Em entrevista a OPAÍS, o presidente do Conselho de Administração da Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG), Elmer Serrão, falou de um sector com “vida” e que entusiasma, que já passou o estágio de maturação, mas também de uma fase difícil do sector por conta do posicionamento da AAA que, como frisou, “desrespeitava a Lei”. Para já, anunciou a entrada no mercado de mais duas seguradoras nos próximos tempos
Tem sido possível agregar os valores Integridade, Independência, Transparência na busca pela materialização desta tarefa essencial que é proteger os tomadores de seguros e fundos de pensões?
Sim, tem sido possível incorporar os valores. Aliás, o serviço público para o qual nos comprometemos obriga. São essenciais para cumprirmos as nossas obrigações, posso mesmo dizer que são critérios fundamentais da nossa actividade.
Quais os principais desafios da ARSEG?
Os desafios começam na própria ARSEG, no sentido que vamos fazendo coisas para melhorar o nível profissional e funcional da instituição.
E tem conseguido?
No geral, sim. Há, naturalmente, momentos em que temos dificuldades, mas entendemos que por vezes não é o momento certo para olhar para certa questão, mas não desistimos. Ao contrário, é momento de reagrupar e voltar a tentar materializar o objectivo.
Uma instituição com tantas responsabilidades como a ARSEG tem naturalmente dificuldades. Como olha para as dificuldades?
As dificuldades fazem parte dos desafios que enfrentamos. Elas são o combustível catalisador para a nossa motivação e empenho. E veja, prefiro olhar para elas como desafios para não criar crenças limitativas.
O que acha que faltar fazer?
Acho que é altura de a ARSEG se organizar internamente. Focar a actuação no acompanhamento das empresas. No esclarecimento das novas exigências legais, fundamentalmente isso.
Sabemos que a ARSEG tinha uma Estratégia 19-23 (2019-2023). Em que medida foi implementada?
Sim, tínhamos foco de cumprir com a estratégia 19-23 definida pelo antigo Conselho de Administração. Fizemos progressos nalguns itens como o caso do avanço da nova Lei, a 18/22.
Ficou-se por aí?
Não. Ao nível da supervisão também foram feitos avanços, ao nível de sistema que podem ajudar o processo de supervisão, e mesmo ao nível dos desafios de capacitação interna.
Em que nível de cumprimento do plano estamos a falar?
Estamos a falar de 60 a 70%.
Porque não se fez mais?
Porque há coisas que estão nas mãos de outras entidades e independem da ARSEG. Estas não estão cumpridas, mas estão assinaladas como em andamento.
A dependência de outras entidades foi o único empecilho?
Não só. A Covid-19 também teve o seu impacto.
A avaliação final é positiva?
Sim. Mas a estratégia tinha um mecanismo de balanço de performance que eram demasiado quantitativos, pensamos que podemos adicionar o mecanismo de balanço qualitativo. Estamos a trabalhar para desenvolver indicadores de performance qualitativos.
Voltando para o estado da ARSEG. Andou um período a organizar a casa. Hoje podemos dizer que já tem a casa organizada?
A casa nunca está 100% organizada. Veja que não poucas vezes o regulador até fica um passo atrás do mercado. Assim que temos sempre de estar atentos e a tentar compatibilizar a regularização as novas demandas. Nessa perspectiva, a casa estará sempre em organização.
Durante certo tempo, vimos a ARSEG a pressionar no sentido de obrigar as seguradoras a formarem e abrirem espaço para os actuários, mas depois parou de se falar. Como está essa situação?
É verdade. Fizemo-lo porque a nova Lei fez com que a função actuarial ou gestão de risco passassem a estar na ordem do dia. Mas estamos num estágio de transição, e a nossa supervisão adpata-se a isso.
O que isto quer dizer? Já não são necessários?
Quer dizer que não deixaram de ser necessários, mas que percebendo que os actuários são diminutos, ajustamos a exigência e demos um tempo para que as seguradoras se possam preparar para esta nova realidade.
Então, por agora, não se fala disso?
Não necessariamente. Concedemos um prazo de adaptação. Dentro do qual as seguradoras vão criando condições para instalação desta função e de construção e design de produto com base nesta nova realidade, mas com a obrigação de as companhias apresentarem avanços periódicos. Enquanto isso, o que faz a ARSEG no sentido de incentivar a massificação da classe? Antes de mais, permita dizer que nós ARSEG, não podemos substituir as associações nem a academia. Assim que damos os nossos inputs a isso mediante as nossas possibilidades e limitações.
Em quê, exactamente, é que a ARSEG ajuda?
Em termos de formação e treinamento. Tivemos algumas formações na área que tiveram apoio institucional da ARSEG e estamos abertos para novos apoios, desde que a Associação de Seguradoras Angolanas (ASAN) dê o avanço.
Sendo que a função actuarial é crucial para análise do risco e até para os cálculos que resultam nos rácios, e tendo em conta que temos poucos, que cálculos te- mos?
Temos uma análise de risco menos consistente do que a que seria desejável. Mas temos cálculos aceitáveis.
Como mudar o quadro?
Não acho que seja necessário mudar. Temos um caminho a fazer, é preciso ver que a função passou a ser obrigatória no ano passado. Então é normal que ainda não tenhamos essa função no pleno.
“O mercado segurador já está consolidado”
A CMC e a ARSEG fizeram caminhos parecidos, mas fala-se e ouve-se mais da CMC do que da ARSEG. As diferenças no desempenho levam a isso?
Eu acho que estou em condições de analisar e contextualizar a questão que coloca, pois estive também na CMC. O que efectivamente se passa não é uma ser melhor que a outra, mas de perspectivas de evolução diferentes. O mercado segurador já está consolidado, enquanto o mercado de capitais está a se consolidar agora.
Pode explicar melhor?
A ARSEG viveu o seu apogeu regulatório nos anos 2000, quando se lançou a Lei da actividade. Depois viveu o período de crescimento do sector quando depois de muito tempo em que só havia a ENSA e a AAA, surgem 10 ou 15 empresas e o mercado entra numa fase de depuração daquilo que são os operadores. Por sua vez, a CMC conheceu um período de forte dinamismo por conta da orientação político-económica. A questão da transparência, a questão das privatizações são estratégias de desenvolvimento nacional que deram espaço para que a CMC se relançasse e que se exteriorizasse a ideia de dinamismo e presença.
São evoluções diferentes?
Claro! O processo de evolução não acontece de forma parecida e nem tão rápido como se deseja. Cada sector tem as suas nuances.
Noutras realidades, há uma forte relação entre os seguros e o mercado de capitais. Como estamos quanto a isso?
Esta realidade também se materializa aqui. E está muito ligada ao investimento das seguradoras no mercado de capitais.
Como se processa isso?
via ramo vida, que é fundamental para as seguradoras no investimento no mercado de capitais, pois geram poupanças e renda que casam com as maturidades do mercado de capitais.
E tem estado a funcionar?
Sim, dentro das limitações possíveis. Veja que temos um mercado ainda a crescer, de forma que não torna atractivo. Mas também, só vai mudar quando os prémios do ramo vida contarem mais para as carteiras das seguradoras. Porque daí as provisões vão estar disponíveis para o mercado de capitais. Portanto, quanto maior o peso do ramo vida na carteira das seguradoras, maior será o investimento delas no mercado de capitais.
“A AAA desrespeitava a Lei”
A ARSEG teve papel relevante, talvez mesmo decisivo na questão da AAA. O que se passava exactamente?
A AAA desrespeitava o que a Lei dizia. A AAA era líder do resseguro e colocava sempre fora de Angola.
Pode ser mais específico?
A AAA monopolizava/centralizava as operações de seguro dos petróleos, prejudicando todas outras na questão do co-seguro. E ainda tinha a questão de que levava a que se gastasse muito com o resseguro no exterior.
Como se posicionou a ARSEG?
A ARSEG tomou decisões difíceis relativamente a AAA.
O que fez exactamente a ARSEG?
A acção da ARSEG tirou a AAA da liderança do co-seguro, que não sendo a mais relevante na carteira das seguradoras, tem a sua importância.
Resultou em algo palpável?
As acções da ARSEG no caso da AAA fizeram com que todos hoje respeitassem a ARSEG e as normas de solvência em geral.
Podemos então dizer que a acção sobre a AAA resultou na reputação da ARSEG?
De certa forma sim. Pensamos que o mercado estava à espera dessa decisão, pelo que foi com mui- ta satisfação que recebeu a decisão da retirada da AAA na questão do resseguro e substituição pela ENSA.
Mas a questão da AAA levou o seu tempo para ser resolvida. Porquê?
De facto. A questão da AAA levou o seu tempo porque essas questões precisam de análises cuida- das e muitas vezes feitas por instituições internacionais. E mais, essas intervenções abrem espaço para direito de resposta, e etc..
Hoje, que avaliação faz da decisão?
Foi uma decisão acertada.
Já temos frutos dessa decisão?
Sim, claro. Estas medidas permitem um mercado competitivo como o que temos hoje e abrem espaço para que novos players se interessem pelo mercado angolano.
Pode citar exemplos?
Claro. Temos sido abordados por investidores com interesse em investir em Angola. Além do efeito da nova Lei, há sim efeito de todo processo e decisão sobre a AAA.
Pode apontar um exemplo?
Recebemos, recentemente, o CEO da African Reinsurance Corporation (AfricaRE) nas nossas instalações, a fim de falar sobre a possibilidade de avançar com um escritório de representação, que pudesse apoiar todas as operações, nos países africanos de expressão portuguesa.
O que é, exactamente, a AfricaRe e como Angola ganha, já que instituições do género empregam poucas pessoas?
AfricaRe é das maiores, se não a maior entidade de resseguro do continente. Trata-se de uma em- presa criada pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), com visão pan-africana. E o mais importante, já trabalha com o mercado angolano. Aliás, Angola é signatária da AfricaRe e accionista por via da ENSA. Uma empresa como a AfricaRe sempre traz coisas positivas para um mercado como o nosso. Desde as iniciativas formativas até permitir que Angola receba to- dos os prémios que a empresa venha a receber provenientes de vá- rios Estados africanos de expressão portuguesa.
O mercado vem mostrando uma verdadeira instabilidade positiva. Como olha para isso?
Olhamos para as movimentações com muito entusiamo. Os novos tempos trazem novos desafios e fazem com que as empresas tenham de se adaptar. Veja que um operador já chegou a ultrapassar a ENSA.
Mas a ENSA ainda é maior. Não sinaliza fragilidade?
Não. A questão da ENSA tem explicação histórica. A ENSA ficou muito tempo sozinha, herdou recursos de muitas seguradoras, o que ajuda a ter o peso que tem. Sem prejuízo da sua performance.
Tendo em conta estas notas, que leitura se pode fazer do nosso mercado?
As movimentações mostram que há vontade e há vida neste mercado. A concorrência é sempre positiva se pensarmos que isso leva a preços mais justos, a menos demora na resolução dos sinistros e muito mais. Até a própria ARSEG é obrigada a melhorar.
Podemos esperar iniciativas do regulador para agitar o mercado?
Risos… O regulador não agita o mercado. Mas posso dizer que estão a vir duas novas seguradoras e vão juntar-se a essa concorrência.
Pode dizer nomes?
Em que fase do processo se encontram? Não posso adiantar nomes, mas posso dizer que uma delas está na fase final do processo de legalização.
A concorrência existe e se materializa com coisas positivas, mas como estamos em termos de oferta de produtos?
Penso que estamos bem. Aliás, nós ARSEG, pedimos sempre que as seguradoras sejam criativas e inovadoras na apresentação de soluções. Veja que já se vai avançando em soluções boas de micro- seguros.
Com cenário de condições económicas e financeiras apertadas, podemos vir a observar fusões entre seguradoras?
As fusões são processos naturais do mercado. O regulador pode induzir a fusões com alguma regulação, mas não obrigar a que sejam feitas.
Há processos de fusões?
Nenhum processo que seja do nosso conhecimento. Mas, pode ser que as empresas estejam a pensar, a estudar esta solução.
Falou em induzir fusões. O que pode exactamente levar a isso?
O que pode levar a fusões é a regularização dos capitais mínimos. A fim de se adaptar ao regular, as seguradoras podem preferir partir para uma fusão.
Temos muitas seguradoras quase que acopladas a bancos. Como olha o regulador para isso?
Hoje esta relação é regulada. As seguradoras têm acordos com bancos, que vendem os produtos das seguradoras nos bancos. Isso se regula na Lei da mediação dos seguros.
Como foi exactamente regulado?
Preferimos não tratá-la como problema. A ideia é que os bancos possam actuar como mediadores, mas com o registo prévio e sob supervisão da ARSEG.
E o caso das Seguradoras com cordão umbilical num banco?
Essa relação é de empresas do mesmo grupo, existe sim. Mas veja que também com instituições que não são do mesmo grupo.
Há sempre o risco de colapso da seguradora em caso de quebra do banco. Como olha para isso?
Esse é um falso problema. Há uma norma que obriga a que as seguradoras tenham os seus recursos dispersados em vários bancos. Assim, embora se entenda que pode haver a tentação de depositar tudo num banco do mesmo grupo, temos estado a fazer tudo para que não aconteça. O risco fica mitigado por conta da exigência da obrigação da dispersão.
Pode ser mais claro?
As seguradoras não podem ter mais de 30% do global da sua carteira num banco, ainda que seja do mesmo grupo. Está explanado na alínea b) do número 3 do artigo 6º da Lei que regula os activos representativos das provisões das em- presas de seguros.
Como estamos em termos de fundos de pensões?
Não estamos exactamente mal. Se calhar só apontar que 90% dos fundos que temos são fechados, ou seja, criados por uma entidade e só entram novos beneficiários mediante o consentimento destes.
Olhando para os números, notamos uma quase monotonia nos fundos. Porque acha que não se investe mais dinheiro nos fundos?
A aposta nos fundos tem que ver com literacia financeira. Se não se sabe ao certo o que é, e não se vê na perspectiva de gestão de Recursos Humanos (RH), pensa-se que é um custo desnecessário.
Então os fundos estão condenados ao fracasso?
Não necessariamente. São difíceis de vender, mas não vejo esse destino. As condições para os fundos terem outro andamento estão aí. População jovem e com capacidade de contribuir.
O que falta então?
Torná-los atrativos. Temos de conseguir criar uma narrativa que consiga desmistificar a ideia em torno dos fundos, que assenta essencialmente num gasto sem retorno.
Como o sector olha para a questão da diversificação da economia?
Antes de mais, permita dizer que acho que mais que um chavão, a diversificação da economia é necessária e julgo que está a criar a sua tracção para avançar. Podia ser mais rápido, mas temos as nossas dificuldades.
Acha que a diversificação da economia está a acontecer?
O crescimento da arrecadação fiscal não petrolífera prova que temos actividade económica não petrolífera a acontecer.
Podemos falar do sector dos seguros como relevante para este processo de diversificação da economia?
Sim, o sector dos seguros contribui para esta caminhada para a diversificação da economia.
Como exactamente?
Os sinistros não acontecem to- dos ao mesmo tempo e o dinheiro que as seguradoras recebem em prémios, acaba indo para a economia. Seja por meio de depósitos que os bancos usam para depois conceder créditos, seja por meio do mercado de capitais, que é o financiamento sem intermediário e até pela compra dos Títulos que é emprestar dinheiro ao Esta- do, que permite fazer investimento público. Por isso, não se coloca a questão das seguradoras participarem na diversificação, com maior ou menor relevância, elas já participam.
POR: Ladislau Francisco