José de Lima Massano, governador do BNA, avisa que ainda é cedo para avaliar os efeitos da depreciação do kwanza sobre a inflação, mostrandose, entretanto, confiante de que a política monetária restritiva e a maior previsibilidade do mercado de divisas farão com que a moeda nacional perca cada vez menos valor
Texto de: Luís Faria
O governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José de Lima Massano, na primeira entrevista que concede desde que voltou ao banco central em Outubro do último ano, diz que os agentes económicos anteciparam, quando a taxa de câmbio ainda era fixa, o ajustamento aos preços e que, muitos deles alinharam os preços pela taxa de câmbio informal. Por outro lado, a política monetária contraccionista adoptada e as alterações no mercado de divisas favoreceram uma maior estabilidade dos preços.
Acrescenta que para se conseguir uma inflação baixa e estável não será suficiente o abrandamento das importações, ‘será necessária a conjugação de vá- ‘Depreciação deverá ser cada vez menos acentuada’, diz governador do BNA rios factores, dentre estes, a redução do défice fiscal, o controlo dos agregados monetários, a melhoria do ambiente de negócios e, definitivamente, o aumento competitivo da produção interna, com ênfase para os alimentos’.
O desequilíbrio entre a oferta e procura de divisas, admite José de Lima Massano, irá continuar a pressionar a cotação do kwanza, mas à medida que a política monetária seguida fizer sentir os seus efeitos e o mercado cambial se tornar mais previsível, a moeda nacional irá depreciar-se menos.
A inflação voltou a descer em Fevereiro, com uma variação mensal inferior à verificada em Janeiro. Significa que a depreciação do kwanza, que face ao euro já atingiu 30% em dois meses, não está a pressionar o nível de preços através do aumento de custo das importações?
São sinais positivos, mas ainda prematuros para conclusões definitivas. A inflação tem assumido uma tendência decrescente nos últimos meses. O Índice de Preços no Consumidor Nacional (IPCN), publicado pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) indica que a inflação do mês de Fevereiro foi de 1,26%, o que demonstra uma redução face àquela que se registou em Janeiro, que foi de 1,47%.
Quando analisamos a inflação homóloga, nota-se que a tendência de redução retomou o curso em finais do ano passado. Com efeito, desde Novembro de 2017 e até Fevereiro de 2018, a inflação homóloga passou de 24,7% para 21,47%. Vários factores podem ter influenciado o comportamento da taxa de inflação. Por um lado, houve um relevante ajustamento aos preços no decorrer dos anos de 2016 e 2017, mesmo quando a taxa de câmbio era fixa.
Nessa altu- Luis Faria ra, as expectativas de uma depreciação do kwanza levaram os agentes económicos a antecipar a correcção dos preços em alta, agravado por incertezas quanto a capacidade de renovação de stocks de bens importados. Foi também um período em que a diferença entre a taxa de câmbio do mercado informal e do formal acentuouse.
No processo de formação de preços de muitos agentes económicos, a taxa de câmbio do mercado informal passou a ser a de referência. Por outro lado, o BNA vem implementando uma política monetária contraccionista, procurando ajustar a variação da oferta monetária ao crescimento real da economia. E como se sabe, estão em curso alterações ao funcionamento do mercado cambial com o propósito de se conferir maior equilíbrio e previsibilidade na afectação de divisas à economia, o que poderá também influenciar de modo positivo o comportamento dos agentes económicos.
De qualquer modo, os meses de Março e Abril serão importantes para uma leitura mais completa.
O abrandamento das importações está a ajudar o controlo da inflação, mitigando o efeito sobre os preços decorrente da depreciação do kwanza?
Os dados mais recentes compilados pelo BNA indicam que, em 2017, as importações de bens aumentaram 4,4%, face ao ano anterior. Destaca-se o aumento da importação de bens alimentares na ordem dos 29,4%. o aumento das importações de bens alimentares, aliado à oferta interna também contribuiu para uma menor pressão sobre os preços na economia.
O abrandamento das importações por si só não será suficiente para o efectivo controlo da inflação. Para atingirmos uma taxa de inflação baixa e estável, será necessária a conjugação de vários factores, dentre estes, a redução do défice fiscal, o controlo dos agregados monetários, a melhoria do ambiente de negócios e, definitivamente, o aumento competitivo da produção interna, com ênfase para os alimentos.
Os dados do INE vêm mostrando que são os produtos nacionais os principais impulsionadores dos preços, no contexto do cabaz utilizado. Exagerouse quanto à previsão do impacto do aumento de custo das importações sobre o nível de preços?
No caso particular da economia angolana, tal como acontece noutras em fase de desenvolvimento, os processos inflacionistas são também causados por desequilíbrios que encontramos no sector real da economia. As infraestruturas de base (fornecimento de energia, água, transporte), a correcta estruturação e sustentabilidade das cadeias de valor e, não menos importante, o nível de conhecimento e preparação do capital humano são factores críticos de sucesso para o desenvolvimento económico sustentável.
A produção interna é ainda muito determinada pela importação de equipamentos, insumos e de mão-de-obra especializada, daí que alterações ao câmbio da moeda também impactam sobre os preços do que já se vai transformando no país.
Estes resultados da inflação conferem mais folga ao BNA na condução da política monetária e cambial?
Estamos naturalmente preocupados com a evolução da taxa de juro na economia e impacto sobre o crescimento económico e a própria estabilidade do sistema financeiro, pelo que continuamos à procura de espaço para algum alívio, mas é um exercício que tem que ser feito com prudência e ponderação para que a ânsia por ganhos imediatos não leve ao desperdício do esfoço colectivo que a correcção do actual quadro macroenómico vem demandando. Como referi, os primeiros sinais são positivos, mas há que alargar o período de observação antes de uma alteração mais impactante sobre o curso da política monetária.
O último Relatório de Inflação do BNA enuncia vários riscos e admite que tanto a variação mensal como a inflação homóloga possam subir. Isso significa que este resultado da inflação em Fevereiro ainda não reflecte totalmente o efeito da política cambial?
Como disse, a variação dos preços poderá ocorrer por força de factores que não são do total controlo do BNA, como por exemplo, o ajustamento de preços de produtos de cariz sazonal devido à redução da oferta em determinados períodos do ano. Por outro lado, algumas das medidas previstas no Plano de Estabilização Macroeconómica, como a revisão dos preços administrados, podem também influenciar o nível dos preços.
Qual, para o BNA, a taxa de câmbio de equilíbrio, ou seja, que caminho tem ainda de percorrer a cotação do Kwanza para que aquela seja atingida?
Aquando da alteração do regime cambial, foi mencionado que a taxa de câmbio deveria variar dentro de uma determinada banda.
A taxa de câmbio encontra- se dentro da banda cambial inicial adoptada, num patamar muito próximo do seu limite inferior. Pelo desequilíbrio ainda existente entre a procura e oferta de divisas, é expectável que observemos ainda pressões no sentido da depreciação da moeda nacional.
Essa depreciação, porém, deverá ser cada vez menos acentuada, à medida que o mercado for sentindo o efeito de uma política monetária restritiva e ganhando maior previsibilidade e domínio sobre o acesso ao mercado cambial, incluindo para operações privadas.
Ainda é cedo para deitar foguetes
Ainda é cedo para celebrar o facto de a inflação continuar a descer, é melhor esperar por Abril pois a partir do próximo mês vai dar-se a renovação dos stocks, o que constituirá um factor de pressão adicional. As ilações a tirar destes dois primeiros dois meses e meio volvidos sobre a introdução do novo regime cambial, que compreende uma banda de flutuação para a cotação do kwanza até 2% face à taxa de referência em vigor, não devem, pois, ser precipitadas.
O sucesso conseguido, pelo menos de imediato, é muito atribuído à melhor gestão da liquidez, o que passou pela alteração da composição das reservas obrigatórias e pelo maior controlo sobre o crescimento da massa monetária.
A questão do endividamento constitui outro factor que pesa sobre a condução da política monetária, sendo que, neste capítulo, o BNA conta com a solidariedade institucional para garantir a estabilidade dos preços.
Sereno e eficaz
Por detrás da serenidade que se desprende do tom suave com que trata as questões mais delicadas ou as matérias mais polémicas, José de Lima Massano não esconde o entusiasmo com que aborda e interpreta a realidade e nas soluções que encontra para os problemas que ela impõe brota uma racionalidade como que espontânea.
Regressou ao Banco Nacional de Angola (BNA) quase dois anos e meio depois de ter deixado no banco central um legado legislativo de vulto no plano da regulação da actividade financeira e da supervisão bancária, as duas principais missões da autoridade monetária.
Na vasta e densa actividade desenvolvida pelo BNA durante o seu primeiro mandato destacam-se as novas regras de transparência no funcionamento do sistema financeiro, a insistência no ‘compliance’, a instituição, em 2011, o Comité de Política Monetária (CMP), a criação da central de informação e riscos de crédito e a introdução da taxa de juro de referência.
Licenciado em Contabilidade e Finanças pela University of Salford, Reino Unido, em 1995, e com um Mestrado em Contabilidade e Finanças pela City University de Londres, em 1996, José de Lima Massano, 47 anos, foi considerado em 2013 o melhor governador de um banco central africano pela prestigiada revista The Banker, ligada ao Financial Times.
E quem o conhece, podendo embora apoiar ou discordar das opções que faz no domínio da condução da política monetária e cambial, rende-se invariavelmente à sua inquestionável qualidade técnica. Já este ano, de volta ao BNA após mais uma passagem pela presidência da Comissão Executiva do Banco Angolano de Investimentos (BAI), onde o trabalho que desenvolveu guindou a instituição a uma posição invejável, não só no sistema bancário nacional, mas também africano, José de Lima Massano disse a OPAÍS que o objectivo é passar a um regime de câmbio flutuante, sem quaisquer limites de variação fixados pelo banco central.
O governador não perde de vista a convertibilidade do kwanza, um horizonte que começou a desenhar durante a sua primeira passagem pelo BNA. Para que tal venha a acontecer prossegue a sua batalha para conferir maior estabilidade e credibilidade ao sistema bancário nacional.