Na pequena comuna de Chipeta, no município de Catabola, José Armando Sayovo veio ao mundo em 1973. Desde cedo, a sua vida seria marcada por desafios que moldariam não apenas seu carácter, mas também seu destino. Com apenas 15 anos de idade, foi forçado a deixar a infância e a família para trás e ingressar nas fileiras do exército angolano em meio à devastadora guerra civil que assolava o país.
Em 1997, um trágico acidente mudaria para sempre a sua trajectória. Enquanto seguia com a sua coluna militar, José Sayovo provocou a detonação de uma mina antitanque, que o deixou cego.
No entanto, essa situação poderia ter sido o fim de seus sonhos, mas Sayovo provou ao mundo que não seria desta forma. A propósito, a vida lhe apresentou uma nova oportunidade quando recebeu um convite do Comité Paralímpico Angolano (CPA) para ingressar na modalidade, participando dos trabalhos da Selecção Nacional.
Mas o ex-atleta tinha duas opções em carteira, como se dedicar ao atletismo ou fazer uma formação em um instituto especial no Brasil para aprender a ler. Embora o conhecimento fosse tentador, a paixão pela modalidade falou mais alto.
Assim sendo, começou sua jornada nas pistas de atletismo, onde transformou suas limitações em força. A primeira prova em que José Sayovo participou foi no Cortamato, no Porto Kipiri, na província do Bengo, em 1999. Para a surpresa de muitos e alegria própria, o ex-atleta sagrou-se o grande vencedor. Esse triunfo inicial foi apenas o começo de uma carreira repleta de conquistas.
Afirmação de Sayovo no cenário internacional
No ano 2000, José Sayovo, de 51 anos de idade, participou do Campeonato Mundial de Corta-Mato em Portugal, onde conquistou uma medalha de prata. A partir daí, sua trajectória se tornaria um exemplo de superação e resiliência.
No mesmo ano, isto é, no Campeonato Africano de Atletismo, no Egito, trouxe para casa três medalhas de ouro. Um dos marcos mais importantes na carreira de Sayovo ocorreu em 2003, durante o Campeonato Mundial de Atletismo para deficientes visuais (IBSA) no Canadá.
Naquele evento, não apenas ganhou três medalhas de ouro como também estabeleceu um recorde mundial nos 400 metros com o tempo de 50 segundos e 23 décimos. Os Jogos Pan-africanos em Abuja (Nigéria), também em 2003, foram mais um palco para suas vitórias. José Sayovo trouxe duas medalhas de ouro para Angola.
Já nos Jogos Paralímpicos na Grécia, em 2004, o ex-atleta voltou a dar alegrias aos angolanos ao conquistar três medalhas de ouro nos 100 m, 200 m e 400 metros. Com aquele feito em Atenas, Sayovo tornou-se o primeiro atleta a ganhar medalhas para Angola no evento. Em 2005, durante o Campeonato Africano na Tunísia, Sayovo continuou a brilhar com duas medalhas de ouro e uma prata.
Em 2006, na Holanda, no Campeonato Mundial, o antigo atleta conquistou uma medalha de bronze. José Sayovo não parou por aí, tendo competido novamente no Campeonato Mundial para deficientes visuais, no Brasil, em 2007, tendo garantido três medalhas de prata.
No Campeonato Africano, em 2008, na Tunísia, e nos Jogos Paralímpicos em Pequim no mesmo ano, Sayovo continuou a trazer honras para sua nação com várias medalhas.
Em 2010 e 2011, o antigo atleta participou activamente dos campeonatos africanos e mundiais, onde continuou a acumular medalhas em várias competições internacionais. Entretanto, o último grande desafio aconteceu nos Jogos Paralímpicos de Londres, em 2012. Naquele ano, conquistou uma medalha de bronze nos 200 metros e uma medalha de ouro nos 400 metros.
“Dentro de poucos anos teremos novos Sayovos”
Aantiga glória da Seleção Nacional revelou a este jornal acreditar que, nos próximos cinco anos, a modalidade vai regressar à ribalta. No entanto, o agora vice-presidente do Comité Paralímpico Angolano (CPA) justificou o seu ponto de vista em função da construção do Complexo Desportivo Paralímpico José Sayovo, na localidade do Bucula, na província do Bengo.
Referiu que o complexo ocupará uma área de oito hectares e contará com diversas instalações modernas, incluindo um campo de futebol onze, uma pista de atletismo, uma piscina olímpica e áreas sociais e administrativas. Disse que o projecto também prevê alojamento para 250 atletas, o que permitirá a realização de treinos e competições em um ambiente adequado e profissional.
O dirigente fez questão de assinalar que a conclusão da obra está prevista para Setembro do próximo ano. Considerou o empreendimento um marco para a modalidade paralímpica em solo angolano, visto que tem o condão de não apenas a inclusão de atletas com deficiência, mas também a promoção do atletismo adaptado.
O recordista mundial destacou que a criação desse espaço será fundamental para detectar e formar novos talentos, proporcionando, assim, condições necessárias para que os atletas possam se desenvolver plenamente. Sublinhou que a construção deste projecto reflecte o compromisso do governo angolano com a inclusão social e o desenvolvimento da modalidade.
“Acredito que esse projecto vai voltar a colocar o nosso atletismo no lugar onde sempre esteve. Penso que vamos ter vários Sayovos daqui a alguns anos. O centro vai conferir qualidade de trabalho.
Este projecto vai proporcionar visibilidade e valorização do atletismo paralímpico em todo o país. As condições actuais que temos não nos permitem termos grandes marcas em provas internacionais.
Não temos uma pista de tartam. Temos apenas de cinza, o que não é aconselhável para um praticante, pois coloca em risco a integridade física”, disse o recordista mundial.
Sayovo defende inclusão de pessoas com deficiência no desporto
Oexpoente máximo do atletismo adaptado em solo nacional ressaltou que o seu pelouro continuará a trabalhar «sem mãos a medir» para a inclusão de pessoas com deficiência no atletismo nacional e em outras modalidades como forma de combate ao preconceito.
O dirigente destacou que essa prática tem sido eficaz, visto que tem contribuído para a diminuição do número de jovens com deficiência nas ruas envolvidos em actos de mendicância.
Sublinhou que campanhas de mobilização nas demais regiões do país por parte do Comité Paralímpico Angolano, assim como de várias sensibilidades da sociedade, têm sido determinantes neste aspecto.
“Antigamente, tínhamos muitos jovens a pedir dinheiro em zonas públicas e não só. Actualmente, as coisas mudaram. Já não vimos com frequência jovens nas ruas. Vemos mais senhores com idade avançada. Significa que estamos a trabalhar”, começou por dizer.
O ícone do atletismo angolano também fez um apelo às famílias, pedindo que abandonem a mentalidade de esconder seus membros com deficiência. “As nossas famílias também devem contribuir para a massificação da modalidade.
Há famílias que gostam de esconder pessoas com deficiência. Não podemos continuar com essa mentalidade. A nossa selecção precisa de mais jovens”, concluiu.
“Fui um grande promotor do atletismo angolano no exterior”
J osé Sayovo fez questão de referir que foi um grande promotor do atletismo angolano no cenário nacional e internacional. “Fui um atleta fenomenal. Bati muitos recordes. Sou uma referência em Angola e no mundo”, começou por dizer.
Sayovo, que conquistou diversos títulos e quebrou barreiras ao longo da sua carreira, mostrou-se satisfeito com suas realizações. “Ganhei o que tinha que ganhar. Sinto-me realizado enquanto ser humano.
O sentimento é de dever cumprido”, disse, reforçando a importância do seu legado para as futuras gerações de atletas. O ex-atleta também referiu o seu papel na promoção da inclusão e na valorização das pessoas com deficiência.
“Mostrei ao mundo que as pessoas com deficiência também têm valor na sociedade”, assinalou, acrescentando seu compromisso em inspirar e abrir portas para outros atletas.
Por: Kiameso Pedro