“Enviaram-me tala”. Assim se fazem anunciar as vítimas quando são acometidas por uma doença que não encontra explicação na medicina convencional. Em exclusivo a OPÁIS, algumas das pessoas que foram alvo dessa “monstruosidade”, relatam o seu drama e a forma como conseguiram ultrapassá-lo. Uma delas, de pés juntos, jura que foi “atingida” por via de uma chamada telefónica
POR: Maria Teixeira
“Tala” ou Otala, em língua Umbundo, aparece como uma dor normal ou picante acompanhada por inflamação em determinada região do corpo, que em poucos dias conhece um alastramento pelo resto do corpo, provocando alterações na cor da pele e, caso não seja tratada atempadamente, pode provocar a morte. A medicina convencional, segundo as vítimas entrevistadas pelo OPAÍS, é incapaz de curar as pessoas que padecem desta estranha “enfermidade”. Em exclusivo, revelaram que foram salvos por médicos tradicionais, curandeiros ou quimbandeiros, e ressaltam que os que insistem no tratamento por via da medicina convencional acabam sempre por perder a vida.
Em algumas províncias do país paira grande apreensão à volta deste “fenómeno”, essencialmente entre as autoridades religiosas, principalmente no Cuanza-Sul, Cuanza-Norte, Bié, Huambo e Luanda. Segundo o que este jornal apurou, as talas podem ser adquiridas nos mercados informais locais, no valor de 5, 10, 30 até 150 kwanzas, e usadas de diferentes maneiras para atingir o “alvo”. Foi justamente uma de 5 Kwanzas que por pouco teria ceifado a vida de João Domingos, de 35 anos de idade, engenheiro químico ao serviço de uma empresa petrolífera. Conta que numa tarde de Sábado encontrava-se com amigos e familiares comemorando o aniversário do seu irmão mais velho quando recebeu uma chamada telefónica de um número desconhecido.
O autor da chamada, que não se identificou, apenas dizia, “aló… aló…” na tentativa de identificar o seu interlocutor, daí que achando tratar-se de um engano, apesar da insistência, preferiu desligar. “Mesmo ainda no decorrer da chamada, comecei a sentir algumas câimbras e um repentino mal-estar. Algo que não levei a sério. Uma vez que estava no meio de familiares, achei normal”, revelou. Passados alguns minutos, voltou a receber uma chamada telefónica do pelo número. João Domingos recorda que informou o interlocutor que desligaria a chamada por estar indisposto, seguidamente ouviu o mesmo dizendo a uma terceira pessoa: “já está…”. “Ele desligou o telefone sem mesmo despedir-se. Voltei à mesa, junto aos familiares, para continuar a almoçar. Porém, daí em diante tornou-se quase impossível levantar o garfo. Um facto que surpreendeu os convivas”, disse.
Em seguida, uma dor intensa foi dando lugar a câimbras na mão esquerda do jovem e não pararam. Ao longo da tarde, a mesma alcançou a totalidade dos membros superiores, causando-lhe um desconforto total. Rapidamente, começou a sentir também dores na cabeça, no tórax e nos olhos. Na mesma tarde, de emergência, foi conduzido a uma clínica próxima de casa. Entretanto, os familiares foram informados de que os exames feitos deram negativo e que não se conseguia diagnosticar a doença. Foram apenas aconselhados a procurarem por uma segunda opinião, em outros hospitais públicos ou privados. Assim, visitaram mais cinco instituições sanitárias, das quais obtiveram o mesmo resultado: negativo. Passados dois dias, João Domingos “mergulhava” num autêntico sofrimento devido às dores que lhe fustigavam principalmente o braço, que parecia estar a ser serrado por um instrumento qualquer.
A procura pelo tratamento tradicional
Segundo João Domingos, a informação correu pela vizinhança. Comovida com a situação, uma das suas vizinhas sugeriu-lhe que procurassem por tratamento tradicional, porque tinha a certeza que se tratava da Tala. “Eu já tinha ouvido falar sobre o assunto, mas não tinha depositado crédito algum. Então, entre tantas dores, resolvi ouvir, e assim viajamos para Porto-Amboim, província do Cuanza-Sul, ao encontro de uma senhora com fama de ter curado a tala de pessoas de diferentes extractos sociais”, refere. Trinta minutos depois de chegar à casa da senhora, acompanhado por familiares, relatou-lhe as peripécias que enfrentava desde que recebera as “malditas” chamadas telefónicas. “Você tem muita sorte, meu filho.
Pelo tempo, já estarias morto, porque essa tala é de 5 kwanzas e mata aos poucos”. Em pouco menos de uma hora fez o primeiro tratamento, e, passadas 5 ou 6 horas, as dores foram reduzindo paulatinamente. Ainda assim, teve que prosseguir com o tratamento por mais de uma semana, até que a dor diminui-se e restassem apenas as câimbras, essas que também se foram num curto espaço de tempo. Algo que a medicina convencional não conseguia resolver. Hoje, de regresso à vida normal, restou-lhe o trauma em relação a chamadas provenientes de números desconhecidos, assim como de apertar a mão de pessoas estranhas.
Hospitais sem solução
Já Maria Lídia, outra vítima, relata que quando um paciente dá entrada aos hospitais em situações do género, os técnicos de saúde receitam habitualmente anti-inflamatórios para conter a dor. E aqueles que já conhecem o comportamento dessa patologia recomendam um médico tradicional, vulgo curandeiro. O testemunho baseia-se na experiência que teve ao ser diagnosticada com a “doença”, durante uma viagem à província do Huambo. Antes de ser submetida ao tratamento tradicional, fizeram-lhe um “exame” para determinar a causa das dores. “Deram-me a beber um líquido que provocou o aumento da dor e das inflamações em todo o corpo. Ficou todo dorido”, conta a jovem de 24 anos, estudante do 2º ano de Direito.
“Não é feitiçaria, é envenenamento”
Para o sacerdote católico José Esteves, a Tala não é feitiçaria mas envenenamento. “Há quem conhece os segredos da natureza para curar, entorpecer ou matar… Seja aldeão ou urbano, analfabeto ou licenciado. Basta conhecer o poder da natureza e aproveitam-se disso”, esclareceu. Tal explicação enquadra-se perfeitamente na abordagem que Noé, o médico tradicional que curou António Jacinto, fez sobre as causas da doença. O paciente foi esclarecido por Noé que a tala que o afligia estava avaliada em 5 Kz, que foi lançada por via de uma água que pisou. “Tinha como objectivo matar- te em pouco tempo, pois quanto mais barato for a tala mais perigosa é”, parafraseou. No final da tarde, foi-se deitar ainda acometido com algum formigueiro, porém, na manhã seguinte, já tinha parte do pé inflamado e o formigueiro sarado. Realçando que o pé voltou ao normal em 48 horas, mas ainda assim, as dores faziam- lhe chorar como uma criança, porque ficou com a pele flácida e avermelhada, pelo facto de ter sido raspada durante o tratamento. Antes de regressar à Luanda, foi agradecer ao Noel, que assim lhe conselhara: “cuidado com todos os que te rodeiam. Só Deus te pode proteger da tala”, recordou.
Alegada doença espiritual/ tradicional
A senhora Joana, por seu turno, disse ainda ao jovem que a tala é uma doença mortal. Uma espécie de doença espiritual/tradicional, um elemento de feitiçaria, que tem como objectivo incapacitar um individuo. A mesma doença tem como característica principal dores terríveis e inimagináveis. A inflamação que chegou até ao joelho e acusou um nível de dores insuportável, provocando constantes febres, ao ponto de em alguns momentos delirar, foi estancada graças a um tratamento à base de folhas e outros componentes completamente naturais. “Fiquei impressionado com o efeito imediato da medicação a que fui submetido. Numa fracção de minutos comecei a sentir as dores atenuarem. Em menos de duas horas eu tinha apenas formigueiros no pé, embora continuasse inflamado”, relatou António Jacinto.
Sem distinção de classe social
Um dos exemplos de que a condição social e financeira não determina o alvo da tala é o caso de António Jacinto, sargento das Forças Armadas Angolanas. Conta que começou a sentir uma dor estranha no primeiro pododáctilo (dedo grande) do pé direito que deu lugar a dois pequenos furúnculos, em volta da unha. As dores foram aumentando com o passar do tempo. “Eram dores constantes e já condicionavam o meu quotidiano”, afirmou.
Dois dias após o surto de furúnculos, resolveu enviar uma fotografia do primeiro pododáctilo à sua namorada, para que tivesse noção real do que lhe importunava. “Ela apavorou-se, e aconselhou-me a consultar um adulto para perceber o que se estava a passar, pois ela desconfiava que se tratasse de uma Tala”, disse o jovem que até então considerava o assunto uma mera falácia. Daí que encarou a sugestão como uma mera brincadeira. Face ao aumento das dores e o alastramento das inflamações, resolveu falar com a responsável da cozinha da sua unidade, pois tratava- se de uma mulher bem informada sobre questões tradicionais e muito supersticiosa.
Pois que, “ao ver o meu pé, gritou assustada: meu filho vai já tratar isso…”, recomendou. Segundo ele, a Tia Joana, como é carinhosamente tratada na cozinha, tendo-lhe alertado que já se registaram casos desses entre oficiais superiores da mesma unidade, tendo um deles acabado por falecer pelo facto de tê-la ignorado. “Estava diante de um ataque tradicional, provocado por alguém que me queria prejudicar”, desabafou. Acatando os conselhos, regressou à sua terra natal, Calulo, município do Libolo, província do Cuanza-Sul, onde encontrou tratamento.