Fernando Pacheco afirma que alternativa para a produção de cereais passa pela aposta na agricultura familiar com realismo. Critica as ideias que tiveram na base da criação do PLANAGrÃO e diz não entender as razões que levam a que outro Ministério, que não o da Agricultura, esteja na coordenação
O engenheiro agrónomo Fernando Pacheco disse ao OPAÍS que a resposta das províncias escolhidas para a implementação do Plano Nacional de Produção de Grãos em Angola (PLANAGRÃO) não demoraria menos de 10 anos. Na visão do agrónomo, os princípios que estiveram na base do surgimento deste programa não estão certos e, numa altura em que o país não tem dinheiro, torna-se mais difícil a sua concretização.
“Apercebemo-nos de duas ideias motoras: a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que provocaria uma carência de cereais no mundo, dada a sua elevada produção, e o interesse em promover o desenvolvimento das províncias do Leste. Duas premissas que de per si estavam erradas e que conjuntamente ampliavam o erro”, justifica.
O co-fundador da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) vaticina que, por mais pessimismo que haja, em relação à guerra da Ucrânia, a perspectiva é a de que não estará resolvida em menos de 10 anos.
Daí que “sem infra-estruturas, estradas e muitas outras, sem empresas, sem técnicos e sem um historial recente de produção, ainda que houvesse muito dinheiro (e sabemos que não há, nem muito, nem pouco), a resposta dessas províncias aos apelos de produção esperada demoraria no mínimo 10 anos”, sublinha, numa alusão aos cinco anos previstos pelo plano, a contar de 2023.
Na perspectiva de Fernando Pacheco, o PLANAGRÃO é uma repetição de erros que têm sido cometidos ao longo dos anos e que nasceu de um entusiasmo político em vésperas das eleições de 2022, sem estudos e discussão no seio dos técnicos que conhecem o assunto. A este respeito, reforça que até mesmo os técnicos do Ministério da Agricultura e Florestas, que conhecem a realidade do país, não foram consultados, salientando ser difícil perceber como é que este Ministério não está na coordenação do plano.
Aposta na agricultura familiar
O escoamento está intrinsecamente ligado à produção, o que leva Fernando Pacheco a lamentar que o Leste não tenha estradas, tendo questionando: “Ao ritmo que têm sido reconstruídas as estradas de Angola desde há 20 anos, quantas décadas serão necessárias para construir 13 mil quilómetros nas circunstâncias do Leste?”, questiona.
Reforça que não é possível fazer um plano de produção empresarial sem empresários, tendo sublinhado que, pelos dados dispo- níveis, o sector empresarial produziu, no total, menos de 400 mil toneladas em 2023. O agrónomo refere que, mesmo com “importação de empresários”, a meta de produção de seis milhões de toneladas de cereais por ano é praticamente impossível de alcançar em 2027. Por esta razão, diz que “a alternativa só pode ser a agricultura familiar, mas com realismo, pois milagres não acontecem”.
10 milhões empregados na agricultura familiar
O economista Janísio Salomão partilha da ideia da aposta na agricultura familiar para contribuir para o fomento da produção nacional. Apegando-se aos dados do Censo Populacional 2014, Janísio Salomão explica que a agricultura familiar é a base da agricultura angolana, sendo a responsável pela produção de 79% dos cereais, 92% de raízes e tubérculos e de 90% das leguminosas e oleaginosas. Este segmento produtivo em- prega mais de 9 milhões e 635 mil habitantes, o que equivale a 37,7% da população nacional, com mais de um milhão e 773 mil famílias.
Por esta razão, sublinha que o PLANAGRÃO não poderá ser bem-sucedido se não for integra- dor e aglutinador, do pequeno ao grande produtor, se não houver maior apoio na constituição das micro e pequenas empresas, bem como cooperativas e associações. Reitera que o problema não está no programa, pois os projectos gizados sempre estiveram bem desenhados e bonitos, mas residem na materialização destes projectos. Aponta que os agricultores continuam a ter dificuldade em obter documentos que os legitimam, dificultando, assim, o acesso ao crédito. Por outro lado, à semelhança de Fernando Pacheco, o economista fala de um cenário macroeconómico completamente adverso.
Reforça que os recursos são cada vez mais escassos e grande parte dos programas constantes no PIP não são executados devido à exiguidade de recursos. “As metas são muito ambiciosas e julgo que tais metas não serão alcançadas tal como previstas, por conta do saco ser apenas único e o principal produto de origem de recursos ser o petróleo”.
Os números do PLANAGRÃO
Aprovado à luz do Decreto n.º 200/22, de 23 de Julho, o PLANAGRÃO tem como objectivo fundamental contribuir para a soberania alimentar e nutricional, segurança alimentar, aumentando a produção e a produtividade. O Plano Nacional de Fomento da Produção de Grãos prevê um investimento médio anual de cerca de 670 milhões de dólares, para a produção de trigo, arroz, soja e milho, e cerca de 471 milhões de dólares anuais, para a construção e reabilitação de infra-estruturas de apoio ao sector produtivo e social.
De acordo com o referido programa, estão previstos durante o período de cinco anos uma disponibilização financeira do Estado avaliada em 2,8 mil milhões de kwanzas, distribuídos em duas componentes. A primeira está avaliada em 1,1 mil milhões kwanzas, ligada a investimentos em infra-estruturas com foco na delimitação das áreas de produção e vias de acesso para as áreas produtivas.
A segunda componente é de 1,6 mil milhões kwanzas, que serão dirigidos ao financiamento ao sector privado nacional, com o intuito de reforçar o capital disponível junto do Bando de Desenvolvimento de Angola (BAD). Para tal, o Governo anunciou a conjugação de esforços com o Programa de Investimentos Públicos (PIP) para efectuar a construção de 13 mil quilómetros de estrada, no corredor das províncias onde vai ser implementado o PLANAGRÃO — Moxico, Lunda-Norte, Lunda-Sul e Cuando Cubango.