O sociólogo Zeca Branco Dias disse ao jornal OPAIS que a condição social das atletas, algumas vezes, abre caminho para que o assédio sexual no andebol feminino seja uma realidade
Que motivações levam, em alguns treinadores e dirigentes a assediarem as atletas?
As motivações que levam treinadores, dirigentes e médicos desportivos assediarem atletas resulta, em primeiro lugar, da estrutura social bastante machista e das relações sociais desiguais entre homens e mulheres.
No sistema sociocultural desportivo, as mulheres encontram-se numa situação de vulnerabilidade.
Os clubes, enquanto associações desportivas, têm ou deviam ter uma cartilha de ética para prevenir tais práticas?
As equipas devem ter mecanismos regulatórios e sancionatórios para preparar as atletas desde os escalões de formação aos seniores a protegerem-se contra as práticas de assédio sexual, muitas vezes, perpetradas pelos treinadores e dirigentes desportivos.
Os clubes, as associações e as federações devem ter órgãos especializados para receber denúncias.
O assédio sexual acaba ou não por matar o arranque da carreira de algumas jovens, que de tanta pressão, preferem desistir?
É verdade que o assédio sexual aniquila, transforma em nado-morto, do ponto vista desportivo, atletas com elevado talento. Muitas jovens atletas, com moral e ética, desistem logo da carreira por não suportar em pressões e ambientes de assédio sexual.
Fala-se que muitos pais indeferem a vontade de algumas filhas praticarem desporto por isso, este é o caminho mais correcto?
Há os não ditos públicos da esfera desportiva. As informações que circulam boca em boca sobre os ambientes do treinamento desportivo no que diz respeito aos comportamentos desviantes sexuais, nas lides desportivas, deixam qualquer encarregado de educação perplexo e chocado. Por isso, certos pais não aceitam.
Este desvio de comportamento, muitas vezes fica atrás da porta. Para se proteger a imagem das pessoas visadas, é o melhor caminho?
Esses actos ficam selados a sete chaves, não para proteger as possíveis pessoas visadas, mas a imagem do clube e das associações desportivas.
Esse caminho não é seguro, porque estaríamos a perpetuar uma prática ou um comportamento que tem consequências traumatizantes para a vida das pessoas e da própria sociedade.
Nos EUA, o professor (treinador) de ginástica, após ser descoberto, foi convidado a colocar o cargo à disposição e responde por um processo.
É um exemplo a seguir?
Acredito que sim. Angola deve ser uma nação, um país, um Estado, onde os padrões de ética e moralidade têm espaço e são consagrados como essenciais na nossa espiritualidade.
Todas as lideranças, em particular, a desportiva, que falhe nesse quesito deve colocar o cargo à disposição. A educação faz-se com exemplaridade.
O presidente da Federação Espanhola, Luis Rubiales, após a Selecção feminina conquistar o Mundial realizado na Austrália e na Nova Zelândia, em Agosto passado, beijou a atleta Jenni Hermoso.
O caso tornou-se polémico e forçou o dirigente a abandonar o cargo.
Houve ou não coerência?
A demissão foi uma atitude acertada. Apesar das polémicas à volta, se o beijo foi ou não consentido até hoje está por se apurar.