A mitigação do risco cambial, Reforma do Estado e a falta de financiamento para o programa de investimento público mereceu destaque na análise desta edição do Economia Real, com o economista Yuri quixina
Por: Mariano Quissola/Rádio Mais
A Comissão Económica do Conselho de Ministros aprovou a ‘programação macroeconómica para 2018’, o que isso pressupõe de modo geral?
Quando ouvimos que o Governo aprovou a programação macroeconómica, quer dizer que o Governo dispõe de um instrumento que orienta os agregados macroeconómicos, nomeadamente a inflação, a taxa de desemprego, se vamos exportar mais ou importar menos. Estamos a falar, de outro modo, que a programação macroeconómica aprovada define aquilo que será o comportamento da economia ao longo deste ano, como o nível de endividamento, as despesas do Estado, que permite o funcionamento normal do país.
Este documento prevê ainda a ‘mitigação do risco cambial’. O que isto quer dizer “em português”?
Risco cambial significa a perda do valor do Kwanza, que estamos a assistir hoje que tem impacto sobre a vida dos angolanos. Se houver desvalorização ou perda acentuada do valor do Kwanza, a dívida pública pode aumentar. Logo, é fundamental acompanhar esta variável, porque tem influência sobre os outros indicadores macroeconómicos. A taxa de câmbio é o preço da moeda, e o preço da moeda está ligado à inflação. Os preços podem aumentar através do risco cambial. Entretanto, só vamos mitigar o risco cambial se houver um aumento na produtividade.
Abordamos, neste espaço, durante três edições consecutivas os efeitos do novo regime cambial. Olhando para essa estratégia de mitigação do risco cambial, que resultado se espera?
Mitigar o risco cambial é fazer com que entrem divisas na economia, que nos permitam importar meios de capitais (maquinaria) para que a economia funcione e aumente a base produtiva para a exportação. E a mitigação do risco cambial só é possível se houver uma alteração básica na exportação e não dependermos ou sermos prisioneiros de um único produto, como é o petróleo.
O risco cambial estará sempre associado ao petróleo. A mitigação do risco cambial também passa pelo Estado gastar mais dinheiro com despesas de capitais (infra-estruturas e equipamentos de produção) e não nas despesas correntes.
Mas também parece não haver muito dinheiro para gastar, como disse a secretária de Estado do Orçamento e Investimento Público do Ministério das Finanças. Não há dinheiro para suportar as despesas com o Programa de Investimento Público.
Para a economia de Angola sair do buraco em que se encontra temos que parar de cavar. E parar de cavar significa dois elementos: vivermos dentro das nossas posses, reduzir o apetite de consumir para termos poupança e investirmos naquilo que a secretária do Estado aponta, que é de facto nas despesas de capital, para fomentar o crescimento económico.
Se não temos dinheiro para o Programa de Investimentos Públicos (PIP), não vamos atingir a taxa de crescimento de 4,9%, prevista no Orçamento Geral do Estado de 2018. E, por outro lado, as famílias e as empresas não terão meios para produzir riquezas. A secretária de Estado justifica que a falta de dinheiro para o financiamento do PIP é o aumento do défice orçamental. A previsão era 3% e aumentou 0,5%. Ou seja, saímos de três para 3,5%. A grande justificação é porque aumentou dinheiro na Saúde e na Educação.
Não justifica?
Do ponto de vista técnico, não é necessário aumentar défice para aumentar dinheiro na Saúde e na Educação. Na minha perspectiva, como investigador e economista liberal, se já temos a meta de 3%, faríamos um jogo no seio do próprio Orçamento, visarmos as outras classes que têm dinheiro e sem efeito multiplicador na economia, podíamos reduzir e aumentar na Saúde e na Educação e continuávamos a ter a mesma meta. São mais de 1890 projectos que vão ficar sem financiamento este ano, e isso pode refletir-se na dívida pública que, segundo a previsão da Standard & Poors desta semana, é que a nossa dívida pode passar 80% de toda a riqueza do país.
Ainda nesta senda, da falta de dinheiro, o ministro das Finanças disse que a ‘instabilidade económica’ permitiu a saída de dinheiro para o estrangeiro’. Tem a mesma visão?
Para analisar esses dados, vamos recorrer ao Banco Nacional de Angola que publica constantemente o fluxo do investimento estrangeiro e saída e entrada de divisas na economia nacional. O banco central diz que nos três últimos anos saiu menos dinheiro do que nos anos em que não estávamos em crise. Ou seja, de 2011 a 2013, foram anos que mais saiu dinheiro do país.
Em 2011, saíram 19 mil milhões de dólares e entraram apenas 14. Em 2012 saíram 24 mil milhões de dólares e entraram 15. Em 2013 saíram 27 mil milhões de dólares e entraram 14. E o governador do Banco Nacional era o mesmo que o actual. Em 2014, ano da tendência de crise efectiva, saíram 18 e entraram 16. Em 2015 saíram 7 mil milhões de dólares e entraram 16. É um saldo positivo. Em 2016, sairam 12 e entraram 13 mil milhões. Portanto, de 2015 a 2016, o saldo de entrada de capitais na economia nacional é positivo. A fuga de capitais não aconteceu no período de crise.
Provavelmente, o ministro tenha outros dados, estes são os dados disponíveis na base de dados do Banco Nacional de Angola. Também foi destaque na semana passada, a análise feita à Lei de Investimento Privado pela Comissão Económica. Sabemos que é a favor da revisão. Nenhum país desenvolveu sem investimento directo estrangeiro. Nem na Singapura, quando estava em processo de desenvolvimento, existia a lei que obrigava um milhão de dólares para investimento.
E essa teoria de colocar 35% angolano é absurda. O estrangeiro, ao vir a Angola, vai criar empresas e aumentar o emprego. A Lei deve ser revista na perspectiva de reduzir os encargos aos empresários. Temos estado a analisar o Plano Intercalar e nesta edição vamos refletir sobre os desafios da ‘Descentralização Administrativa, Reforma dos Procedimentos Administrativos e Fortaleciemento das Instituições’.
Qual é o caminho?
Ouvi e assisti a vários debates sobre reforma do Estado e Autarquias, e há uma confusão muito grande sobre o assunto. Ainda não vi alguém a explicar, da forma mais clara, para que a senhora que vende o bombó com jinguba percebesse. Confunde- se reforma do Estado com autarquias. A autarquia já está legislada, a Constituição prevê. Reforma do Estado não. Autarquia é descentralizar o poder do ponto de vista financeiro, económico, social e administrativo. E deve ser legítima na medida em que o cidadão participe e sua discussão deve ser sem tabú. Reforma do Estado é tornar o Estado funcional, menos gastador, simplificado e muito eficiente. É fazer com o Estado fique focado nas suas actividades básicas: saúde, educação, o saneamento, água potável, segurança alimentar, a defesa, a justiça e relações exteriores. Isso é que é reforma do Estado, que facilite a diversificação, de facto, da economia.
Se não fizermos a reforma do Estado vamos aumentar a dívida. Reformar o Estado é reduzir as pessoas que vivem à custa do Estado, e isso é muito problemático. Isso acontece em Portugal, fala-se disso, mas quem está a fazer reforma do Estado? No Brasil já falaram muito sobre reforma do Estado, e ninguém o fez. A maior parte dos que têm que reformar o Estado vivem à custa do Estado.
Por que pensa que Angola não venha a fazer?
Esses exemplos são suficientes? Se for discutido no fórum desenhado aqui, corre o risco de não fazer. Reforma do Estado não se faz por uma comissão. O Presidente da República tem que desafiar os partidos todos, as universidades, a sociedade civil. Um debate alargado, e todos devem participar. O objectivo da reforma do Estado é fazer com que a zungueira seja rica, que o lavador de carro seja rico pelo próprio talento.