Que balanço faz da actividade desenvolvida pelos camionistas quatro anos depois da fundação da Associação?
A Associação dos Camionistas de Angola (ACA) foi fundada em 2020, na província de Benguela, município do Lobito, onde foi constituída a primeira assembleia constituinte que deu origem à Associação.
De lá para cá, foi um processo longo e difícil, porque, desde o momento que começamos a criar a Associação, fui despedido da empresa Leonor Carrinho, onde prestava serviço há dez anos, na época.
Em 2021, conseguimos publicar em Diário da República para ganhar a legitimidade jurídica e, actualmente, é uma instituição muito séria.
Somos membros da SADC e parceiros da Direcção de Trânsito, envolvidos no serviço de sensibilização contra a sinistralidade rodoviária.
Entendemos que o nosso objecto social é proteger, congregar, unir a classe da camionagem, bem como zelar para uma formação contínua a nível nacional, no sentido de reduzir a sinistralidade rodoviária, um mal que assola a classe e prejudica o crescimento do país. Por isso, queremos abrir um centro de formação para camionistas.
Para quando este curso ligado à camionagem?
Estamos à espera que o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS) conclua o processo para darmos início à abertura do centro profissional, porque já cumprimos com todos os requisitos. Já temos um espaço no Km 30 e parceiros que se disponibilizaram a fornecer meios para a formação.
O curso terá duração de três meses, serão ministradas matérias ligadas à história da camionagem, condução defensiva, transporte de mercadorias perigosas, manobras, porque conduzir um camião não é um exercício fácil e é necessário que o condutor tenha experiência suficiente para ter uma condução defensiva, no sentido de prevenir os acidentes.
Será uma formação que irá agregar muito conhecimento aos camionistas?
Sem dúvidas. Além dos módulos essenciais, também serão leccionados língua inglesa e francesa, já que os camionistas que vão circular no projecto de Livre Comércio, da União Africana, precisam ter conhecimento de outras línguas.
Por outro lado, muitos de nós, camionistas, aprendemos a conduzir como ajudantes, e é uma profissão muito séria, daí a aposta no centro de formação profissional para ajudar as empresas que precisarem de camionistas com conduta positiva.
A camionagem é um segmento de extrema importância e está ligada à economia do país, porque, sem a camionagem, não há transporte de mercadoria diversas, desde material de construção, alimentos, equipamentos e medicamentos.
A implementação da carteira profissional é uma preocupação vossa?
Com certeza. A formação profissional está associada à implementação da carteira profissional, porque não é possível obter a carta de condução pesada sem obter uma formação profissional.
Temos trabalhado bastante com o Ministério dos Transportes, com o MAPTSS, para que a carteira profissional seja uma realidade, apesar de que há pouca vontade de olhar para o projecto e dar um tratamento adequado.
Como caracteriza o país em termos de malha rodoviária?
É uma pena a falta de infra-estruturas, porque não temos estradas suficientes no país, temos vias precárias que nos permitem transitar de um ponto para outro.
A estrada que vai para o Uíge é lamentável, porque o capim tapou a estrada e o fundo rodoviário não faz nada. É importante que se olhe para as vias terciárias, para permitir a circulação dos camiões, porque a falta de escoamento degrada e desmotiva a produção.
Quando se fala de estradas, devem possuir bermas, paragens apropriadas para autocarros e táxis, sinalização. O governo tem de trabalhar muito neste segmento para a melhoria das condições das estradas, porque é lastimável e ajudam a provocar acidentes.
Mas a implementação de balanças não evitaria a degradação das poucas estradas que existem a nível do país?
Claro que sim. Alguns países, como é caso da África do Sul, têm balanças para salvaguardar a duração das estradas, e os camiões não circulam 24 horas, mas, sim, oito horas por dia, porque o excesso de circulação e lotação provoca danos na via.
É necessário que o INEA olhe para a questão das balanças, no sentido de regularizar o peso das mercadorias nos camiões.
Já identificamos determinados pontos que deveriam ter balanças, tais como postos aduaneiros para que os camiões pudessem pesar e aplicar multas pesadas para aqueles que não cumprissem com o peso estabelecido.
Os empresários estrangeiros em Angola excedem na quantidade de toneladas que se deve carregar, alguns carregam entre 35 e 40 toneladas e, caso o condutor não aceitar transportar, chamam os chineses, e os nacionais ficam sem trabalho.O mercado deve ser regulado.
O que vocês sentem mais falta nas estradas?
É necessário iluminação, sinalização, postos médicos móveis, para que, quando surjam acidentes, os sinistrados possam ser assistidos a tempo para não perderem a vida.
A nível das províncias, os camionistas não têm lugar para estacionarem, sendo que estacionam em lugares impróprios, perto de bombas de combustíveis e mercados, daí a necessidade da construção de parques em todas as províncias para alojar os camionistas à noite, com postos policiais, postos de saúde e outros serviços fundamentais.
Qual é o troço mais difícil para os camionistas?
Temos a Estrada Nacional 100 que dá acesso ao Morro do Mbinda, a estrada 230 e a 180 que, por causa da Serra da Leba, carece de muito cuidado.
Muitas estradas não têm condições de transitabilidade, por exemplo, de Luanda para o CuanzaNorte está totalmente danificada.
Mesmo em Luanda, o troço do Mercado do Km 30 está mal. Muitos camiões viram, danificando os produtos e os meios, com prejuízos enormes.
Quanto é que um camionista gasta com encargos de Luanda ao Moxico ou Cunene?
Os custos operacionais são variáveis e varia de empresa para empresa, no caso do combustível e a alimentação.
Anteriormente, a viagem de Benguela ao Moxico custava cerca de 300 mil kwanzas, mas isso quando o combustível custava menos de 200 kwanzas.
A Associação dos Camionistas de Angola controla os camiões e a Associação dos Transportes Rodoviários de Mercadorias de Angola (ATROMA) trabalha com os donos dos camiões.
Temos parcerias com várias empresas para que tenhamos um mercado controlado e com estatísticas, a fim de saber quantos camionistas somos, quantos estão no activo, empresas que precisam de condutores para que não seja um recrutamento empírico, e também é uma vontade do Ministério dos Transportes.
“Há muita concorrência desleal porque cada um estipula o preço do frete”
O que encarece os encargos na vossa actividade é o combustível ou o mau estado das estradas?
O mau estado das estradas e o custo elevado do combustível, porque para fazermos uma viagem confortável necessitamos de vias transitáveis, caso não aconteça danifica o veículo e diminui o tempo de vida útil.
Outra questão tem a ver com o salário que é pago para os camionistas que é muito reduzido, sendo que muitas vezes transportam mercadorias avaliadas em mais de 10 milhões de kwanzas.
Quanto ganha um camionista?
O salário dos camionistas em Angola, sobretudo nas empresas como a Sonangol, pode ser de 1 milhão e 200, enquanto nas empresas privadas varia ao preço de 70 mil kwanzas, e pode ter algumas percentagens totalizando 200 mil kwanzas, outras 400 mil kwanzas.
Gostaríamos que o governo estabelecesse uma lei para uniformizar o salário mínimo dos camionistas. Já abordamos com a MAPTESS, mas dizem que o que garante a uniformização do salário é a formação e nos incentivaram a abrir um centro de formação profissional.
Para a Associação, quanto deveria ser o salário mínimo do camionista?
De acordo com a avaliação que fizemos devia ser 600 mil kwanzas. Estou a falar de camionistas que fazem longo curso, que conduzem trailers, enquanto os camionistas que conduzem camiões fixos deviam ganhar 300 mil kwanzas.
As empresas não pagam um valor justo aos camionistas. Se houver justiça na questão de fretes, a questão da empregabilidade também irá fluir, porque não é normal que os empreendedores passam dificuldades, essencialmente com a questão de peças sobressalentes que são muito caras.Muitas vezes vendem peças com preços elevados e querem pagar fretes baixos.
Quais são as províncias que têm os fretes mais caros?
As províncias que têm fretes mais elevados são Cabinda, Cunene e o Moxico. De Luanda a Cabinda, passando pelo Congo Democrático, está orçado em 3 milhões de kwanzas, e estão a ser feitas negociações para aumentar o preço por causa da tarifa que é paga durante os controlos para entrar no Congo, que chega a atingir o equivalente a 4 mil dólares.
Já os camionistas no Congo, para entrem em Luanda, têm de apresentar o passaporte e um valor mínimo equivalente a 50 dólares.
Existe uma negociação entre o governo da RDC e o governo de Angola no sentido de conformar os preços, mas não há uma concertação adequada até agora.
Constantemente se fala sobre uma negociação, sendo que recentemente o responsável da ATROMA esteve na RDC para abordar sobre o assunto.
O governo de Angola quer que se baixe os preços para conformar com a nossa realidade e o governo no Congo não quer, então o governo angolano achou por bem cobrar o mesmo preço, caso não reduza os custos, e a associação está alinhada à ideia do governo.
O dinheiro é cobrado pela AGT do Congo, que é o equivalente a 4 mil dólares contra os 50 dólares que se cobra à AGT em Angola.
O frete de Luanda para o Moxico está orçado entre um milhão a um milhão e 500 mil kwanzas, Luanda para o Cunene custa um milhão e 700 mil kwanzas.
A tendência é aumentar o valor do frete tendo em conta o aumento do preço do combustível, por causa da alteração estrutural de custo das empresas.
Actualmente, há muita concorrência desleal, porque cada um estipula o preço do frete, mas estamos a trabalhar para que o frete seja estipulado de acordo com a quilometragem.
Qual é a relação dos camionistas com os polícias ao longo da via?
A polícia procura motivos para tirar algum dinheiro do bolso do motorista e estão constantemente a passar multas, e a relação nem sempre é das melhores.
Muitas vezes, os polícias tratam mal os condutores ao invés de sensibilizar, sendo que as empresas é que deveriam ser multadas e não complicar os condutores que estão apenas a prestar serviços.
Vocês têm tido encontros com responsáveis do governo para apresentarem as vossas preocupações?
Sim, constantemente. Recentemente tivemos um encontro com uma equipa técnica que foi constituída por vários segmentos e os delegados das províncias a nível do transporte, onde definimos algumas regras para a melhoria da circulação dos transportes.
Apresentamos preocupações que consistem na reparação das vias, sinais de trânsito, instalação de balanças, bem como a abertura de uma linha de crédito para ajudar os camionistas.
Fomos orientados a apresentar a tabela de custos para reavaliar o frete e tenhamos uma avalanche para uniformizar os fretes das viagens.
Há relatos de roubo de mercadorias nas estradas. O que pensam fazer para evitar esta situação?
Tem havido assaltos durante o percurso, sobretudo no período da noite e durante a madrugada na Estrada Nacional 100.
Então, somos de opinião que os camiões deveriam deixar de circular à noite, porque não há iluminação, tão pouco segurança.
Temos registado roubos na via da cidade do Sumbe, por falta de iluminação, os meliantes abrem a mercadoria e vão tirando, algumas vezes colocam pregos nas estradas para facilitar os assaltos.
Quantos associados tem a Associação?
Mais de 2 mil associados a nível nacional e, com base nos projectos, queremos ajustar as quotas, de modo a realizar alguns projectos, como o funcionamento do centro de formação para camionistas, que entra em vigor este ano, a criação de uma cooperativa dos camionistas para apoiar os associados.
Estamos a trabalhar com a Nossa Seguros para garantir o seguro de vida dos camionistas que, muitas vezes, ficam inválidos sem garantia nenhuma.