Os becos e as ruas apertadas que confluem o interior do bairro, que tem a imagem maculada pela delinquência, prostituição e alcoolismo, não retira o orgulho que os moradores têm do Catambor, alocado ao distrito urbano da Maianga, município de Luanda.
Contas feitas, 5 núcleos dividem o bairro, onde se destacam a Mulembeira, Rio Seco, Saber Andar, Bri-Bri e Centro Médico.
Quem vive aqui, apesar da vida sofrida, levanta a bandeira para defender, com “garra”, o que considera ser um gueto com os privilégios da cidade, devido à proximidade de serviços à sua volta.
Diferente dos outros guetos descolados do casco urbano, as casas do Catambor, na sua maioria de construção anárquica e em condições débeis de habitabilidade, têm água da rede pública e energia eléctrica regulares, quer por via de ligações da ENDE, quer por puxadas que rasgam as ruas de um lado para o outro, muitas vezes constituindo eminente perigo para quem ali vive e circula.
O terreno montanhoso, rasgado por pequenas valetas que transbordam as águas residuais, que não têm por onde desaguar por falta de sarjetas e sistemas de esgotos convencionais, demonstra a saturação e o aperto das famílias que ali vivem, cujas casas, agrupadas umas das outras, quase que não dispõem de espaço para ventilação, constituindo assim um sufoco para quem aí vive.
“Aqui as janelas do quarto dão para o quintal do vizinho. Já estamos habituados a viver assim, porque estamos pertos da cidade. Por isso é que daqui ninguém sai. Estamos próximos de tudo”, fala com orgulho o morador Alberto Manuel, 21 anos de idade.
Mobilidade difícil
Pelo interior do bairro, na maior parte dos pontos, a circulação é feita apenas de motorizadas, bicicleta ou a pé, devido à limitação de espaço que foi todo ocupado por casas e casebres, lojas, salões de belezas e pequenas pracinhas que servem de suporte aos moradores locais.
“Hoje, o que temos aqui apenas são casas e algumas escolas. Espaço de lazer não temos, porque está tudo ocupado. Mas, fazer o quê, temos de nos acostumar, sobretudo nós os mais-velhos, que já vivemos aqui há muitos anos”, lamenta Santa Gervásio, 80 anos de idade.
Ponto de encontro entre a cidade e o gueto
No andar pelo bairro, o sentimento de insegurança é o primeiro que invade quem pela primeira vez escala o local repleto de becos, ruas curtas, paredes das casas tortas e infinitas entradas que furam o asfalto e convergem em outros bairros e pontos da cidade como Margoso, Chabá, Prenda, Largo da Maianga, Mutamba, Alvalade e outras esquinas de Luanda, constituindo assim um verdadeiro ponto de encontro.
De manhã, as ruas e entradas do Catambor são agitadas por moradores, crianças em tudo quanto é canto e a gente que sai de um ponto para o outro da cidade e passa pelo interior da circunscrição a caminho do serviço, escola ou outros afazeres diários.
Nas pequenas bancadas, à porta de casa, ou no entra e sai das zungueiras, muitos transeuntes e moradores locais, a caminho dos afazeres diários, aproveitavam o período matinal para comprar pequenos mantimentos para o matabicho, desde a magoga, ginguba com bombó, kissangua, refrigerante e bolinhos, colocados em pequenas vitrines.
“Muitos furam por aqui, no interior do bairro, para sair já do outro lado da cidade, por ser mais fácil do que andar à beira estrada”, refere Avelino Francisco, transeunte que todos os dias utiliza o interior do Catambor para chegar ao serviço.
Já as donas de casa que não conseguem atravessar a estrada para chegar até à praça do Nunes, no Prenda, maior mercado da proximidade, para comprar o jantar, recebem, a preço barato, à porta de casa, o peixe fresquinho que sai da Mabunda, Chicala e Ilha, que são comercializados em pequenas bacias e caixas pelas zungueiras que desbravam o areal até ao asfalto, gritando com fervor; “é peixe, é peixe…”.
“Nós aqui, por estarmos próximos do mar, o peixe chega fresquinho e em boas condições. O peixe que a zungueira nos vende é o mesmo que ela vende aí no Alvalade, Maianga e na Mutamba.
Eles, os fiscais, até podem correr com todos, mas com as peixeiras não. Elas são antigas, do tempo dos nossos pais”, explicou Adelaide Miguel, moradora há 30 anos.
As influências que arrastam maus hábitos
A aparente tranquilidade que o bairro apresenta ao longo do período diurno não é a mesmo que transborda no período da noite, até mesmo para os próprios moradores.
Entretanto, quando o sol começa a dar lugar à lua, jovens e adolescentes entram em cena e se agrupam em quase todos os cantos e esquinas do bairro, vagueando de um lado para o outro, sob efeito de álcool e drogas. Contam os moradores, nem todos são do Catambor.
Outros vêm dos bairros circunvizinhos e confluem na zona onde se juntam para acções delituosas, como consumo de drogas, assaltos, lutas de gangs e outras práticas.
“Até filhos de ricos têm aqui amigos e acabam trazendo ou levando más influências. É que, por estarmos todos próximos, então os daqui se sentem também que são da cidade”, situa um outro morador.
Um corredor da droga e prostituição
As pequenas roulotes, bares, festas de rua e até casas de venda de bebidas escondem a realidade da prostituição e das drogas, como contam os moradores, e que dizem já muitas vezes terem denunciado às autoridades.
Conforme relatam, o interior do bairro é escalado, quase sempre, por pessoas aparentemente bem posicionadas, entre anónimos e conhecidas que se relacionam com os jovens locais, numa coabitação completamente estranha para quem é mais atento. “Temos aqui miúdas e miúdos que não fazem nada.
Ao longo do dia ficam a dormir e à noite são levados por grandes carros que param na ponta da rua. E muitas destas miúdas hoje estão aqui grávidas e com filhos de pessoas até famosas”, desabafou um morador, que acrescentou ainda dizendo que, “por ser um gueto no coração da cidade, o Catambor é um corredor da droga e prostituição usado por pessoas bem posicionadas”.
“As curvas e os becos é que tiram o sossego”
Quem também lamenta a forma desordenada e o rápido crescimento do bairro é Nelo Joaquim, 68 anos de idade. À porta da sua casa, o ancião efectua o seu serviço de sapateiro, actividade que desenvolve desde que foi reformado, há dez anos.
Na sua humilde sapataria, mesmo no quintal de casa, “Ti-Nelo”, como é conhecido pela vizinhança, recebe clientela da Maianga, Alvalade e até da Mutamba que procuram pelos seus serviços por conta da qualidade e proximidade Entretanto, apesar do martírio que é para chegar na sua casa, devido aos becos e ruas apertadas, Ti-Nelo diz que consegue receber normalmente os seus clientes, que fazem os mais difíceis sacrifícios para chegar até à porta da sua casa.
“Estamos próximos da cidade. Isso é verdade, mas estamos longe de ter uma vida digna, porque a forma como isso cresceu é difícil haver desenvolvimento.
Os meus clientes choram para chegar aqui, porque é muito difícil. As curvas e os becos é que tiram o sossego”, apontou.
O contraste do passado e o presente
O Catambor dos anos 50/60, altura que surgiram os primeiros moradores, provenientes de Malanje e Cuanza-Sul, não tem nada a ver com a zona que é hoje, como conta Henrique Silva, antigo morador.
Conforme explicou, a zona da Mulembeira era o local em que começaram a surgir as primeiras casas construídas, na parte frontal, por famílias já bem posicionadas.
“As primeiras famílias já eram comerciantes, marceneiros, pessoas instruídas, discotequeiros e com uma certa possibilidade.
Aqui viviam pessoas que, naquela altura, já eram funcionárias dos brancos do Alvalade. E vivia-se muito bem, diferente de hoje em dia, em que está a se viver muito apertado, porque as pessoas querem estar próximo da cidade”, frisou, acrescentando ainda que, “noutrora, o acesso ao bairro era feito mediante a entrada por baixo onde actualmente está colocada a pedonal da Avenida Revolução de Outubro e na rua da Martal.
‘‘Becos são refúgios para os bandidos”
Para Maria Miguel, 55 anos, moradora, os becos do Catambor constituem espaços de refúgios para os grupos de delinquentes que volta e meia tiram a paz dos moradores diante de um policiamento débil.
Para além dos grupos locais, contou, outros assaltantes dos bairros vizinhos como Chabá, Margoso e Prenda encontraram nos becos e curvas do Catambor espaços de refúgios, embora, frisou, devido à união dos moradores, se regista, actualmente, uma considerável queda.
“Já estivemos mal, mas vamos registando uma diminuição no número de assaltos. Mas a verdade é que os becos são refúgios para os bandidos”, frisou.
Perto da cidade, despido de serviços
Entretanto, à semelhança dos bairros periféricos de Luanda, no Catambor, o grito de socorro prende-se, igualmente, com a falta de alguns serviços essenciais, com realce para mais escolas, centros de saúde e espaços de lazer e aproveitamento dos tempos livres para os jovens.
Na circunscrição, apenas quatro escolas e um centro médico público estão à disposição do grosso da população local.
Já a falta de campos de futebol, biblioteca e quadra desportiva são apontados como dos grandes males que influenciam a juventude para outros caminhos, como disse Edmilson Gomes, 24 anos, morador da zona.
“Normalmente, atravessamos a estrada para ir ao Prenda ou outros bairros próximos para jogar. Mas, penso que se tivéssemos aqui tudo seria mais fácil”, defendeu o jovem.
“Crescimento atraiu bandidagem”
Todavia, com o tempo, depois da independência de 1975, o bairro foi-se estendendo. O movimento foi crescendo, sobretudo com o agudizar da guerra civil, na década de 90, em que várias famílias provenientes do interior do país começaram a se instalar em Luanda, disparando assim o crescimento do bairro e de forma desordenada, muito por conta da falta de atenção das estruturas governamentais.
“Depois começamos a ver o bairro a receber gente de vários lados. Também não havia assim tanta organização na distribuição de terrenos. Era só quem chegou entrava. E isso começou a ficar assim estragado, até hoje. Ou seja, o crescimento atraiu a bandidagem”, deplorou Rosa Alberto, 75 anos de idade.
“Nem tudo vai mal”
Apesar das dificuldades, os moradores do Catambor falam de orgulho do bairro pelo facto de ser uma das referências de Luanda na criação de filhos e figuras que hoje orgulham o país.
O secretário-geral da Associação dos Naturais e Amigos do Catambor, Edimilson Gomes, disse que, por se um bairro muito sofrível, os jovens visionários locais conseguem dar a volta por cima e se afirmarem nas diversas áreas como o da cultura, desporto e literatura, como os Jovens do Prenda, Sónia Guadalupe, Fineza Eusébio, Miguel (ex-jogador do Petro de Luanda), The Game Wala e Pai Grande o Poeta. Conforme referiu, é que, de tanto sofrimento, as pessoas do Catambor conseguem dar a volta por cima e, por esta razão, a sua associação tem trabalhado para ajudar todos aqueles que sozinhos não conseguem caminhar.
Explicou que, à semelhança do que foi feito no passado, a Associação dos Naturais e Amigos do Catambor procura levar à sociedade uma imagem positiva daquilo que é o bairro, através da promoção das boas acções.
Neste sentido, fez saber que a Associação já ajudou mais de 2 mil pessoas com programas de retirada da delinquência, combate às drogas, assistência social, luta contra a violência doméstica e outras práticas erradas que descaracterizam a boa imagem da zona.
“Com estas acções, queremos dar um sinal que nem tudo vai mal no nosso bairro. Que existem aspectos positivos que as pessoas podem absorver”, destacou.
Polícia atenta e reforça patrulhamento
Já o porta-voz da Polícia Nacional do Comando Provincial de Luanda, superintendente Nestor Goubel, disse, em recente entrevista ao Jornal OPAÍS, que o Catambor faz parte do grupo de bairros que os órgãos de defesa e segurança têm dado atenção especial, devido à perigosidade que representam.
Conforme explicou, apesar de ainda haver situações delituosas, ainda assim, o Catambor teve uma melhoria considerável, muito por conta do crescer da cultura de denúncias por parte dos cidadãos e o reforço do policiamento. “Não paramos. Continuamos a fazer o nosso trabalho.
Mas, agora, é preciso que as populações e as famílias continuem a denunciar todo e qualquer acto que atentam contra o bem-estar social”, apelou.
Melhoria do bairro faz parte das prioridade
Por sua vez, o administrador do distrito urbano da Maianga, Pedro Afonso Paca, reconhece os problemas que afligem o bairro do Catambor, mas avançou algumas acções com vista à sua melhoria.
A título de exemplo, o governante disse que, no que diz respeito à criminalidade, está em curso o programa de requalificação e recuperação de algumas torres que vão garantir iluminação pública e travar, assim, o esconderijo de delinquentes que, depois de cometerem as suas acções, se refugiam em locais considerados escondidos.
Outrossim, anunciou que, no âmbito do Programa de Combate à Fome e à Pobreza, está igualmente em curso a reabilitação da secção de saúde e um centro que vai atender melhor a população local.
Todavia, apesar da carência de unidades hospitalares e de ensino no interior da zona, Pedro Afonso Paca referiu que, por ser um bairro alocado ao casco urbano da cidade, os moradores têm à sua volta o Hospital Geral do Prenda, Josina Machel, as instituições de ensino do Largo das Escolas e outras cadeias de apoio que dão suporte ao bairro.
“Ou seja, estamos a falar de um bairro que pode não ter muita coisa no seu interior, mas tem uma série de serviços e instituições que dão garantias e auxílio aos moradores, o que acaba por minimizar as necessidades”, apontou.
Estruturação do bairro impede muitas acções
Por outro lado, Pedro Afonso Paca explicou que a forma como o bairro cresceu e está estruturado impede, actualmente, de se fazer grandes alterações e mudanças.
Porem, explicou, é preciso que os moradores tenham calma, porque, naquilo que estará ao alcance do poder local, será feito.
“Fazer grandes alterações no bairro não é possível, porque a forma como está construído nos obrigava a fazer mudanças abruptas. Mas vamos dando o nosso suporte necessário e intervir aí onde for possível”, frisou.