Os camponeses da província de Benguela sugerem que o Grupo Carrinho, por via do seu braço agrícola, a Agri, passe, doravante, a comprar o quilograma de feijão acima de mil kwanzas, contrariando a proposta de 750 para se inverter o cenário de exportação do feijão para a República Democrática do Congo (RDC).
Os agricultores entendem que, se a Carrinho aumentar a fasquia na compra por quilograma, se vai desmotivar o cenário de exportação do feijão. Ouvidos por este jornal, homens ligados ao agro-negócio responsabilizam, igualmente, o Estado para a necessidade de mais investimentos.
Conforme os nossos entrevistados, nos dias que correm, os agricultores preferem vender toda a produção a cidadãos congoleses, porque maior parte deles paga a produção logo à nascença, ou seja, antes mesmo da colheita. “Eles compram o feijão ao preço do mercado.
Vamos lá ver, se o feijão estiver a 1200 ou 1300 Kwanzas, eles pagam”, justificou Raúl Galvão, presidente da Cooperativa Ondjali, ao assinalar que mui- tos deles montam tendas em campos de produção à espera do feijão, com toda a estrutura pronta para colocar o produto todo na RDC.
Os produtores têm estado a antever, para os próximos meses, a subida vertiginosa do preço de feijão, elencando, de entre outros factores, a falta de apoio, daí que determinados produtores a optem por vender a empresários da RDC.
Ultimamente, sustentam os homens do campo, face ao actual quadro, a Carrinho Agri tem perdido para os congoleses. Todavia, inverter-se-ia, caso a empresa aumente o preço da compra de quilograma de feijão, porquanto 70 por cento da produção “voa” para a RDC.
Raúl Galvão disse que os bancos devem também financiar, porque estão a perder muito dinheiro, acrescentando que os 750 Kwanzas que a Carrinho Agri paga por cada quilograma ainda é um preço muito baixo.
“Pelo menos, se comprasse a 1100 kwanzas afugentaria os congoleses. Os custos são muito altos. Hoje, em um hectare, a pessoa gasta um milhão de kwanzas”, considera, ao criticar o pouco financiamento de bancos comerciais aos agricultores.
Um outro produtor, que responde pelo nome de António Noé, reclama: “Eles falam sempre em garantia. E, neste particular, a Carrinho tem vantagem, porque eles usam o BCI para financiar e, geralmente, não são muito burocráticos. Ajudam os produtores com essa questão dos títulos de propriedade, que é o que os bancos pedem”, refere.
Especialistas em economia não vêem problemas nesse tipo de prática, argumentando que os produtores se movem pelo lucro, não importando se tal prática vá ou não encarecer o mercado. Logo, entregam a quem pagar mais. “Se o governo não olha para a questão dos apoios, nem a banca tem essa preocupação, então é normal que os congoleses levem todo o tipo de produção. Mas, atenção, o Estado tem que controlar os preços”, adverte o economista José Alfredo José.
Carrinho defende-se com a compra de insumos
Questionado, recentemente, com a acusação de que a acção da Carrinho estaria a concorrer para encarecer alguns produtos, o presidente esclarece que, em qualquer mercado do mundo, os preços não reflectem a procura e a oferta que existem, e a Angola não é excepção. A Carrinho afirma que participa no processo de produção de vá- rios grãos em Angola, com o apoio de insumos agrícolas, e, em acto contínuo, compra toda a produção.
Em relação à escassez de produtos como o feijão, o CEO da Carrinho Indústria, Délcio Catarro, justifica que, neste momento de transição, é normal, porque alguns produtos ainda não se têm em grande escala, para além de que, em alguma altura do ano, esses se escasseiam. Todavia, o objectivo da empresa é o de ter sempre os preços está- veis no mercado, de modo a favorecer a todos os intervenientes.
Conforme o responsável, “quanto mais rápido se conseguir obter a produção agrícola, quanto mais rápido conseguirmos transformar cá dentro, mais rápido consegui- remos uma estabilidade de preços”, sustenta, acrescentando que “vocês sabem quanto é que custa um quilo de massa”, perguntou, ao que ele próprio responde “no exterior, na América ou Europa, custa 1,5 dólares. Sabe quanto é que custa transformar na nossa fábrica? 0,75 dólares”, refere.
Quatro fazendas colhem mais de mil toneladas de semente de trigo
Quatro fazendas nas províncias da Huíla, Cuanza-Sul e Cunene prevêem colher mil e cem toneladas de sementes de trigo, a partir de Junho deste ano, para a presente campanha agrícola. As quatro fazendas fazem parte do grupo huilano Jardins da Yoba, que semeou variedade do trigo nos municípios da Humpata e Chibia (Huíla), Waku- Kungo (Cuanza-Sul), e Xangongo (Cunene) em 300 hectares de campos de multiplicação de sementes.
O director-geral do grupo, João Saraiva, disse que se trata de um programa de fomento da produção do grão pela agricultura familiar, numa parceria com a Universidade Federal de Lavras (Brasil), que trouxe para a região sul uma variedade que se adaptou às condições edafoclimáticas de Angola, onde as chuvas são mais escassas e o trigo tem de ser semeado em Fevereiro e estar pronto no mês de Maio no período seco.
O programa de fomento de trigo começou a ser implementado pelo Ministério da Agricultura há dois anos, nas regiões de maior potencialidade na produção, como a província do Bié, Huambo e Benguela, agora estendeu-se à Huíla, Cunene e Cuanza-Sul, nessa parceria dos Jardins da Yoba com o Brasil. Nesse processo, segundo o produtor, estão envolvidos mais de 150 especialistas, incluindo estudantes de universidades públicas e privadas de Angola, formados em agronomia.
Admitiu que uma das principais dificuldades dos produtores de trigo no país tem a ver com o acesso à semente, daí a intervenção dos Jardins da Yoba, no intuito de garantir que estes projectos tenham sustentabilidade e um acesso mais barato aos insumos.
O grupo é um dos poucos certificados pelo programa de produção de sementes da FAO e produz actualmente mais de 500 hectares em multiplicação de sementes de milho vermelho e branco, assim como de batata, cebola, feijão, soja e agora o trigo, pela primeira vez. Importa realçar que, no âmbito do Planagrão, espera que Angola possa atingir a produção anual de mais de seis milhões de toneladas de grãos de trigo, arroz, soja e milho, e outros, a partir 2027.