Em entrevista concedida a OPAÍS, a jovem Lucinda José Farias, de 23 anos de idade, revelou que todos os meses sangra pelos seios, pelo que acha que seja menstruação, um fenómeno que se repete há mais de um ano.
POR: Maria Teixeira
Lucinda Fárias, 23 anos de idade, começou a sua primeira tensão pré-menstrual (TPM) aos 16 anos, e hoje, aos 23, a jovem mulher diz estar a menstruar pelos seios, em razão do sangramento que corre todos meses. “Comecei a minha primeira menstruação aos 16 anos e depois de um ano parou de sair. Assim sendo, fiquei cinco anos sem menstruar, apenas sentia muitas dores de bexiga que não me deixavam fazer nada e até me dava febres. Depois desse período, de repente, comecei a sangrar pelos seios todos os meses e com muitas dores. Isso leva-me a crer que é menstruação, porque não tenho o tradicional sangramento menstrual pela via genital”, contou Lucinda. A jovem que vive em Luanda, explicou que procurou médicos de alguns hospitais renomados da nossa capital, e já fez consultas de ginecologia na altura em que parou de menstruar, quando foram- lhe receitados medicamentos destinados a eliminar as dores que sentia, porém sem efeito. Preocupada com a situação, não desistiu de procurar ajuda junto a alguns profissionais da saúde durante os cinco anos em que ficou sem menstruar. Após esse período, começou a sangrar pelos seios, um facto que despertou-lhe aflição ainda maior e levou-a procurar por mais ajuda médica visando solucionar-lhe o estranho problema.
Já procurei por ajuda tradicional
Nessa procura incessante, a jovem confessa que os médicos lhe comentaram que era impossível uma mulher menstruar pelas mamas, e sugeriram-lhe o recurso à ajuda tradicional. Foi quando a jovem e a sua tia viajaram rumo ao município da Quibala, província do Cuanza- Sul, à busca da cura, porque as dores eram insuportáveis. “Posta lá, as senhoras que fazem o tratamento tradicional ficaram muito assutadas e disseram logo que nunca tinham visto algo assim, e que não sabiam o que fazer ”. E acrescentou que “as senhoras disseram-me que a solução para o meu caso seria num hospital e com médicos especializados. Assim sendo, eu e a minha tia regressamos à Luanda sem nenhum resultado”, declarou.
Quase desesperada, a jovem continuou revelando o seu dilema, “já fui no hospital Maria Pia, no Centro de Saúde das Forças Armadas de Angola, no hospital dos Cajueiros do Cazenga, e nenhum médico pegou no meu caso ou me deu uma resposta certa. Sempre que estava diante deles e a sangrar, olhavam-me apenas. Não conseguiam dizer nada ou dar alguma resposta. Não sabiam o que dizer”. Quando chega o momento de sangrar, os seios da jovem ficam inchados e provocam-lhe muita dor, sendo que para absorver o sangue faz o uso de fraldas descartáveis ou pensos higienicos, porém, ainda assim, vaza, por força da pressão. “Apenas peço ajuda de médicos dessa área para me dizerem o que realmente tenho, porque não aguento mais a dor. Sei que todos que se apercebem do meu caso assustam. Estou a sofrer com essa situação, porque até agora ninguém aceitou pegar no meu caso”, lamentou.
Especialistas referem-se ao caso
O jornal PAÍS contactou o cirurgião Luís Monteiro Cardoso, que aventou a hipótese de tratar-se de uma endometriose, ou tumor. Entretanto, o especialista clarifica que quando é tumor, o sangramento ocorre apenas num dos seios. Nesse caso, como a jovem sangra nos dois seios, o especialista inclina-se à hipotese de ser uma endometriose. Endometriose é uma doença caracterizada pela presença do endométrio – tecido que reveste o interior do útero fora da cavidade uterina, ou seja, em outros órgãos da pelve, trompas, ovários, intestinos e bexiga. Todos os meses, o endométrio fica mais espesso para que um óvulo fecundado possa se implantar nele. Quando não há gravidez, esse endométrio que aumentou descama e é expelido na menstruação. Em alguns casos, um pouco desse sangue migra no sentido oposto e cai nos ovários ou na cavidade abdominal, causando a lesão endometriótica.
As causas desse comportamento ainda são desconhecidas, mas sabe-se que há um risco maior de desenvolver endometriose, caso a mãe ou irmã da paciente sofram com a doença. O cirurgião explicou ainda que o útero, as paredes que tem, ou seja, a mais interna chama-se endométrio, que na altura da menstruação se desfaz, por isso é que ocorre o sangramento que se renova a cada ciclo sexual. “Muitas vezes, essas mulheres, por um motivo qualquer, ou aquelas que são virgens e cujo útero que não está furado, registam um sangramento menstrual fora da via normal, o que pode ser através da bacia ou na pelvis. Também pode estar qualquer outro orgão, mas nunca ouvi nenhum relato a de que pode estar na mama.
Pode se dar no caso de algumas camadas do útero, algumas delas passaram para os seios dessa jovem”, explicou. Luís Monteiro Cardoso realçou que isso acontece por causa de uma disfunção hormonal, um problema de saúde que em algumas mulheres está associado à menstruação. “O que devia ocorrer no útero da jovem acontece na mama como se fosse uma menstruação no útero”. O medico refere que podem ocorrer consequências como a infertilidade. “Muitas delas, quando se comprova, já têm algum tempo, e às vezes já têm a infertilidade instalada e o tratamento é só serve para acalmar as dores. Porque geralmente têm muitas dores debaixo do ventre. Ela tem estimulação hormonal e pelo comportamento é uma endometriose”, considerou.
Com a idade que ela tem pode tratar- se de um ‘quisto’
Uma outra médica de clínica geral aconselhou que a jovem deve ser observada, com urgência, por uma médica de oncologia. “Com a idade dela, é mais provável que se trate de um quisto mamário, que é raro, por isso é que as pessoas fogem tratá-la, porque estamos mais habituados a ver casos do género em pessoas com mais de 40 ou 50 anos, prestes a entrar menopausa”. A profissional garantiu que do ponto de vista do exercício da medicina, trata-se de um caso interessante, e por isso mesmo garante que vai partilhá-lo com outros médicos. “Independentemente da resposta, vou acompanhar este caso. Pode também tratar-se de uma história familiar de câncer. É preciso saber da família da jovem se a mãe ou alguém teve algo do género para poder descartar outras patologias”, admitiu. A enfermeira Maria da Conceição referiu que para a maioria das mulheres, a sensibilidade nos seios é um sintoma habitual indicador de aproximação da menstruação.
Os seios e os mamilos ficam doloridos e sensíveis ao toque. Essa sensibilidade é desencadeada por uma forte descarga hormonal. Os níveis de estrogênio e progesterona sobem e descem durante o ciclo menstrual que preparam a mulher para uma possível gravidez. Conforme tais hormônios variam, a mulher tem vários sintomas que incluem esta sensibilidade e inchaço nos seios. “Nunca na minha vida ouvi algo assim, uma mulher a menstruar pelos seios, isso pode se dar no caso de uma outra patologia. É um caso que deve ser bem estudado por especialistas, porque é mais um desafio na nossa medicina”, reconheceu. Acrescentou que em alguns casos, esse líquido nas mamas pode estar associado à dor local e ao aparecimento de quistos. Se for uma secreção sanguinolenta e transparente, ou aconteça em apenas um dos seios, é importante consultar um médico para uma investigação acuidada. Somente um médico poderá determinar se o sangramento é fisiológico ou decorrente de algum outro processo patológico, considerou.