Depois de ter dirigi- do a associação dos Hoteleiros em Benguela por mais de 30 anos, Jorge Gabriel faz um balanço do desenvolvimento deste sector a nível do país, aponta as dificuldades e estratégia para o seu alavancar, tendo em conta que angola está aberta ao turismo para mais de 100 países. No entanto, apela ao apoio dos bancos com taxas de juros mais reduzidas e sem grandes burocracias
Qual é o balanço que faz dos mais de 30 anos em que esteve à frente da Associação dos Hoteleiros da província de Benguela?
O balanço é positivo, se tivermos em conta tudo o que foi feito durante os últimos anos no sector da hotelaria e turismo e o que representamos hoje. Por exemplo, há 30 anos, Angola era considerada um dos piores destinos turísticos do mundo por diversas razões sociais, como a guerra, falta de estradas e perigo das minas. Actualmente, Angola está aberta para mais de 100 países com uma política de fomento ao turismo, lançada através do Plano Nacional de Fomento ao Turismo (PLANATUR), bem como políticas bancárias, conforme o Aviso n.º 10 [do BNA], que estabelece que os hoteleiros devem beneficiar de apoio. Por outro lado, existem as plataformas de divulgação e sensibilização a nível da população de como receber e respeitar os turistas, respeitar o turismo sustentável e proteger a natureza e as infra-estruturas.
Então foram muitos ganhos. Termina a missão satisfeito?
Além de tudo, o maior ganho foi sem dúvida a vontade política do Executivo angolano, que não olhava para o turismo como um elemento válido e contributivo para o PIB nacional e a empregabilidade. Hoje se tem o turismo como uma das fontes de recolha de receitas. Saio da missão de cabeça erguida e com sentimento de dever cumprido, porque sei o quanto nos dedicámos para estarmos neste ponto, em que Angola está entre os 10 destinos turísticos do mundo para 2024.
Qual foi o contributo de Benguela a nível do turismo?
Benguela foi uma das pioneiras e a mola impulsionadora do turismo a nível do Centro e Sul de Angola. Estabelecemos parcerias com o Huambo, Cuanza-Sul, Huíla e Namibe, e a nossa Associação deu o seu contributo para a divulgação do sector. O primeiro estudo do plano director que serviu de Plano Nacional foi feito em Bengue- la, através do realizador Ladislau Fortunato, da Televisão Pública de Angola (TPA), em colaboração com a Associação e a Direcção de Hotelaria, na altura chefiada pela Alice Cabral, e agora abraçada pelo nosso sócio Jorge Nunes.
Fomos das vozes mais gritantes a nível do país que defendiam que o turismo era necessário e o único que faria entrar receitas com os turistas de outros países. [Defendíamos] que precisávamos de uma política de fomento ao turismo, através do Instituto de Fomento Turístico (INFOTUR), e que Benguela devia ter acesso ao crédito sem burocracia, com taxas de juros abaixo de 7%.
E na Hotelaria?
Benguela foi das primeiras [províncias] a divulgar os hábitos e costumes da região por intermédio do concurso de gastronomia, que começou numa brincadeira internamente e já vai na 14.ª edição, com participantes vindos de outras províncias e do exterior do país. Tudo isso foi trabalho realizado pela Associação dos Hoteleiros em Benguela. Em nenhum momento parámos para reivindicar apoio à classe, acho que o nosso papel foi e continua a ser feito. As primeiras formações itinerantes no país foram feitas nas províncias de Benguela e Luanda. Refiro-me aos cursos de Pastelaria, Recepção e Andares, Caixa e Gestão de Stocks. Demos o nosso contributo para a mudança do sector da Hotelaria e Turismo a nível nacional.
A falta de formação profissional tem sido a principal queixa dos operadores económicos?
A Associação continua a fazer formações itinerantes on-line, a dar apoio através da aliança empresarial às pequenas e médias unidades, como estudo de viabilidade, entre outros apoios. Com a nova direcção foi criada uma sede própria com equipamentos de trabalho como computadores, impressoras e outros para auxiliar nas formações. Por outro lado, a Associação tem dado voz e espaço àquelas unidades hoteleiras que não têm como aceder ao financiamento ou aos serviços da Administração Geral Tributária (AGT), da inspecção de saúde… Temos consciência que se pode fazer muito mais. No entanto, atendendo as dificuldades, não tem sido possível.
Sabemos que muitas unidades hoteleiras carecem de restruturação. Localmente tem havido apoio?
Não. Uma das nossas grandes lutas foi precisamente a falta de apoio. Comparativamente às unidades hoteleiras que existem há mais de 30 anos, as recém-construídas surgem com melhores estruturas e recebem apoios que os hoteleiros mais antigos não usufruíram. É necessário que se criem políticas de financiamento mais abrangentes e sem restrições no sector. Se não tiveres uma política ou linha de financiamento, não se consegue desenvolver o negócio, sendo que os hoteleiros que estão a surgir beneficiam de mais vantagens em relação os mais antigos. Outra grande ajuda passa por chegar junto aos bancos e conseguir financiamento com taxas de juros mais reduzidas e sem grandes burocracias. Tal como acontece com os outros sectores, precisamos de oportunidade. Há 40 anos que a classe hoteleira não beneficia de uma política de financiamento ou apoio bancário, é altura de olhar para o sector e criar uma política com taxa de juros a baixo de 20%.
Além do crédito bancário, que apoios faltam?
Precisa-se de maior apoio político e o governador de Benguela, Luís Nunes, comprometeu-se em apoiar a classe. De igual modo, devem ser criadas políticas de segurança nas zonas turísticas e infra- estruturas para impedir o vandalismo nos locais turísticos, como as praias da Ponta da Restinga até à Baía Azul.
A Banca está mais acessível ou nem por isso? Antes do Aviso n.º 10, os bancos impunham muita burocracia e [havia] exigências do próprio Estado. Muitos empresários estavam na condição de credores/devedores e não podiam ir ao banco porque não beneficiavam de uma declaração das Finanças de não devedores, situação que fazia as unidades hoteleiras se degradarem e causava prejuízos para o sector e a classe. Actualmente, temos apoio e a classe hoteleira se apresenta mais protegida junto dos bancos.
Neste momento, quantos hotéis e similares existem a nível de Benguela?
No total, Benguela dispõe de 1.600 (mil e seiscentas) unidades, entre elas 32 hotéis, perfazendo um total de 6 mil camas. A província, durante muitos anos, foi auto-suficiente na restauração. Sempre foi um dos melhores destinos para se comer a preços acessíveis.
Nos últimos anos, houve expansão da rede hoteleira?
Com o surgimento da crise económica e depois a Covid-19, a classe hoteleira regrediu por falta de apoio. O Governo, mesmo recebendo apoio da Organização Mundial da Saúde [OMS] e outros organismos, não distribuiu para alguns sectores. Na época da Co- vid-19, foram encerradas muitas unidades hoteleiras que hoje estão a recuperar os serviços, como é o caso do restaurante Escondidinho, o Hotel Mombaka, os hotéis ligados ao grupo Praia Morena, o Sol e Mar, o Rio Mar, na zona da Catumbela, e o CV Lodje. Todas estas unidades estão a reabrir.
Há quem diga que hotelaria em Benguela cresce apenas na zona do litoral. O que se passa com o interior da província?
Ainda bem que fala sobre isso… O turismo rural a nível da província de Benguela é tão forte quanto o sol e o mar. O que acontece é que no interior está totalmente abandonado por falta de acessibilidade. A falta de estradas secundárias e terciárias faz com que não haja turismo nestas regiões, razão pela qual é mais fácil investir no litoral que no interior. Temos as melhores praias do mundo em Angola. Existe uma praia que sai de Benguela até ao deserto do Namibe onde anteriormente não havia estrada que ligasse esse trajecto. Feliz- mente estão em curso [a construção de estrada] e faltam apenas 20 quilómetros para a sua conclusão, o que será uma mais-valia para o turismo.
Há condições para que o sector possa crescer em todos os municípios?
Todos os municípios de Benguela têm o seu potencial para o turismo, quer seja rural ou de sol e mar. Se forem criadas políticas de apoio, bem como destino turístico direccionado, todos podem desenvolver em grande escala. Por exemplo, na zona do Balombo existe uma área em que se pode tomar banhos térmicos e já na Ganda a política do café. Temos o turismo religioso, o místico, na zona do Dombe Grande, entre outros.
Não teme que Benguela possa perder turistas para o Huambo, Huíla, Cuanza-Sul e até para o Namibe, caso não haja investimentos nas infra-estruturas?
Benguela reduziu na escolha dos turistas, em relação ao Lubango [Huíla] e ao Namibe por uma razão muito simples: a província era dos melhores pontos turísticos e lugar para se viver, em termos de tranquilidade. Porém, com a desordem do trânsito que existe em Benguela e o aumento do índice de criminalidade, os turistas estão a preferir outras regiões. É preciso disciplinar, para que Benguela não perca a categoria de segundo destino turístico em Angola.
Apesar da desordem, como referiu, Benguela tem sido a escolha de muitas pessoas para passar o final de semana, feriados prolongados e a quadra festiva. Os serviços correspondem à demanda?
Benguela continua a ser auto-suficiente em termos de restauração. Já em relação à prestação de ser- viços, baixou um pouco de qualidade, porque os profissionais não têm acompanhado a evolução, no que diz respeito à formação. Precisa-se de funcionários à altura para prestarem serviços de qualidade. Esta província é conhecida como “a Terra das Acácias Rubras” por causa da colorida presença dessa bonita árvore. Temos os Flamingos, e é também conhecida pelas suas praias e pelo Porto do Lobito, o segundo mais importante do país. Penso que tudo isso atrai visitantes, o que é uma mais-valia para todos.
Em termos de empregabilidade, qual é o contributo do sector na província?
A hotelaria é o sector que mais em- prega. É bem verdade que com salários baixíssimos, porque em Angola a hotelaria é das classes mais pobres, se comparado com outros países. A meta era atingir 5 mil postos de trabalho e receber 15 milhões de turistas nos próximos anos. Caso aconteça, o sector irá empregar mais pessoas. Para que se possa empregar mais pessoas, é preciso que se preste apoio à classe hoteleira, como financiamento e benefícios sociais, de asseguramento aos estabelecimentos e se destaque mais agentes de trânsito na rua para maior protecção [dos turistas] contra os motoqueiros.
Que projectos ficaram por finalizar no seu mandato?
Penso que é a questão da formação profissional no sector da hotelaria e turismo, que acredito ser extensiva em quase todo o país. Benguela não tem uma escola de formação de hotelaria, o que condiciona a prestação de serviços de qualidade. Existe uma escola de ensino médio que trata somente da parte teórica e a prática não existe.