Nesta edição o espaço “Economia Real” da Rádio Mais analisou os principais temas que marcaram a semana económica, com destaque para a recapitalização do BPC, a proclamação da Zona de Livre Comércio Continental e a guerra comercial entre os EUA e a China. Acompanhe a visão do economista Yuri Quixina sobre essas matérias
Entrevista de: Mariano Quissola / Rádio Mais
Banco de Poupança e Crédito beneficia de recapitalização, por via de uma emissão especial de Obrigações do Tesouro. Em que circunstância um banco carece de recapitalização?
Quando tem problemas de liquidez, ou, dito de outro modo, quando falta-lhe dinheiro para responder a todas às suas obrigações. O Governo, por via do Banco Central, pode recapitalizar o BPC. Estamos a falar de um banco muito importante para a economia nacional que o Estado achou melhor tapar o buraco que tem com Obrigações do Tesouro.
Quais são as consequências dessa medida?
Significa dois elementos fundamentais. Se o Banco Central comprar, significa que vai usar as reservas que possui, e se forem os bancos comerciais, pressupõe que vão emprestar dinheiro ao Estado para recapitalizar um banco que concorre com eles.
E…
É mais provável que seja o Banco Nacional a comprar a Obrigação do Tesouro que o Estado vai emitir, de 870 milhões de dólares, a uma taxa de juro de 7,5% a 10 anos. A desvantagem é, se o Estado é que está a endividar-se, significa que quem vai pagar o buraco do BPC são as famílias, através dos impostos.
No mesmo Decreto em que o Presidente da República autoriza a recapitalização do BPC, orienta a regularização da dívida dos últimos sete anos, de 656 biliões e 100 milhões de kwanzas. O que isso pressupõe?
Significa que o Estado não conseguiu honrar os compromissos da dívida dos anos passados. O défice de 2017, por exemplo, está acima da previsão, segundo o FMI. Referira- se que quando o Estado emite títulos, quer dizer que está a endividar- se.
Que consequências a dívida pública interna tem sobre as empresas?
É enorme. Quando tens uma economia muito amarrada ao Estado, cria-se o capitalismo do Estado e de compadrio, mercantilismo patrimonial. Neste cenário, é fácil os empresários prestarem serviço ao Estado. Grande parte da dívida que as empresas têm no mercado é com o Estado.
O Banco Mundial acredita que as reformas em curso no sector financeiro angolano podem gerar um crescimento de 3,5% do Produto Interno Bruto. Também acredita?
São previsões. Mas as reformas que libertam a economia, são aquelas que liberalizam o próprio sistema financeiro. O sistema financeiro não pode ser asfixiado com excesso de regras e a criação de um fundo do Estado para salvar bancos.
A pedra no sapato da nossa economia é o próprio sistema financeiro, porque não ajuda a economia a crescer de forma estrutural, devido à forma como concede crédito. O nosso sistema financeiro concede crédito a amigos, créditos políticos e de tráfico de influência.
É fácil um sistema financeiro cair em crise através dessas práticas. É fundamental que o banco central não seja o pai que leva os bancos comerciais na mão, que ao falirem, está aí para os salvar. O nosso sistema financeiro foi montado para conceder crédito ao Estado e não à economia.
Há aqui uma contradição entre as previsões do BM e do FMI, segundo a qual o crescimento da economia nacional dependerá do preço do petróleo. Ou não?
Mas o crescimento de 2,2% previsto pelo FMI e o de 3,5% do BM não é para este ano. Quando se está a fazer reformas, o primeiro embate é recessivo e não de expansão. Se a microeconomia não fazia economia, deve-se criar mecanismos para que ela o faça. E isso significa alterar a mentalidade das pessoas rumo ao amor ao trabalho.
Foi proclamada a Zona de Comércio Livre Continental. É sustentável?
Sou liberal, e quando oiço a palavra livre dá-me uma felicidade enorme. Mas, no caso de África, temos que analisar com muita cautela. É preciso dizer que zona de comércio livre é uma das formas de integração dentre as quatro existentes. Significa a abolição da tarifa alfandegária por parte dos países membros. Tem vantagens, naturalmente, mas a grande desvantagem é que os países africanos especializaram- se muito na matéria-prima. Se África fosse um continente industrializado, seria interessante, mas o consumidor sai a ganhar, porque terá liberdade de escolha e os empresários vão ganhar experiência com a competição no médio e longo prazo.
É sustentável?
A ideia parece uma miragem, mas precisamos de ter alguma coisa que nos pressiona. Os países africanos têm problemas estruturais brutais, como dívidas e não conseguem revitalizar as zonas de comércio livre das suas sub-regiões, como SADC, CEDEAO, o próprio golfo e os Grandes Lagos.
Ainda assim julga interessante?
A grande questão é que devemos ter algo que nos pressione. Defendo até portas abertas para o mundo. Temos que reduzir as taxas alfandegárias, não faz sentido. Nenhum país desenvolve com protecionismos e nenhum país ficou pobre por abrir as suas portas ao investimento externo.
Está declarada a guerra comercial entre dois gigantes da economia mundial: China e os Estados Unidos da América. Que efeitos colaterais isso pode acarretar?
Os efeitos colaterais são drásticos para a economia mundial. Estamos a falar de dois blocos que representam a economia mundial. Se um tossir, o outro fica constipado, a União Europeia apanha gripe e a África pode morrer. Mas é importante dizer que nas guerras comerciais ninguém ganha, todos perdem. Isso acelerou a crise de 1930 e não estamos a aprender com o passado. O presidente Trump quer taxar os impostos que vai totalizar 60 mil milhões de dólares sobre os produtos chineses que entrarem no território americano. O presidente da China responde na mesma moeda.
Sugestão de leitura:
Título do livro: “A Lanterna na Popa”, o autor retrata não apenas a história económica recente brasileira e mundial, como também seus feitos e suas observações sobre personalidades que conheceu ao longo de sua vida.
Autor: Roberto de Oliveira Campos, foi economista, diplomata e político brasileiro. Ocupou cargos de deputado federal, senador e ministro do Planeamento no governo de Castello Branco.
Ano da publicação: 1994