As obras de regularização do rio Copo- rolo, impulsionadas por uma visita do governador em Fevereiro deste ano, decorrem a ritmo, mas, ainda assim, não compensam os estragos de Novembro de 2023, altura em que as chuvas devastaram parte considerável das culturas, instalando, com efeito, um ambiente de carência de alimentos, segundo relatos de camponeses.
Tão logo se verificaram as cheias, o Governo Provincial de Benguela recorreu aos préstimos da empresa Conduril para a construção de diques de protecção e, deste modo, puder-se regularizar o caudal do rio Coporolo. O trabalho de engenharia vai obrigar, em certa medida, ao desalojamento de moradores de bairros adjacentes, conforme garantiria o governador Luís Nunes, à imprensa, momentos depois de ter visitado as obras.
Na altura, Luís Nunes manifestou preocupação com a situação no Dombe-Grande e, em função da empreitada que se requeria, acenava para a Luanda para a necessidade de aprovar os milhões de dólares de que se precisa para um “profundo” trabalho de engenharia.
Entretanto, em condições normais, num período como este, o de Junho, estar-se-ia a lançar as semente de feijão e milho à terra, prevendo, em pouco mais de três meses, colher toneladas dos pro- dutos que chegariam à mesa de milhares de famílias angolanas.
Nos dias que correm, camponeses, como dona Mariana Cassinda, fazem contas à vida. Impotente, como que de braços cruza- dos, a ela só resta mesmo acenar para o projecto de fortalecimento de transferências monetárias, o ‘Kwenda’, que tem impulsionado a agricultura familiar em muitas regiões do país. O que a entrevistada
deste jornal deseja é comprar sementes de feijão e milho. “Precisamos de dinheiro para comprar sementes. Nós aqui nunca recebemos apoios. Não estamos inseridos no projecto do Kwenda e queremos que nos dêem também esse dinheiro do Kwenda. Os nossos filhos estão a passar mal”, expõe a camponesa.
Os camponeses no perímetro irrigado do Dombe-Grande sustentam que a chuva de Novembro, em 2023, devastou culturas e destruiu residências, obrigando a que muitos deles tivessem as lavras como zonas de alojamento. Nos campos de produção, este jornal constatou a construção de casas improvisadas, sobretudo de chapas, para se proteger de algumas intempéries da mãe natureza.
A vida por aquelas paragens tornou-se bastante difícil para quem viu a água levar os seus haveres. Tal deveu-se, também, segundo sustentam, à falta de regularização do rio Coporolo, um dos maiores da província de Benguela. ‘‘Quando o rio transborda, destrói tudo que lhe aparece à frente. Nós vivemos aqui, porque as casas estão destruídas, não temos condições.
É o momento de cultivo e não temos como fazer. Não temos sementes, não temos comi- da, tudo foi com água, no mês de Novembro”, lamentou, na língua nacional umbundu, o soba Luís Tchiteculo, ao referir que as chuvas deixaram, igualmente, os filhos sem acesso à escola, porque muitas famílias manifestam-se, por ora, incapazes para comprar materiais didácticos e pagar a comparticipação que é cobrada na escola. Assim como dona Maria, Tchiteculo tem no Kwenda a solução para os problemas que, neste momento, enfrentam.
Exploração de inertes
Um outro factor apontado pelos camponeses tem que ver com a exploração de inertes, sobretudo por cidadãos estrangeiros, com chineses à cabeça. Segundo eles, a retirada de areia nas laterais do rio abre caminho para que as águas invadam os campos de produção agrícola.
“Pelo que nós vemos, a Administração Comunal do Dombe-Grande não está a conseguir resolver esse problema. Porque daqui saem muitos camiões de areia”, reclama o agricultor António Francisco, que qualifica a exploração como desenfreada, factor que, na óptica dele, terá concorrido para o problema que os apoquenta.
Lá onde a chuva não destruiu a produção agrícola, nem casas, como nas zonas de maior concentração de fazendas, deixou as áreas completamente inacessíveis para carros e motos.
Em muitos casos, os investimentos feitos ficaram mesmo comprometidos e, por conta do qual, os camponeses vêem-se como que obrigados a transportar os produtos na cabeça do campo para os mercados. “Estamos a gastar saliva, já não nos ouvem”, lamenta um agricultor.
João Domingos, um outro agricultor, diz-se cansado e pensa estar a gastar a saliva da sua boca a expôr, regularmente, os problemas da comunidade, porque não se lhe vislumbra nenhuma solução.
Ele reporta que, volta-e-meia, aos seus campos de produção têm lá ido parar pessoas que se dizem do Governo e de agentes da sociedade civil, prometendo essa ou aquela ajuda para resolver o problema, mas, ao fim e ao cabo, ou seja, de Novembro para cá, não houve sinais nenhures que os levasse a inverter o quadro. Por via deste jornal, o camponês deseja que a mensagem chegue, realmente, a quem de direito.
Ele quer, antes de mais, que os governantes se compadeçam com a situação, porque ele e centenas de famílias camponesas enfrentam neste momento no Dombe- Grande. “Nós, aqui, não queremos mais promessas que só nos fazem gastar a saliva.
Estamos fartos de pessoas que vêm para aqui, prometem, prometem e não fazem mesmo nada. Isso nos dói. Nós, antigamente, cultivávamos muito, mas hoje não temos comida para alimentar os nossos filhos. Estamos mal”, rematou o agricultor, bastante apreensivo.