas’. Qual o seu comentário?
Bom, é uma situação, digamos… cíclica. As pessoas buscam nesta forma de estar na vida e com esses instrumentos à sua disposição, o seu ganha-pão. Só que não o fazem de forma correcta. Fazem-no de forma a gerar conflitos de vária ordem no seio das pessoas e põem em risco a integridade física de terceiros. Moto-táxi é uma actividade proibida. Não existe na forma legal. Isto é, não há instrumento jurídico, nenhum, no país, que define a moto-táxi como sendo um meio de transporte legal para as pessoas. Ora, estão consignados na lei, os factores obrigacionais que permitem quem dê a autorização para o exercício desta actividade, primeiro verificar se eles estão ou não, devidamente reunidos. Quem vai realizar uma actividade de táxi tem, obrigatoriamente, em primeiro lugar, ter o meio legalizado, inspeccionado e com toda a documentação regularizada junto da autoridade competente, no caso, a Direcção Nacional de Viação e Trânsito. Depois tem de ter a autorização do Ministério dos Transportes, que vai também verificar outros aspectos inerentes ao exercício da actividade de táxi. À posteriori, o indivíduo como vai realizar uma actividade lucrativa, automaticamente, ele tem de ter o Seguro de Responsabilidade Civil, que permite cobrir o contrato bilateral, ainda que não seja na forma escrita, este, se estabelece tão logo o condutor abra a porta para que o utente entre no seu veículo. Logo, a partir desse momento, o taxista responsabiliza-se pela vida do passageiro. Assim sendo, não conheço nenhum motociclista que realize a actividade de moto-táxi com tais requisitos. Como o legislador chegou a conclusão de que a moto não é um mei conveniente para o exercício dessa actividade, nós, naturalmente, fazendo jus das nossas obrigações da autoridade pública, consertámos com o Governo e o senhor governador entendeu que, efectivamente, esse exercício não devia continuar com a amplitude que tínhamos e conhecemos todos, com reflexos negativo visíveis aos olhos de todos. Só para lembrar, tínhamos, em média, 3 a 5 mortos por dia, os hospitais completamente abarrotados com pessoas traumatizadas, as estradas totalmente inundadas de motas andando de forma desorganizada, em contraposição ao sistema de ordenamento de trânsito, que qualquer cidade precisa de ter. Numa só palavra, a vida de cada um de nós, mal saíssemos das nossas casas, estava em perigo. Então cabe ao Estado, através do Governo, pôr ordem. Por isso é que existe a Polícia. Sempre que se realiza uma actividade pública, ainda que em espaço fechado, as ruas circundantes ao local do evento, são bloqueadas. Isso, além de provocar murmúrios dos cidadãos, provoca transtornos à circulação automóvel, já que a avenida principal que rasga a cidade é, também, estrada nacional.
Comandante, qual é a explicação?
Bom, é uma crítica que se aceita, mas, ainda assim, temos às vezes argumentos para o fazer. Todos os Domingos meto-me na via para apreciar, acompanhar e corrigir. A Sé Catedral todos os Domingos recebe um grande número de pessoas que vão assistir à missa; do outro lado está uma instituição religiosa que, também, recebe centenas de pessoas. Assim, o trânsito por esta rua aconselha a prudência e nós, a Polícia, temos que agir em antecipação. Infelizmente, a avenida Comandante Dangereux é a mais frequentada e onde tudo acontece. E o que nós temos tentado conjugar é não criar muitos problemas às pessoas, mas também não facilitar que alguma coisa ruim aconteça. Se porventura uma viatura seguindo em alta velocidade, como muitas vezes acontece, se despista e for contra as pessoas e fazer vítimas mortais, decerto que a Polícia terá parte da responsabilidade por negligência. Porquanto, há aqui alguma responsabilidade social que a Polícia tem de exercer e nós aproveitamos para pedir desculpas às pessoas, porque exactamente o nosso papel é prevenir. Todavia, temos criado e facilitado que algumas ruas secundárias façam com que o trânsito não fique paralisado.
A colocação de vários postos, muitas vezes em intervalos bastante próximos na rua principal, tem suscitado, frequentemente, ambiente de má disposição entre automobilistas e agentes reguladores de trânsito. O porquê de tantos postos numa mesma via e numa cidade tão pequena?
Primeiro tem a ver com algumas chamadas de atenção que temos feito ao Comando Municipal de Malanje, quando isso ocorre, por causa do planeamento e distribuição dos homens, principalmente, aqueles ligados a regulação do trânsito. Mas a maior parte das vezes ocorre quando nós temos pela avenida Dangereaux determinados postos concentrados, estamos à procura de alguma coisa, se bem que não viemos a terreiro dizer o que é. Também é nossa preocupação, porque estamos a trabalhar no sentido de ainda no decurso deste ano aumentar o número de agentes reguladores de trânsito. O número que temos agora, subdivididos por turnos, temos muito poucos homens para regularizar o trânsito. Sabe que nesta coisa de trânsito algumas regras estão definidas pelo comando superior e nós não podemos violar. É o problema, por exemplo, de qualquer agente da Polícia parar qualquer cidadão (…)
Mas no dia-a-dia assistimos a isso…
(…) Qualquer Polícia não está autorizado a pedir carta de condução aos automobilistas, salvo nalgumas situações em que há uma violação grosseira de trânsito; quando há uma situação irresponsável do cidadão ou terá cometido alguma acção que pode ser considerada criminosa, no local, que obrigue o agente da ordem pública a detê-lo e depois apresentar o caso ao ramo de especialidade, para então conduzir aos órgãos de direito. Na verdade, os factores de insuficiência têm sido os recursos humanos, porque nós não temos capacidade de nos estendermos em todas as principais ruas tidas como conflituosas. Pois, além da Dangereaux, temos a Hoji ya Henda que é, também, uma das ruas muito conflituosas. Igualmente, temos a estrada nacional 140 que liga o ‘Nosso Super’à Katepa, que é muito conflituosa. E, ainda, temos a Dangereux que liga o largo Rainha Njinga e que biforca para o aeroporto e para a Kangambo, que é um caos. Mas, pelas razões evocadas, nem sempre conseguimos pôr polícias nessas áreas. Há outro inconveniente, como o maior índice de desordem é provocado por motociclistas, os nossos homens apeados nem sempre têm a capacidade de os parar. Eles não param ao sinal de trânsito; desrespeitam completamente as ordens do Polícia. Daí que, às vezes, somos obrigados a tomar outro tipo de medidas complementares, como o barramento de ruas, etc., para poder diminuir aquilo que, também, nós já demos conta que incomoda os malanjinos, a desordem pública, a desordem no trânsito.
Comandante, qual é rácio obrigação/ satisfação dos agentes da polícia?
Nós ainda vivemos muitos problemas que se prendem com o quadro financeiro que o país atravessa. Há insuficiência de verbas para colmatar um conjunto de situações que nós vivenciamos todos os dias. No entanto, o salário da Polícia, principalmente dos agentes, não corresponde aos esforços que eles desenvolvem, em virtude das oscilações do valor da moeda. Já houve um período que se tinha indexado o kwanza ao dólar, numa razão de um por dez, em que o agente mais baixo ganhava, aproximadamente, ao equivalente a 250 a 300 e o mais alto 600 a 650 dólares. Embora não seja uma satisfação na totalidade, mas havia já um certo incentivo. Vamos dizer cm toda honestidade que não há correspondência entre o esforço que é despendido e o tributo que lhe é dado por via do seu salário. Outra questão reside na capacidade de assistirmos esse polícia enquanto estiver na rua, com alguns suplementos como água, lanche, assim como a capacidade de substituí- lo em tempo útil. Isso, retiralhe a capacidade de concentração. Numa só frase, digamos, ainda há muito trabalho por se fazer em termos de gestão de recursos humanos e satisfação das suas necessidades, para que o cidadão polícia se sinta recompensado pelo trabalho que faz.
Autarquia é o assunto que está a dominar a agenda política nacional. Pelo que tudo indica, a sua implementação está prevista para o ano 2020. Assim sendo, que Polícia teremos para responder ao novo panorama político do país?
Há órgãos que no âmbito do processo autárquico continuarão sob alçada do Governo Central, sendo certo que as autarquias terão polícias municipais, que ficarão sob jurisdição do presidente das câmaras locais. Como tal, a Polícia Nacional e as Forças Armadas continuarão sob dependência directa do chefe do Executivo. Não há, nem haverá conflitos absolutamente nenhuns. O que a sociedade vai conhecer é uma evolução que com a realização das autarquias, se criem estruturas necessárias, se instruam e se especializem os homens, para estarem à altura da organização funcional do Estado. E creio que da mesma forma que o Governo e o Estado no seu todo já se está a mobilizar para criar as condições técnicas materiais, jurídico- legais, para fazer mover a máquina organizativa e muito proximamente começarmos a instaurar as autarquias em Angola, do mesmo modo os órgãos de direito, que nos mandam, que nos dirigem e que velam por essa situação, estou certo que trabalharão para que as futuras autarquias tenham as polícias municipais.