Em entrevista exclusiva ao jornal OPAÍS, o antigo jogador de fute- bol, João Cláudio de Almeida Gomes “Miller Gomes”, falou da sua infância no bairro Prenda, na capital angolana, tendo revelado a influência que os seus irmãos, Toni, Gil e Valdano Gomes, tiveram para sua entrada ao mundo do desporto-rei. O actual director técnico da Federação Angolana de Futebol (FAF), que também foi treinador do Petro de Luanda e do 1.° de Agosto, lamentou a falta de valorização dos técnicos angolanos, bem como abordou o estado do desporto comunitário e programa de desenvolvimento da modalidade no país. Miller Gomes revelou igualmente o objectivo da Academia Kamba Sport, no Zango 3, na província de Icolo e Bengo
Que recordação tem do bairro Prenda?
Minhas maiores recordações da infância, obviamente, são do meu bairro, o Prenda, que me viu nascer e crescer. Só há uma particularidade nestas lembranças, que é o facto de nunca ter estudado em escola alguma do Prenda, da primária, passando pelo secundário e por aí em diante. Como sabe, é na escola primária onde se fazem as primeiras e grandes amizades, mas no meu caso não. Mas a particularidade do futebol permitiu consolidar amizades. Os jogos de finais de semana é que marcaram muito as minhas lembranças, umas vezes apenas ir assistir os kotas e noutras para jogar também.Lembro bem das nossas caminha- das para ir ao Cassenda, Mártires, Samba, Bairro Azul, Corimba, Cassequel e outros bairros limítrofes ao Prenda, para os trumunos.
Ainda tem saudades do tempo em que jogava com os amigos nos campos pelados do bairro Prenda?
Mais do que saudades, é um misto de sentimentos… nostalgia, digamos. Foram momentos que marcaram a construção da nossa personalidade. Ajudou a definir também, de alguma forma, os valores e princípios de convivência social, de grupo e de família.
Naquele tempo, os torneios de bairro registavam boa moldura humana?
Naquele tempo, jogar a bola era a nossa vida, depois da escola e dos trabalhos de casa obrigatórios, como lavar a louça, ir ao mercado, lavar a roupa quando necessário… Havia mais espaços para a prática, menos opções para diversão (hoje os smartphones e playstations dividem o tempo). Havia mais amor, as pessoas eram menos materialistas.
Prenda é um bairro onde nasceram bons jogadores. Que jogador lhe dava muito trabalho nos jogos de rua?
Sim, o Prenda sempre teve bons jogadores. Naquele tempo, da minha geração, tínhamos o Zé Osso, Domanga, Mie, Gi Kako, Zé Picas, Kyaya, Campista. Mas havia muito mais, de gerações anteriores, como Toni Estraga, Beto Furtado, Novato, Gil Gomes, Meireles, Nito, Nando Gomes, Marito, Artur Almeida, Tanaka, entre muitos.
Sei que é de família desportista, em particular do ‘desporto-rei’. Teve influência dos seus irmãos para jogar futebol?
Sim, os irmãos mais velhos são sempre os nossos principais influenciadores, sobretudo quando são “craques”, como eram os meus manos mais velhos, modéstia à parte. E nós acabamos por influenciar os mais novos, e foi assim que o Valdano e o Ady também enveredaram para o futebol. No fundo, não só os irmãos, como sabe, naquele tempo, o conceito de família era bem mais abrangente, então até o filho do vizinho mais próximo era um influenciador.
Como chega ao futebol federado, isto é, no Sporting de Luanda?
Chego ao Sporting de Luanda vindo dos Caçulinhas da Bola. Juntamente com o Mié, Marley, depois seguimos para os Pardais, da Martal, e para os Leões de Luanda.