Novo presidente de direção da associação dos empresários e executivos brasileiros em Angola, Raimundo Lima, é pela supressão de vistos nos passaportes dos cidadãos dos dois países, para o incremento da cooperação comercial. para ele, é uma questão política que deve ser resolvida com a máxima urgência. O empresário defende ainda que a falta de volume de carga de Angola para o Brasil pode justificar a presença isolada da TAAG neste negócio que não interessa às companhias brasileiras
Acaba de tomar posse como presidente da AEBRAN, uma associação que já teve mais visibilidade e que anda um pouco longe das expectativas. O que será agora desta associação que tem a responsabilidade de fomentar os negócios entre Angola e o Brasil?
É verdade, estivemos um pouco distante daquilo que planificamos, tudo por causa da pandemia. Angola é um país que para o Brasil tem uma grande importância, por ser uma espécie de porta de entrada para o actual governo em África.O Presidente Luís Inácio Lula da Silva já se manifestou a respeito da importância de Angola. Por outro lado, Angola possui uma relação histórica com o Brasil e com o seu povo. Outros países são importantes, mas os brasileiros têm uma atenção especial por Angola. Houve um interregno das nossas actividades, entretanto, estamos a voltar com toda força. Estamos a trabalhar para que a AEBRAN seja uma das associações de referência deste país, agora que estamos a completar 20 anos de existência.
As trocas comerciais entre Angola e o Brasil estão muito abaixo do expectável, isso mesmo antes da pandemia. O que vocês vão fazer de concreto para alterar este quadro?
Há uma série de actividades programadas neste sentido. Do ponto de vista específico, uma das primeiras acções será a criação da Câmara de Comércio Angola/Brasil, que vai assegurar uma relação mais próxima entre empresários dos dois países, e onde discutiremos a possibilidade de haver uma maior integração. Essa iniciativa da câmara vai promover e cimentar o intercâmbio comercial, industrial, turístico, tecnológico, cultural e o networking.
Essa câmara deve estar constituída em Julho. Agora vamos reunir líderes empresariais ligados ao comércio para troca de experiências e para aprovarmos os estatutos. Eu mesmo elaborei uma proposta de estatuto, até por uma “provocação” do departamento comercial da embaixada do Brasil em Angola, na pessoa do director Eduardo Lessa. Já está a ser distribuído para discussão.
Os números da balança comercial do último ano ainda estão em baixa…
Durante o período da pandemia a balança comercial caiu bastante, mas este ano houve uma melhoria. Fazendo uma análise do período de Janeiro a Abril do ano passado, com o período homólogo, as trocas cresceram muito. Houve um aumento na casa dos 112%, cujo valor foi de 586 milhões de dó- lares. Este valor corresponde apenas a três meses. No ano passado, as trocas comerciais cifraram-se em um mil milhão de dólares e 400 milhões, o ano todo.
É, na verdade, uma balança muito desequilibrada e que pende mais para o lado do Brasil…
É verdade. O petróleo de Angola tem algum peso, mas como disse e bem, há mais volume do Brasil para cá. Daqui para o Brasil é basicamente exportação de petróleo. Em todo o caso, o vosso país pode e vai continuar a crescer. E sabemos que há intenção dos dois Governos em incrementar as relações. E se nada falhar, o Presidente Lula da Silva deve estar aqui em Agosto, no quadro do périplo que vai realizar por África. A data está muito dependente do encontro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que Angola preside.
Além do negócio informal que é feito pelas senhoras que vão ao Brasil comprar roupas para vender por cá, qual é o produto que mais impacta na balança?
Do Brasil para Angola chegam grandes quantidades de carne bovina, gado, muitos produtos do agronegócio, fundamentalmente alimentares, equipamentos agrícolas e não só.
Agora que falou do sector agríco- la, acha que o Brasil devia ter uma participação mais activa no processo de diversificação económica de Angola, mormente na produção de cereais?
Tenho certeza absoluta! Pelo potencial agrícola que tem, o Brasil pode contribuir muito para o Planagrão e vai contribuir. Estamos a trabalhar nesta direcção. E não será apenas os brasileiros virem para se instalarem em fazendas, será também no domínio de assistência técnica. Temos uma empresa de pesquisa agropecuária, Imbrapa, que pode ser fundamental para Angola. Por outro lado, o Brasil acaba de enviar para cá um adido ligado à agricultura. Isso é um sinal muito forte do interesse no fortalecimento da cooperação neste domínio.
E nós, da AEBRAN, em articulação com a Câmara de Comércio, vamos ter na agropecuária uma das prioridades da nossa actuação, pois entendemos que o Brasil tem muito para contribuir no crescimento de Angola neste sector. Aliás, é reconhecido mundialmente como uma referência na produção de carne bovina e ovina. Em alguns produtos somos os maiores do mundo. Em 2003, quando a AEBRAN começou a funcionar, o Brasil tinha um crédito acumulado, para Angola, na ordem de 270 milhões de dólares. Mas não é só.
O Brasil já atingiu uma taxa de crédito de 3 mil milhões e 850 milhões de dólares para Angola, sendo 3,3 mil milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Economico e Social (BNDES), e 550 milhões por via do Programa PROES, virado para as exportações do Brasil. Este nível foi atingi- do em 2014, no Governo de Dilma Roussef. E de lá para cá nada mais foi financiado. E é bom dizer que Angola não deve nada ao Brasil. Pagou tudo.
Sendo Angola um bom pagador, porquê que houve interregno ou o esfriar das relações?
Foi uma questão de decisão política dos Governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro. Em todo o caso, tenho a plena certeza que esses financiamentos dos Brasil para Angola serão retomados, até porque não há dívida. Estes financiamentos estiveram ligados às obras e tiveram um peso importante para o Brasil, pois muitos dos seus cidadãos vieram para cá trabalhar, houve exportação de serviço e de uma relação de proximidade mais forte. São operações mutuamente vantajosas.
Sendo que as relações
Angola-Brasil caminham para a sua normalização, se assim podemos considerar, acredita que estão criadas condições para a entrada de empresários brasileiros na indústria? Já houve um período em que a rentabilidade dos negócios em Angola era bom. Se forem criadas condições de estabilidade para o investimento, como facilidade para a chegada dos empresários, especialistas que podem trabalhar na formação, seria bom. Não basta a interacção entre os empresários, é preciso que haja repatriamento de capitais de forma segura.
“Supressão de vistos, o grande dilema”
Acredita que estão reunidas as condições para empresários brasileiros possam voltar, em peso, para Angola, sobretudo na indústria? Tomamos posse e vamos começar agora a desenvolver as nossas actividades. Vamos buscar os meios para estabelecer a Câmara de Comércio, que vai acontecer em Julho, e estamos a trabalhar de forma afincada para isso. Esperamos ser prestigiados pelo Presidente Lula que vem em Agosto. É preciso entender que as coisas não acontecem do nada.
É preciso novas atitudes do lado dos dois governos para que a cooperação se solidifique, para que haja maior atractividade para os empresários brasileiros. É aí que acho que deve haver maior abertura do lado de Angola no sentido de incentivar a vinda de empresários e pro- fissionais qualificados capazes de fazerem a transferência de experiência. Os vistos para os empresários, de trabalho e não só, devem ser facilitados. Aliás, nós, AEBRAN, somos a favor da supressão de vistos. Somos a favor da abertura das fronteiras com Angola, como acontece entre o Brasil e Portugal.
No seu entender, porquê que não acontece com Angola?
É uma questão de decisão política que precisa ser tomada pelos dois países. Nestes 20 anos, esta tem sido uma das nossas lutas junto dos dois Governos. Não temos êxito, mas vamos continuar.
E as ligações aéreas entre os dois países, o que lhe diz?
Precisa ser melhorada do ponto de vista de número de ligações, qualidade de serviço, bem como nos preços dos bilhetes praticados pela TAAG. É bom que sejam criadas condições e custos mais baixos. Se houver mais uma companhia, além da TAAG, teríamos concorrência e seria óptimo. Todavia, o que queremos mesmo é acabar com a “discriminação” por parte da TAAG.
O que considera discriminação?
Eu explico: por quilómetro de viagem para o Brasil-Angola-Brasil é muito mais cara comparativamente à Espanha ou Portugal. E é a mesma companhia. É por aí que defendemos a redução dos preços. Não tem como ser mais caro o quilómetro na rota Luanda-São Paulo (Brasil) comparativamente a Lisboa ou Madrid.
A TAAG assume as ligações para os dois países sozinha. O que sabe sobre o interesse das empresas aéreas do Brasil sobre Angola?
Este é um segmento muito específico, que se rege por leis próprias, de organizações internacionais, e também é tutelada pelos Governos. Por outro lado, o volume de carga trans- portado do Brasil para Angola pode justificar a presença isolada da TAAG neste negócio que não interessa às companhias brasileiras. Quando se voa de Luanda para São Paulo, o avião leva apenas passageiros, e não tem carga nenhuma. Este pode ser um factor de inibição das companhias, pois não há aqui viabilidade económica.
Mas o Brasil já teve a VARIG a ligar Angola…
Sim, já faz muito tempo. E não havia carga. E isso pode ter contribuído também para o fim das operações.