Mãe, actriz e investigadora, Zulmira Brito iniciou-se nas artes cénicas aos 16 anos, no Colectivo Oásis da Força Aérea Nacional (FAAN), em Luanda, numa altura em que o teatro era pouco expressivo. Hoje, aos 49 anos, revela-se uma actiz versátil e promissora. Responsável da Brigada Artística daquele órgão das Forças Armadas Angolanas, fala da sua experiência, conquistas e fracassos no domínio do teatro
POR: Augusto Nunes
Como e quando entrou para as artes cénicas?
Entrei para as artes cénicas quando tinha 16 anos, e foi numa altura muito difícil, em que não se ouvia falar do teatro . Pelo impulso do professor Africanu, fomos lutando até que hoje o teatro é muito bem falado. Naquela altura, nós que fazíamos teatro, principalmente as raparigas, éramos chamados nomes feios, que não vou aqui repetir aqui. Mas fomos coesos e persistentes, e hoje ainda encontramo- nos no teatro com muita fé e muita garra. Por isso, acredito que hoje, a nível nacional, o teatro tem um poder muito forte, porque as pessoas vieram desde o princípio, continuaram e não desistiram.
28 anos de carreira, que balanço faz deste percurso?
É um percurso que, embora com muitas peripécias e muitos atropelos, começámos crianças. Hoje somos adultos e com muita força. Não foi fácil chegar até esta altura, 30 anos. São muitas coisas que acontecem e graças a Deus somos filhos da Força Aérea Nacional, que tem aguentado o Oásis, particularmente, muito embora tenha uma Brigada Artística. Temos trabalhado muito para que o teatro tenha um bom nome na sociedade. Todos nós sabemos que o teatro é pedagógico, e isso alimenta-nos o espírito. Realmente, não foi fácil esta caminhada. Foi uma estrada muito dura e com muita batalha, porque uma mãe e dona de casa tem filhos para cuidar, e conseguir dividir várias tarefas não é fácil. O teatro uma arte pouco falada ou quase que relegada para segundo plano, mas não deixaremos de batalhar. Hoje estamos nos 30 anos de carreira e vamos continuar porque acreditamos em bons dias.
Quais foram os momentos mais marcantes deste percurso?
As fases mais marcantes deste percurso, na minha fase como actiz, foi quando trabalhei durante 7 anos para a Rádio Novela “Kamatondu”. Estar em palco e estar na rádio é realmente um pouco diferente, é uma história marcante. Fazer novela de rádio é uma coisa que marca, o rádio-ouvinte fica na expectativa. Foi para mim uma história marcante. Nas nossas telas também trabalhei muito em vários artigos de publicidade, em várias tele-histórias nossas africanas. Foram épocas que de facto marcaram- me bastante. Devo recordar, também, que uma das fases que me marcou foi quando fizemos a estreia da “A Morte do Velho Kipacaça”, uma das peças tradicionais do Grupo Oásis, escrita pelo escritor Boaventura Cardoso, para a qual tínhamos que fazer campo e pesquisar. Isto marcou-me muito.
E os momentos mais críticos?
As fases mais críticas foram do período em que estávamos em conflito, e o Oásis tinha que levar as suas peças a outras pessoas fora de Luanda. Como trabalhamos num ramo militar, tínhamos que sair de Luanda para conviver com as tropas. Foram várias peripécias. Mas, o actor ou actiz é sempre forte. Com coragem estávamos sempre presentes e hoje somos o que somos.
Como se sente ao transmitir mensagens pedagógicas para tropa?
Sinto-me tropa, porque todos os temas que nos são dirigidos para a produção das peças são muito bem trabalhados. Temos a repartição de cultura que nos passa as mensagens, trabalhamos as peças nas várias vertentes, desde a abertura de instrução e todos os aspectos sócio-culturais no seio da tropa. Falamos do álcool, da droga, falamos de tudo um pouco, enfim, tudo é palestra realizada pela Direcção de Educação Patriótica da FAAN, e levamos ao palco, para passar esta mensagem aos militares, porque com o teatro as pessoas têm a atenção de ver, levar e guardar. Este é o nosso trabalho com a Força Aérea Nacional. E acredito que o trabalho dentro deste Órgão das Forças Armadas está a ser bem recebido.
Como é que os militares encaram a vossa participação em vários palcos no quartel, no interior e no exterior do país?
Somos bem recebidos, porque quem começou primeiro com uma Brigada Artística foi a Força Aérea Nacional e daí em diante, os outros ramos das Forças Armadas seguiram mesma iniciativa, criando também as suas próprias brigadas. Os militares recebem-nos muito bem, porque levamos boas mensagens. É só para ver que cada actividade, mesmo fora da Força Aérea Nacional, é muito bem recebida.
Falou da sua participação em algumas séries e telenovelas africanas. Queira citar algumas.
Já tive participações na série “Conversas no Quintal”, da Televisão Pública da Televisão Pública de Angola, “Vidas Ocultas” no filme “Muradouro da Lua”, na Telenovela “Sede de Viver”, “Jukulomeso”, e já participei também em várias publicidades como Dona Xepa, a Massa Dona Maria, Raspadinha da Sorte, e hoje sou actiz. Além de actriz, sou membro da Comissão Directiva da União Nacional dos Artistas e Compositores (UNAC). A acredito que estou bem feliz nesta minha linha cultural.
Como vai o intercâmbio entre o Oásis e demais colectivos teatrais do país?
É muito bom. Nós temos um bom intercâmbio com o Exército, com a Marinha de Guerra Nacional, com UGP, com todas Unidades Militares. Sempre que houver uma actividade militar, estamos presentes. Há 3 anos, isto é em 2013, criamos um Festival de Variedades, com todas as brigadas artísticas a nível das Forças Armadas, na província do Huambo. Houve muita interação, animação e troca de experiência, ficamos felizes e aprendemos bastante. Foi muito gratificante.
Fale-nos um pouco mais da sua experiência na Rádio Novela Kamatondu.
A Rádio Novela Kamatondu surgiu na altura em que se precisava de alguns actores para o casting na Rádio Nacional de Angola. Éramos mais de 200, e graças a Deus, o Oásis, da Força Aérea Nacional, saiu deste casting com cinco actores de primeira, que posteriormente foram trabalhar para a referida rádio-novela. Eu, graças a Deus, sou uma pessoa versátil. Digo versátil porque interpretei vários personagens, como “Elisa de Kamatondu”, “Senhoras da Lavra”, “A Enfermeira”, e tantas outras. Devo dizer que ao nível de Angola toda gente recebeu e ainda continua a receber a rádio-novela. Foi uma rádio-novela muito gratificante!
Como tem conseguido dirigir uma Brigada com mais de 60 pessoas, maioritariamente rapazes?
Realmente não é fácil liderar seres humanos. Cada um tem o seu problema. Temos uma Brigada constituída por 62 elementos, cuja maioria são rapazes, é difícil, mas graças a Deus, tenho sabido ouvi-los porque todos nós somos seres humanos e somos capazes errar. Nós somos unidos e isto fortalece-nos cada vez mais, o que me possibilita gerir esta grande Brigada de 62 elementos. O mais importante é o respeito mútuo que existe entre nós.
Estão em vésperas da celebração dos 30 anos de existência do Oásis Teatro. De que forma o Oásis vai festejar?
Vamos comemorar os 30 anos no Centro Cultural Português. Levaremos vários extractos, colheremos depoimentos de grandes actores que já foram do Oásis e realizaremos também uma mesa redonda que será composta por actores da primeira geração do Grupo Oásis e apresentar a nossa dança com alguns membros da Brigada Artística.
Fale-nos um pouco das experiências e conquistas neste percurso.
Várias…Fizemos várias viagens internacionais, e o que mais marcou no grupo foi o facto de termos levado a nossa cultura a diferentes palcos, concretamente no Reino Unido, Portugal, Brasil, Zimbabwe, Namíbia, África do Sul, Moçambique, entre outros países. Estes 30 anos, servem uma vez mais para reflectir e ver que o grupo ainda continua unido, com energia e, por isso, pode dar mais para o nosso país.
Quais foram as peças exibidas nestes festivais e qual deles marcou o grupo?
A Maputo, Moçambique, levámos uma grande peça, “O Batuque”, encenada pelo professor Africanu kamgombe”, uma adaptação do livro de Chicata Mbalundu. Exibimos também “A Mixórdia de Xonguole”, uma peça que retrata o diálogo dos vivos com o além, que venceu o Prémio Nacional de Cultura e Artes, na cidade do Lobito, na categoria de Teatro, “Galinha do Mato – SOS Mundo”, uma abordagem sobre as contradições que o mundo moderno vive, e tantas outras. Nós primamos pela tradição, temos uma linhagem própria que é “O Futuro Não Deve Ser Entregue Ao Acaso”, e nós não podemos perder a nossa tradição. Todas as peças que nós levamos e exibimos fora de Luanda são todas elas tradicionais.