Apesar da desaceleração do câmbio, facto que resultou na quebra de facturação nos últimos anos com a venda e troca de divisas, os comerciantes desta actividade encontraram na venda de recargas telefónicas nova forma de rendimento
Uma das actividades informais mais antigas do país, sobretudo na cidade capital, a troca de moeda na rua, exercida pelas conhecidas kinguilas, continua a resistir ao tempo, mas com a oscilação e a escassez de divisas, a cada vez mais apertada fiscalização, vai aos poucos diluindo o negócio. Aliás, hoje com a reforma da política cambial iniciada em 2018 pelo Banco Nacional de Angola (BNA), política monetária restritiva e as reformas ao sistema financeiro tornaram o mercado informal quase insignificante. Quem continua no exercício desta actividade afirma que tem vivido tempos difíceis, assinalados com as quebras da facturação e “perseguição pelas autoridades”.
Mas o serviço de kinguila continua a ser uma relevante fonte de renda para muitas senhoras que não encontraram alternativas de emprego para sustentarem as suas famílias. Rosa Cambambe, 45 anos, kinguila há mais de 10 anos no mercado da Sanzala, em Viana, conta que já trabalhou com quatro filhas e duas sobrinhas.Recorda que o trabalho já foi rentável chegando a trocar cerca de 1000 dólares por dia, mas que nos dias de hoje, em média, consegue fazer a troca de apenas 200 dólares.
“Aos fins-de-semana, eram os dias que mais clientes recebiam para fazer a troca e tinham uma facturação, na altura, de mais de 4 mil kwanzas por cada 100 dólares trocado”, recordou Segundo ela, “hoje este rendimento reduziu para 2 mil kwanzas de facturação nos dias em que conseguem fazer a troca de alguma moeda estrangeira,” ressaltando, no entanto, que foi com o dinheiro da actividade kinguila que conseguiu pagar a escola das filhas que conseguiram, inclusive, entrar para o ensino superior com os ganhos desta actividade. Mãe de quatro filhas e viúva, sublinha que cobre a renda de casa para além das outras despesas no seio da família, testemunha conhecer antigas colegas que dos ganhos da actividade conseguiram organizar as suas vidas ao encontrar outros empregos.
“Daqui já saíram cozinheiras que foram parar em grandes restaurantes no centro da cidade e inclusive auxiliares de limpeza do Ministério da Educação nas escolas daqui do bairro, bem como algumas que conseguiram criar os seus próprios negócios para a venda ambulante e continuar a sobre- viver como podem”, realçou. O ambiente é semelhante nos vários pontos em que a reportagem de OPAÍS visitou, em que o acenar das notas nas mãos deixou de ser uma realidade.
Independentemente do ponto de troca, era comum perto dos bancos comerciais, estacionamentos dos super- mercados e praças, a presença de kinguilas com as notas às mãos a balançar de um lado ao outro em jeito de chamariz aos clientes. Hoje é praticamente inexistente, o que contrasta com anos anteriores em que o diferencial entre a taxa do cambio da rua e o oficial estava acima de dos 100% e permitia ganhos avultados, o que já não acontece actualmente.
Perigo dos bandidos
Com 30 anos de idade, Marcial Chissengue, pai de dois filhos, é kinguila no Calemba 2, no município do Kilamba Kiaxi, onde trabalha com mais de 15 colegas, conta que, desde que a banca subiu o valor das divisas, as trocas no mercado informal ficaram difíceis. E atirou: “quase que já não vimos o dólar”. “Sem falar dos riscos a que estamos submetidos, deixamos de abanar dólares por estarem difíceis e pelo medo que temos dos bandidos que nos têm acompanhado no dia-a-dia”, disse. Reforça que já assistiram a várias episódios de roubos em que muitos chegaram a perder a vida nas mãos dos meliantes, enquanto exerciam a actividade de kinguila nos mercados informais, “aqui na praça no calemba 2, principal- mente”, disse.
Saldos: a nova fonte de sustento
“Hoje eu e as demais colegas que comigo trabalham só conseguimos nos manter devido às vendas de recargas telefónicas, pois as trocas e vendas de divisas estão quase em extinção. Os clientes do dólar desapareceram”, desabafa Isabel Ndunduma, que exerce a actividade kinguila há 17 anos, em Viana. Na ronda efectuada por este jornal, constatou-se que, mensalmente, de uma caixa de saldo de 500 kwanzas por cartão conseguem tirar lucro de 17 mil. Entretanto, se for uma caixa de saldo de 1.000 kwanzas por cartão, o lucro corresponde a 15 mil kwanzas.
Os comerciantes ouvidos por este jornal sublinharam que “se conseguirmos vender durante um mês cerca de vinte caixas de saldo de qualquer valor que for, teremos o retorno de 60 mil kwanzas de bônus vindo das agências Unitel, que é uma espécie de crédito que se vai pagando de forma gradual”. “O negócio que está a bater agora para as kinguilas aqui na Vila de Viana é a venda de saldo e fazer levantamentos em TPAs quando há muita demanda de dinheiro, pela escassez que tem havido nos bancos e falta de sistema”, disse Landu Inês, kinguila há 4 anos na Vila de Viana.
Há cinco anos no exercício da actividade kinguila, Pedro Joaquim Caluassi decidiu fazer trocas de divisas, levantamento em dinheiros em TPAs ganhando comissão de 10% e vendendo recargas telefónicas por causa do desemprego, depois de ter saído das bombas de abastecimento de combustível da Sonangalp, onde era técnico. “Para não enveredar em outros caminhos ilícitos, preferi ser kinguila, começando com o dinheiro que consegui juntar quando estava a trabalhar nas bombas”, contou. O lucro deste trabalho ajuda- me a sustentar os meus filhos e a minha esposa. “Diariamente consigo levar 4 mil kwanzas a casa por cada nota trocada ou vendida. Mensalmente, apesar dos altos e baixos, consigo ter 50 mil kwanzas”, sublinha.
POR: Francisca Parente