Entrevistado pelo Jornal OPAÍS, o empresário Gentil Viana aponta caminhos para uma melhor produção de frutas e caminhos para que o sector da agricultura possa desenvolver-se. O também presidente da Rede Camponesa afirmou ainda que temos uma economia agrária por’ adivinha’ e que o petróleo afectou a agricultura. O responsável associativo defende igualmente que as estradas não são o grande problema do sector
POR: Miguel Kitari
Como avalia a cadeia produtiva de bens alimentar no país?
Estamos a dar passos bastante acelerados e concentrados, pois identificamos uma série de problemas relacionados com a desestruturação da cadeia produtiva. Temos consciência de que vai haver necessidade de investirmos na estruturação da nossa cadeia produtiva. Este é o problema central que temos. Os operadores investem mas continuam a fazê-lo de forma desintegrada. Temos um país de pessoas inteligentes, que tiveram acesso ao mundo, temos igualmente muitas infra-estruturas, fábricas, fazendas, no entanto, acabam por não ter efeito directo na vida da grande maioria. A nossa sobrevivência esteve virada para o petróleo. A venda do petróleo passa para o Estado que, por sua vez, contrata operadores que importam bens de consumo para o país.
E as estradas não constituem um problema para a cadeia de produção?
Não! Não é um grande problema. O que se passa é que temos uma desorganização interna. As nossas estradas, comparativamente às dos outros países, estão em melhor estado.
Mas a produção está no interior e não propriamente ao longo das estradas nacionais…
Tem razão. Reconheço que não deixa de ser um problema, mas não é o assunto central. Onde há estrada não se consegue processar a cadeia produtiva, organizar e exportar. E em relação a isso, penso que não é o Estado que deve resolver os problemas da agricultura. É um assunto para os operadores privados, cabendo apenas ao Estado acompanhar. É assim que funciona em alguns países africanos que conheço. Por exemplo, estivemos agora na maior feira de frutas do mundo e estavam lá representantes do Ruanda, o Ghana, a Costa do Marfim, que ao países com poucas infra- estruturas mas que estavam lá a vender toneladas de frutas e vegetais. E esses países transformaram- se em principais fornecedores de frutas para a Europa. No entanto, não possuem grandes estradas. Mesmo no tempo do café, quando Angola era uma referência mundial, não havia telemóveis para fazer contactos, não haviam grandes estradas. A pirâmide estava muito bem estruturada. Havia alguém que produzia, outro que recebia, e depois o processamento. Era assim até chegar ao navio para ser exportado. As grandes fazendas produziam, naquela altura, apenas 30% do café. A maior parte era produzida pelos pequenos agricultores. Isso acontecia há perto de 50 anos, então hoje podemos fazer melhor. Aliás, em Madagáscar ainda se processa assim e eles são os maiores exportadores de um tipo de fruta para a Europa. O que se passa é que estamos a trabalhar de forma isolada. Não vamos atingir altos patamares.
Então o nosso problema está na organização?
Absolutamente! Temos problemas do topo à base. Ainda temos dificuldades em compreender que o agronegócio é feito em cadeia assente na agrologística.
Falou que o Madagáscar está a exportar fruta em grandes quantidades para Europa. Entretanto, temos frutas que se estragam como foi agora o caso do morango na Huíla. No seu entender, o que deve ser feito?
É o mesmo problema. Segundo consta, são Kz 100 milhões de prejuízo. Dizem ainda que não há infra-estruturas, agroindústria e processamento. Não concordo com este argumento, uma vez que quem produz não é suposto ter todas as infra-estruturas. Essa maneira de conceber a economia, em que você vai produzir e a sua produção vai abastecer uma fábrica inteira não é a mais acertada. Uma fábrica precisa de muito mais apoio. Uma fábrica só se justifica quando se produz em quantidade, mas sem fazer o mesmo produto e todos abastecem a fábrica, que precisa de trabalhar 24 horas ao dia. Não é concebível que alguém tenha a própria fábrica no interior da sua fazenda.
Na mesma senda, há muito tomate a estragar-se pelo país, sobretudo no Namibe e na Matala, província da Huíla. Para esses casos justificase a instalação de agroindústria?
Tem ideia de quantas fábricas de processamento de tomate existem pelo país? Instaladas, equipadas com linha de montagem com custo de investimento de milhões de dólares…no mínimo sete ou oito. Elas existem. A fazenda Giasop tem uma linha de massa tomate, a fazenda-27 tem uma linha de tomate que consome mais de 120 tonelada de tomates por dia. Existe uma outra na Funda que também processa. Por que é que elas não funcionam? Por quê as pessoas tem fábrica de tomate mas não se ligam à cadeia agrologística dos produtores? Neste caso podem ocorrer duas coisas: ou o produtor produz quando a fábrica não está operacional ou quando ele produziu o tomate não houve logística para levá-lo à fábrica. Há ainda um outro problema: o tomate plantado pode não ser o ideal para o funcionamento da fábrica. Depende do equipamento. Isso requer concertação entre o agricultor e o comprador. E é importante dizer que as fábricas de massa de tomate têm carácter sazonal. Funcionam num determinado período e depois param. Dependem da produção no campo. Em função do exposto, posso afirmar que temos uma economia agrária por advinha. Faço essa afirmação pois as pessoas trabalham com base na fé e “atiram” um determinado produto ao solo. Por exemplo, plantamos com um preço e quando chegamos ao mercado o preço é outro, uma vez que quase todos os agricultores de uma determinada região cultivaram o mesmo produto. São questões que deviam e podem ser acauteladas.
Nos últimos tempos noticiou-se muito sobre exportação de banana, sobretudo quando começou o problema das divisas. É uma operação oportuna?
Já temos auto-suficiência na produção da banana. Portanto, trata-se de uma operação normal. Agora, temos estado a importar muita coisa que não devíamos. É o caso da batata, e existem outros casos. Entretanto, a exportação da banana é correcta. E a Nova Agrolider tem feito muito bem este trabalho de exportação. Trata-se de uma empresa que não depende do apoio do Estado. Quando vamos ao mercado internacional temos de nos defender com os nossos argumentos, e que não faltam. Aliás, temos argumentos muito fortes. Os produtos que o país produz são mais naturais, têm mais gosto, têm cheiro e vantagens superiores comparativamente aos outros países. Por exemplo, a fruta cultivada na América do Sul já não tem qualidade, pois há um cultivo intensivo e os solos já não suportam mais. Eles precisam de reforçar a qualidade da terra com químicos. E nós temos terras que nunca foram utilizadas, sobretudo na linha do Lobito (Benguela) ao Luau, no Moxico.
Falou e com algum ênfase que o sector da agricultura ainda está desorganizado. No entanto, sabemos que a Rede Camponesa firmou um contrato com a ENANA para a abertura de câmaras de frio. É já um passo no sentido da organização?
A ENANA é um operador e não é o Estado. A ENANA fez muitos investimentos, reabilitando e modernizando Aeroportos pelo país que têm condições para receber câmaras de frio. E alguns já possuem câmaras de frio, como é o caso do de Benguela. A câmara de frio ajuda a reduzir a pressão da temperatura e a alongar o tempo de maturação da fruta. Estive no aeroporto do Ghana, dentro de uma estrutura para exportação de frutas, e eles não usam câmaras. E exportaram muitas quantidades, pois o produto chega e é logo nos aviões de carga para ser levado para os países de destino.
E qual é o foco com o acordo com a ENANA?
Já lhe explico: uma vez que o Banco Nacional de Angola tem dificuldades em satisfazer os empresários em termos de divisas, temos que encontrar saída para termos esse dinheiro o mais rápido possível e equilibrar as operações e isso passa por exportar o que já está disponível. E o que já está disponível é a madeira, o peixe, e os produtos agrários em fresco, mesmo que não estejam industrializados. E foi aí que a Rede Camponesa decidiu focalizar a sua atenção.
Muita gente receia entrar no negócio da agricultura por causa dos riscos que acarreta. Qual é o seu entendimento em relação ao seguro agrícola?
A minha ideia é que 99% daquilo que a gente teme não acontece. Por isso penso que o seguro agrícola é uma questão secundária, não é uma questão do momento. A vida é um risco. Por exemplo, um empresário não pode dizer que não viajou de avião porque está com medo que ele caia. Assim nunca consegue fazer negócios.