Cenário de dívida pública com rácio de 66% do PIB e esforços na gestão proactiva da dívida pública, através da renegociação em várias vertentes, alivia necessidade de esforço adicional para nova reestruturação da dívida, mas mesmo quando esteve acima dos 120% não foi considerada insustentável
Nas reuniões de Primavera do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), em que Angola esteve representada por uma equipa liderada pela ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa, foram abordados os principais indicadores macro-económicos e as medidas em curso a nível da gestão da dívida pública.
Entre os esclarecimentos, Vera Daves de Sousa apontou que o Orçamento Geral do Estado 2023 prevê o serviço da dívida pública na ordem dos 45% e as Eurobonds representando cerca de 19% do stock da dívida pública. Segundo o economista Heriwalter Domingos, isso indicia fundamentalmente a preocupação cada vez maior a nível do comprometimento da gestão da dívida pública.
O economista diz ainda que, na sequência da reunião de primavera e outras, foram extraídos alguns elementos que, certamente, permitem uma reflexão em duas velocidades: a primeira passa pela sustentabilidade da dívida pública angolana e a segunda com a abordagem ao processo de reestruturação da respectiva dívida. Assim, para Heriwalter Domingos a sustentabilidade da dívida pública, a nível do pragmatismo económico, é considerado como a capacidade de um país cumprir com as suas obrigações da dívida sem requerer o respectivo alívio ou acumular atrasados recorrentes.
Não significando, deste modo, que deixa de haver margem para renegociação do serviço da dívida, como por exemplo a negociação no âmbito dos acordos bilaterais ou a adesão à iniciativa da suspensão do serviço da dívida, o Debt Service Suspension Initiative (DSSI). Neste contexto, explicou, mesmo quando o rácio da divida pública sobre o PIB rondava cerca de 130%, a dívida pública angolana não foi considerada como insustentável. No cenário actual, a questão da sustentabilidade continua a ser um desafio que requer um policiamento continuo e a respectiva implementação de medi- das de impacto que possibilitem a respectiva restruturação da dívida pública.
Actualmente, o rácio da dívida pública sobre o PIB ronda os 66%, como informou a ministra Vera Daves, o que significa que não será necessário muito esforço a nível do processo de reestruturação da divida pública para atenuar o peso do serviço de dívida pública no Orçamento Geral do Estado. Dívida titulada com peso de mais de 90% no endividamento interno O Plano Anual de Endividamento (PAE), que serve como guia de endividamento do Executivo, aponta para um stock de dívida de 39.374,67 mil milhões de kwanzas em Dezembro de 2021. Em Dezembro de 2022 esteve em 39.840,65 mil milhões de kwanzas, cerca de 78 mil milhões de dó lares.
Centrando em 2022, os dados do PAE indicam que 9.926,43 cor- respondem ao stock de dívida in- terna, 29.914,22 correspondem ao stock de dívida externa, enquanto o endividamento líquido ficou- se, no mesmo período, em 351,19 mil milhões de kwanzas, cerca de 693,6 milhões de dólares, de acordo com o câmbio do BNA. Neste contexto, a dívida interna estava em quase -1,3 mil milhões, portanto em terrenos negativos, enquanto a externa andava pelos 1,6 mil milhões. Valores iguais aos previstos também no Orçamento Geral do Estado (OGE). Os mesmos dados mostram ainda que a captação de recursos está prevista para um total de 10,74 mil milhões de dólares.
A captação interna deve-se posicionar nos 4,76 mil milhões de dólares. Neste capítulo, há uma espécie de classificação do endividamento interno. Um primeiro que é a Dívida Titulada, que vai vai ficar nos 4,44 mil milhões de dólares, cor- respondendo a a mais de 90% do endividamento interno, e outro que é o contratual, que vai se situar nos 0,32 mil milhões de dólares.
Obrigações de Tesouro
Os planos do Executivo apontam para um endividamento via Bilhetes do Tesouro com peso de 30%, Obrigações do Tesouro (63% ) e Contratos de Mútuo (7%), sendo que a modalidade de endividamento preferida pelo Executivo e apresentada no PAE é mesmo a venda de Obrigações do Tesouro (OT) em moeda nacional, com peso de 51%. No campo das maturidades, ou seja período de pagamento aos investidores, destacam-se os Bilhetes do Tesouro (BT), com maturidade de 365 dias, ou seja, um ano, com peso de 40%.
Seguida de perto pelos mesmos títulos com maturidade de 182 dias, ou seja seis meses, com peso de 35%. De acordo com os dados do PAE, o endividamento em moeda nacional ficará pelos 83% do total da carteira da dívida interna e o endividamento em moeda estrangeira pelos 17% do total da carteira de dívida interna. Um movimento que materializa a intenção do Executivo de diminuir o endividamento em moeda estrangeira e, consequentemente, o peso da mesma nas operações da organização. Importa realçar os dois momentos para os desembolsos, nomeadamente um primeiro em Março e outro em Julho.
Dívida externa
Por outro lado, o plano de endividamento externo cifrou-se em 5,98 mil milhões de dólares, sendo 2,8 mil milhões de dólares de dívida titulada e outros 3,18 mil milhões de dólares de dívida contratual. Aqui, há uma apresentação mais clara do peso dos financiamentos por instituição. Assim, são 24% do IBRD/Banco Mundial; SCB; BNP Paribas e Deutsche Bank, 15% do Banco Mundial, 11% do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e outros 12% da GSAFETY e Deutsche Bank, sendo 6% para cada.
Destes financiamentos, o Ministério da Energia e Águas (MINEA) é campeão dos benefícios, recebe 55% do total dos financiamentos contratuais, seguido de longe pelo Ministério dos Transportes (MINTRANS) que recebe 13% e da tesouraria do Governo que recebe 11%. Os dados da Previsão Mensal de Desembolsos dos dinheiros recebidos no exterior são marca- dos por maiores fluxos em Fevereiro e Agosto do ano de 2022. Assim, a divida externa representa 60% e a dívida interna 40% do endividamento público, sendo que, para o economista, questões ligadas à sustentabilidade da dívida e o processo de reestruturação devem imprescindivelmente fazer parte das principais agendas de reflexão sobre a visão de Angola a nível do mercado financeiro internacional.
BFA e BAI controlam mais de 40% da dívida governamental
Os dados do PAE mostram ainda que a dívida governamental deve chegar aos 14,92 mil milhões de dólares, sendo que 8,71 mil milhões de dólares de Dívida Interna. O banco BFA continua a ser o maior financiador do Governo, com peso de 26%, seguido do BAI, com peso de 21% e depois o BIC que é dono de 11% da dívida governamental interna. Por outro lado, são 6,21 mil milhões de dólares de dívida governamental externa. Importa realçar que só em juros e comissões o Estado pague 2,75 mil milhões de dólares e depois mais 3,46 mil milhões para amortização da dívida.
O serviço da dívida governamental indica que o mês de Dezembro de 2022 foi mais exigente em termos de cumprimento do serviço da dívida, já que foram gastos 603 mil milhões de kwanzas, segui- do pelos cerca de 593 mil milhões desembolsados em Junho do mesmo ano. Os dados do PAE mostram que a dívida governamental corresponde a 82% da receita fiscal e cerca de 65% das receitas petrolíferas.