O preço do cimento que continua a subir, apesar da autossuficiência na produção nacional, foi um dos assuntos abordados com o economista e ex-administrador da Nova Cimangola, Albino António “Carnaval”. Para ele, Angola recente dos choques externos por causa da dependência em termos de meios técnicos. Diz que as empresas estão asfixiadas com vários factores que concorrem para a inflação, que considera como um imposto invisível.
Esteve ligado directamente à indústria cimenteira por via da Nova Cimangola, onde chegou a ser administrador para a área Financeira. Nos dias que correm, como caracteriza este segmento industrial?
Ela está bem. Temos neste momento cinco unidades de produção, sendo duas em Luanda, uma no Cuanza-Sul, e duas na província de Benguela. De entre elas, a Nova Cimangola está melhor posicionada, e é mesmo a líder do mercado. Tem uma quota de aproximadamente 50% e coloca no mercado perto de um milhão e 200 mil toneladas de cimento por ano. Pelo menos, é isso que os últimos números revelam. Essa empresa teve um ciclo de recuperação de três anos, que foi concluído em 2021, o que lhe permitiu ter uma posição confortável no mercado. A sua produção já chegou a atingir 90% da capacidade instalada. Ela está em melhores condições concorrenciais se comparada com as outras, uma vez que é autónoma em termos de produção de clínquer, vendendo para outras unidades e também exportando. Portanto, neste momento eles exportam cimento e clínquer. Não em vão que no ano passado recebeu o galardão de melhor empresa exportadora de Angola, fora do mercado petrolífero.
Temos cinco empresas no sector a funcionarem em pleno, com cimento para consumir internamente e exportar, assim como clínquer. Ainda assim, te- mos constantes variações do preço e sempre em alta…
A formação de preços depende de vários factores e o cimento não foge à regra. Temos muitos equipamentos que são importados. O contexto macroeconómico não é favorável. E mais: Angola é afectada pelos choques externos e também a pressão interna. Os choques exteriores resultam da instabilidade dos fornecedores de equipamentos e outros meios utilizados nas fábricas. Como sabemos, ainda importamos muitas coisas da Europa, continente este que tem instabilidade de vária ordem, desde político-militar até económica, com uma alta na inflação. Temos uma inflação que diria importada, ou melhor, induzida.
A nível interno, a subida do preço da gasolina, parecendo que não, teve um grande efeito nos preços, de modo geral. Outra questão, do forum macroeconómico, é a crise cambial que temos. As empresas têm despesas com fornecedores e têm de pagar em divisas. Para o caso concreto da Nova Cimangola, sabemos, por exemplo, que tem de amortizar dívidas resultantes da instalação da nova unidade de produção, localizada no distrito do Sequele, em Cacuaco. A ideia que tenho é que as empresas estão asfixiadas com essas coisas. A inflação, para mim, é como um imposto invisível.
Quando estiverem ultrapassados alguns constrangimentos que impactaram na alteração dos preços, acredita que o saco de cimento pode ser vendido mais baixo?
Quando o contexto macro-económico estiver estabilizado, acredito que vamos ter uma redução de preços. Pode não ser como antes, mas uma ligeira redução. Importa referir que os preços não caem da forma como a inflação cai. Leva algum tempo e não é proporcional. Os preços são alinhados em função da concorrência. Há uma redução considerável de obras, sobretudo por parte de pessoas singulares. Comisso há menos compra de cimento. Isso pode ou não prejudicar a contabilidade das cimenteiras? Pode, sim, prejudicar as mais pequenas. As que têm estabilidade não vão ressentir disso. Para o caso da Nova Cimangola o efeito pode ser ligeiro, pois tem um mercado que transcende as fronteiras nacionais. Estimo que o consumo de cimento deve situar-se na casa dos 1,6 milhão de toneladas por ano.
Até que ponto os choques externos têm impactado tanto assim na formação dos preços, com realce na indústria cimenteira, quando até temos clínquer para exportar?
É verdade que temos clínquer suficiente, mas existem outros insumos que fazem parte da produção de cimento que têm de ser importados, pois internamente ainda não temos capacidade para os produzir. É o caso de equipamentos de reposição para as máquinas que operam nesta grande indústria.
Então, do ponto de vista tecnológico, não avançámos muito. Ou não é bem assim?
Temos, sim, grandes avanços, com máquinas de ponta nas unidades de produção. Estamos a falar de uma indústria integrada que antes estava limitada a produzir cimento na sua forma genérica, mas hoje tem outros produtos no seu portfólio, como cimento cola, argamassas e o próprio clínquer. Estamos a avançar.
Falemos agora de exportação. Angola está a trabalhar na inserção no mercado continental e regional. Mas, quando fala- mos de exportação do cimento, olhamos para Congo Democrático. Acha que falta mais ambição?
Temos tirado bom proveito do mercado do Congo Democrático, com uma população considerável é, aliás, o país com mais população da região austral. Então há muito consumo. Temos clíquer em excedente que, ao invés de estar aí de forma ociosa, deve ser exportado e vendido internamente. Angola tem uma posição estratégica favorável e pode fazer vingar isso, conquistando o continente ou então disputar o mercado. Ao vingar o processo de diversificação económica, teremos condições para ombrear com os outros países do continente.
Acha que faltam mais investimentos?
Falta potenciar a indústria cimenteira e outros sectores da economia. Sabemos todos que grande parte dos produtos que consumimos é importado e que a principal fonte de obtenção de divisas é o petróleo, constituindo um factor crítico para Angola. Temos que aproveitar as vantagens comparativas e competitivas para que possamos entrar numa concorrência. Quando se fala de exportação de cimento, pensamos logo na Nova Cimangola. O que se estará a passar com as outras empresas? Estão um pouco limitadas em termos de produção e de equipamentos. E isso faz com que não aproveitem da melhor for- ma as oportunidades que o mercado africano e regional oferecem.
Como uma pessoa com larga experiência no sector, acha que a qualidade do cimento angolano é das melhores?
Temos, sim, cimento de boa qualidade e comprovada laboratorialmente. E prova disso é que as grandes construtoras só usam cimento nacional, até para erguer as grandes estruturas, como pontes, viadutos e outras que podem ser vista pelo país adentro. Não outro que não seja o nacional. E nem há razão para isso.
A má qualidade do cimento pode impactar na qualidade da obra. E não é o caso de Angola, actualmente?
Não temos esse risco. E como disse bem, a má qualidade do cimento pode, sim, impactar na qualidade da obra. E nós temos cimento de qualidade superior. E falo com muita segurança, pois sei de casos em que o cimento nacional foi enviado para o exterior para análise, em laboratórios independentes, e obteve a certificação. Falo de qualidade e de resistência.
E como está a indústria de apoio ao sector cimenteiro?
Existem empresas que terceirizam os serviços, como a produção de sacos de papel, com boa qualidade, em termos de logística e distribuição, pois se trata dum produto que fica algum tempo ensacado e que é levado para longe da fábrica. Precisa de estar seguro!
Hoje olha-se muito também para empregabilidade, sobretudo porque falta emprego para os jovens. O sector agrega muita mão-de-obra?
Trata-se duma indústria de capital intensivo que emprega muita gente. Temos muitos jovens empregados, de forma directa e indirecta, que ajudam o país a crescer por via deste sector. E temos quadros nos mais variados níveis que dão suporte às unidades industriais existentes no país.