Eleito recentemente como presidente da Associação Angolana de Teatro (AAT), Tony Frampénio fala, em entrevista exclusiva ao jornal OPAÍS, dos desafios da classe e dos projectos que tenciona levar a cabo para o desenvolvimento do teatro nacional. Baseando-se na experiência adquirida ao longo de vários anos, garante estar pronto para fazer “coisas grandiosas em nome do teatro”
Como surgiu a ideia de candidatar-se a presidente da AAT?
Nunca tive a intenção, na verdade, de candidatar-me ao cargo de presidente da Associação Angolana de Teatro (AAT), mas, passados 30 anos de prática teatral e por me ter formado e especializado na área, além de viver directamente os problemas da classe, comecei a traçar planos sobre como, de uma forma proactiva, debelar aquelas que são as grandes preocupações da classe. Eu sempre tive a intenção de fazer alguma coisa grandiosa em nome do teatro, por isso me formei e fui fazendo muitas preparações para que este dia chegasse, mas não esperava que fosse agora.
Mas ainda assim, comecei de alguma forma a sementar esta ideia quando nós, no período ainda da pandemia, em 2020, fizemos todas as diligências para realizar a primeira acção de renovação de mandatos e percebemos que a direcção cessante não queria.
Foi a primeira vez que concorreu ao cargo?
Sim. Como disse, nunca me passou pela cabeça concorrer, mas a carência e as dificuldades que afectavam a classe me motivaram a tomar esta decisão.
Na altura eu era secretário para o Património da direcção cessante e apresentei alguns projectos que não chegaram à mesa da Associação. Nesta senda, também comecei a ver alguma ausência da prática dos actos estatutários.
Então, tive de apresentar a minha demissão para, assim, apresentar a minha candidatura porque só conseguiria tomar decisões se fosse o presidente, uma vez que, enquanto membro de órgãos sociais, não tinha esta autonomia nem esta legitimidade.
Era a nós que os problemas chegavam e nós somos indivíduos muito activos. Viajámos sempre pelo país e as pessoas vinham até nós e cobravam as responsabilidades da Associação.
Nós colhíamos as informações, fazíamos chegar à direcção, mas nada era resolvido. Então, a partir daí, tivemos que sair da comissão, eu e alguns colegas, para, a partir de fora, conseguirmos fazer a intervenção.
Na altura havia mais concorrentes?
Quando começámos a fazer diligências com a nossa candidatura, o professor Adelino Caracol anuiu a intenção e o presidente da mesa da assembleia, professor Mena Abrantes, convocou a assembleia geral e as pessoas começaram a acreditar que era possível.
Então, a partir daí, começaram a aparecer mais listas, isto é, mais candidatos. Mais pessoas interessadas em concorrer porque nós fomos os primeiros a manifestar esta vontade.
Assim o jogo ficou bonito. Ficou uma festa da democracia e percebemos o que todo o mundo queria. Entendeu-se que os associados queriam uma nova comissão, ou, pelo menos, uma nova direcção, nem que a comissão cessante voltasse a candidatar-se, mas era importante fazer uma reestruturação da Associação.
Em algum momento houve tentativa de rejeição da sua candidatura?
Não. Antes pelo contrário, aliás, a primeira pessoa a quem eu manifestei o interesse em apresentar a minha candidatura foi o professor Adelino Caracol, que é o presidente cessante da AAT. É uma pessoa que sempre me apoiou, sempre disse que se alguém o devia substituir, este alguém seria Tony Frampénio e, por esta razão, senti-me motivado a continuar com este desiderato.
Aprofundei então as minhas ideias e apresentei a minha candidatura. Apesar de o presidente cessante ter apoiado a minha intenção, ainda assim se notou que ele não queria largar o cargo.
Apresentámos estas declarações publicamente e percebemos que, a cada dia que passava, a classe ficava cada vez mais agastada com a situação que se vivia na AAT. Nós éramos malvistos por fazer parte da associação que não resolvia os problemas da classe.
Quais foram as linhas de força que nortearam a sua campanha, ao longo da sua candidatura?
A nossa lista dirigia-se com base em três eixos principais: institucionalização, formação e gestão artística. O primeiro eixo tem a ver com o facto de sermos uma classe cuja Associação não está institucionalizada, apesar de existir há mais de 20 anos, ser conhecida e as pessoas saberem que ela existe e fala pelo teatro.Não está registada formalmente.
Não tem um cunho jurídico reconhecido. Não obstante a direcção cessante ter legalizado a AAT, temos um estatuto que, por sinal, também é duvidoso O processo institucional é longo e precioso.
Abrange as esferas do aparelho do Estado, desde o Ministério da Cultura e Turismo, Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, Ministério da Administração Pública, Emprego e Segurança Social, através do INSS, enfim.
Aliás, o Estado angolano interage com entes organizados e legalmente reconhecidos, então era preciso que a gente fizesse a institucionalização da Associação.
No que concerne à formação profissional, o facto de o país contar actualmente com escolas de formação em artes de nível médio e superior pesou favoravelmente?
Não obstante o facto de o nosso Estado ter dado os primeiros passos rumo à formação e capacitação de quadros específicos nas áreas artísticas, com a construção de duas instituições de ensino de arte (o CEART e a FART, ex-ISART), há uma grande carência de formação de quadros, sobretudo na especialidade de teatro.
Existem muitos grupos teatrais em Angola, estamos a falar de mais de 10 mil intervenientes, e poucos destes têm a formação nesta área. Podemos aqui considerar apenas que entre 10 e 15% destes artistas é que têm a formação em teatro.
Isso preocupa-nos bastante porque esta falta de conhecimento se tem reflectido nos conteúdos que são levados nas salas de espectáculos que, de alguma forma, ferem a sensibilidade de quem vai assistir e, consequentemente, leva muita gente a deixar de ver teatro por conta da qualidade e do conteúdo.
E o que pretendem fazer em concreto sobre a gestão artística?
Este é o último eixo. Esta dimensão vai procurar tratar da compo nente económica, ou seja, ela vai assegurar a questão da sustentabilidade do artista.
Compreender como é que o artista produz a sua arte e o que fazer para que ele possa criar um cenário de sustentabilidade que lhe garanta sustento na sua própria área.
Será possível materializar tudo isso em quatro anos?
Foram estas bandeiras que nortearam a nossa campanha e acreditamos que, com a ajuda de todos e com o apoio de parceiros, em quatro anos poderemos resolver estes problemas ou pelo menos marcar passos significativos no sentido de minimizá-los.
Qual será o primeiro passo que a nova direcção vai marcar para ver cumpridos estes objectivos?
O primeiro passo será a revisão do estatuto orgânico da AAT.
Este é um passo que daremos já dentro dos próximos 100 dias porque sentimos que há necessidade de se rever este documento por não atender às necessidade reais da classe e estar fora do contexto daquilo que é o quadro que se verifica no teatro.
Nós não precisamos de ter apenas membros que estejam formados em grupos, precisamos de ter também de forma individual, mas que estes, de alguma forma, tenham que apresentar a sua estratificação de acordo com a realidade dos indivíduos que vão depois fazer parte da Associação.
Por outro lado, precisamos trazer à classe este estatuto porque, aquando da sua criação, aprovação e implementação, ele não foi apresentado à classe.
É um documento que um grupo de indivíduos fez sem ter em conta a opinião ou o parecer da maioria, por isso há uma necessidade urgente de ser revisto.
Para nós, é importante que se traga este estatuto a uma assembleia, se colha contribuições dos membros porque quem melhor conhece a realidade da classe é a assembleia.
São os próprios associados e são eles quem vão decidir quais os pontos a serem alterados, a serem excluídos ou a serem melhorados.
No final, queremos é ter um estatuto que atenda os reais interesses e preocupações da classe.
Para quando a tomada de posse?
Se tudo correr bem, daqui a um mês. Nós estamos agora a fazer as diligências para que a tomada de posse aconteça daqui a um mês, isto é, em Dezembro.
O dia, hora, local, tudo isso será comunicado em momento oportuno. Além da revisão do estatuto, nós também iremos fazer uma revisão da base de dados da Associação.
Pretendemos fazer a reintegração de muitos membros na base de dados, começando a convidar as pessoas a fazerem parte, legalmente, da Associação Angolana de Teatro.
Os seus associados poderão contar com uma sede da AAT?
Sim. Tão logo realizemos a tomada de posse, queremos apresentar a sede da Associação, que será em Luanda, no edifício do Conselho Nacional da Juventude (CNJ).
Aquando da nossa candidatura, o CNJ já tinha manifestado o interesse em apoiar-nos com a disposição de um espaço físico que irá acolher a nossa associação por um tempo determinado, até estarem reunidas as condições de termos o nosso próprio espaço de forma autónoma.
Portanto, após a tomada de possa, iremos apresentar a sede para que as pessoas, na qualidade de membros ou que queiram tornar-se membros da AAT, possam dirigirse até lá a fim de serem cadastrados.
Como estará constituída a direcção da AAT?
O organigrama da AAT está definido no seu estatuto. Encontra-se organizada da seguinte forma: mesa da assembleia geral, que conta com um presidente, vice-presidente e secretária; conselho fiscal, que tem o presidente, primeiro vogal.
“Vamos contactar o Ministério da Educação para a emancipação do ensino das artes nas escolas”
E segundo vogal; direcção-geral, que conta com um presidente (que é também o presidente da Associação), vice-presidente e o secretário-geral.
Seguem-se os secretários executivos, dentro dos quais encontramos os secretários para as Finanças, para o Património , para Estudos e Projectos, para Actividades e Comunicação, para Assuntos Jurídicos e Institucionais e secretário para as Relações Internacionais.
Quais as alterações que pretendem fazer com a revisão do estatuto?
Com a revisão do estatuto, nós queremos propor a criação e legitimação das delegações provinciais. Nós temos, em algumas províncias, com excepção de Luanda, associações regionais como em Benguela, Huambo, Cuanza-Sul, Huíla, Uíge e Bengo. Estas são associações autónomas que, até ao momento, não têm qualquer relação com a AAT.
Nós queremos é abraçar estas associações e convidá-las a integrarem ao núcleo nacional e torná-las delegações provinciais da AAT e, a partir daí, termos esta abrangência nacional.
Qual será o lugar da antiga comissão nesta nova direcção?
Temos a proposta da criação de um conselho de honra. Esta será uma comissão formada pelas idoneidades do teatro. Ela será constituída por artistas com uma vasta experiência na área, integrantes da comissão cessante, em espacial os professores José Mena Abrantes e Adelino Caracol.
Aquelas figuras que são precursores do teatro em Angola. Vozes autorizadas e com domínio no assunto, quer sejam académicos, autodidactas da área e todos aqueles que, de alguma forma têm alguma experiência, devidamente comprovada, a passar a nós.
Poderão ser por aí entre 25 a 50 pessoas que poderão fazer parte deste conselho.
Que tipo de associação se pode esperar sob sua liderança?
Como tenho dito, queremos fazer o associativismo mais interventivo, dinâmico e inclusivo. Queremos ter uma abrangência nacional, representações em todas as províncias e trabalhar com todos que muito fizeram e continuam a fazer em prol do teatro nacional.
Nós pretendemos também ir ao encontro dos grupos teatrais nas regiões e periferias fora de Luanda ou das capitais provinciais.
Existem vários grupos teatrais que têm feito um grande trabalho de expansão do teatro em zonas onde pouca gente sabe o que é o teatro, onde as pessoas quase que não entendem nada de arte, mas ainda assim se vê a representação teatral a contribuir para o entretenimento, inclusão e para a formação dos indivíduos.
Então, tal como fiz na minha campanha eleitoral, visitei muitas zonas distantes de Luanda e dos centros urbanos, queremos levar o teatro, promover a arte e poder educar as pessoas por meio desta arte.
O que pretendem fazer, do ponto vista prático, para conferir maior dignidade e honra à classe, como tem defendido nas suas abordagens?
Para tornar os nossos objectivos concretizados, diligências serão feitas com associações congéneres, instituições de tutela que velam pela cultura no país de modos a criar protocolos de cooperação.
Por exemplo, já conseguimos uma parceria com a CNJ neste sentido, vamos contactar a sexta comissão da Assembleia Nacional, que trata da cultura, ciência, educação, enfim, e tudo ligado à juventude, para a gente apresentar e interpretar os dossiês que tratam do associativismo em Angola, da educação, e apresentarmos o nosso manifesto.
Queremos que esta comissão [da Assembleia Nacional] olhe para nós como um braço que pode ajudar também a resolver os problemas da juventude, visto que o teatro é uma arte que congrega na sua maioria jovens.
Em termos de parceria institucional, é tudo?
Pretendemos trabalhar com alguns departamentos ministeriais como o da Cultura e Turismo, que é a nossa entidade representativa, da Administração do Território e Reforma do Estado, para, no âmbito da administração do território, termos representações a nível dos municípios, e vamos ainda contactar o Ministério da Educação, para a emancipação do ensino das artes nas escolas.
Algumas escolas têm anfiteatros ou espaços para actividades recreativas e culturais, mas por falta de iniciativas, ou talvez de pessoas que entendam da matéria, acabam por virar parques de estacionamento ou depósitos de materiais estragados, como carteiras, quadros e outros.
Então, queremos é reaproveitar estes espaços e dar o devido tratamento no sentido de promover as artes nas escolas, claro com um olhar especial para a prática do teatro.
Não será também por falta de incentivo?
O que temos visto é, muitas vezes, que as crianças nas nossas escolas não têm incentivo artístico. Não há actividade de estímulo à criatividade.
Elas não sabem como aproveitar os seus tempos de intervalo ou de férias e acabam perdendo-se em práticas que em nada abona o seu crescimento. Então, neste sentido, o teatro e a arte em geral podem ser uma ferramenta essencial na transformação destas crianças.
Têm em carteira algum projecto voltado para a juventude no cômputo geral?
Vamos também proporcionar vários ciclos de formação para a nossa juventude, de modo que os nossos jovens tenham, na sua consciência e ADN, o espírito de patriotismo e de respeito e valorização dos valores morais e culturais da nossa sociedade.
Hoje existe muita juventude carecendo de formação. Jovens que usam as redes sociais para denegrir ou desrespeitar entidades governamentais, uma prática que sabemos em nada abona a nossa juventude.
Por isso, como o teatro é uma ferramenta também de educação, formação e moralização da sociedade, em especial para os jovens, abraçamos como um desafio para estes quatro anos de mandato.
Há mais alguns projectos específicos que queira partilhar?
Em relação aos projectos específicos, temos vários. No âmbito da institucionalização da AAT, por exemplo, temos o de catapultá-la ao estatuto de instituição de utilidade pública.
Lutar para sermos uma associação orçamentada, com identidade e estatuto social reconhecido legal e formalmente pelas instituições de direito.
No campo da formação, vamos criar protocolos com o CEART e com a FART e, para além de concessão de bolsas de estudos, criarmos ciclos de formação para os artistas e criarmos sessões pedagógicas para indivíduos que tenham mais de 30 anos de experiência prática, no sentido de passarem por um refrescamento académico, e estes serem quadros destas instituições por serem indivíduos com muita experiência para passar.
Estas instituições têm carências de quadro docente na área de teatro e isso vai evitar, por vezes, que o Estado tenha que gastar verbas em requisitar professores estrangeiros, aproveitando os nacionais cuja experiência é, de certeza, uma mais-valia para a nossa arte e para o ensino.
Isso não vai requerer que o indivíduo tenha alguma formação pedagógica?
A intenção é que estes indivíduos não precisem fazer uma formação de quatro ou cinco anos, basta fazerem uma capacitação de um ano ou um ano e seis meses.
Com a vasta experiência que ele já carrega, passa por um processo de avaliação e, se aprovado, é integrado no corpo docente. Isso é uma coisa que noutros países, como Brasil, Portugal, Cuba, já acontece há anos.
Por que razão pretende sugerir a institucionalização do dia 18 de Novembro como sendo o “Dia Nacional do Teatro”?
Ora, o 27 de Março é celebrado como o Dia Mundial do Teatro, e todos os anos os grupos e associações teatrais de Angola reúnem-se para reflectir em torno desta data, sobre o estado real do teatro no nosso país.
Mas, a nível nacional, não temos uma data que assinala o teatro nacional, então, no dia 18 de Novembro a classe teatral registou um momento marcante na sua história.
É a primeira vez que realizamos eleições de âmbito nacional, com vários concorrentes e com a participação de uma massa votante considerável.
Esta data assinala também o renascer das esperanças da classe porque já se almejava por este dia. Depois de várias tentativas fracassadas, finalmente a AAT consegue realizar eleições pacíficas, organizadas, justas e transparentes. Não tem como esta data não ser marcada no calendário cultural nacional.
Quanto à carência de palcos para o teatro, o que tencionam fazer?
Neste capítulo, nós estamos alinhados aos projectos do Presidente da República, que falou sobre a construção do Palácio da Música e do Teatro, mas enquanto isso não acontece, nós precisamos olhar para as infra-estruturas já existentes.
Aquelas que são adaptadas e que actualmente se encontram fechadas ou alienadas, e algumas estão subaproveitadas, viraram armazéns, lanchonetes ou estabelecimentos comerciais.
Nós temos é que recuperar estes patrimónios culturais para termos estes espaços à disposição das artes e dos artistas porque a sociedade carece de espelhos.
De um lugar onde as pessoas consigam rever-se e corrigir os seus erros, e o teatro tem esta componente. Leva as pessoas a reverem-se naquilo que é retratado na peça.